Sentei-me no banco ao lado do ‘Tipógrafo’ não sem antes lançar um último olhar à ‘Foxy Lady’ que, nesse momento, acabava de pagar e saía da ‘Flor’ com o seu ar altivo, de sempre.
“ Não me admirava nada que esta gaja fosse da CIA” lançou-me do alto da vermelhão da roupa, e das convicções, o meu companheiro de balcão.
Enquanto preparava o meu habitual galão claro e muito quente, que acompanha com uma torrada fina e com pouca manteiga, a Dona Rosa lá foi metendo a sua colherada “O que o menino Nuno” ela costuma alternar esta designação com a de Doutor Nuno, embora já lhe tenha dito que me chame Nuno, simplesmente, ou Quirino ”…o que o menino Nuno precisa mesmo é de uma rapariga séria” e, depois de um breve intervalo ”…para casar!’.
Não valia a pena dizer-lhe, como já o fizera dezenas de vezes anteriormente, que já fora casado, durante três anos e que não era experiência que quisesse repetir.
Ela já ia lançada e atirou-me em simultâneo com a torrada “nada dessas lambisgóias que o estão sempre a visitar e que o Doutor às vezes traz aqui a jantar, todo derretido…”.
Por vezes, interrogava-me se a boa senhora não estaria subliminarmente a deitar-me à cara a filha, a doce, mas muito apetitosa, Rosinha, estudante de Comunicação, ou algo assim, que fora do horário das aulas dava uma mãozinha no estabelecimento dos pais e, essa sim, me banqueteava com sorrisos explícitos que eu teimava em considerar coisas de criança, embora o corpo da jovem de vinte anos pouco tivesse já de infantil.
Entretido a limpar com um pano, que já conhecera melhores dias, os tampos de fórmica das mesas do café, foi a vez do Sr. Campos, pai da mencionada Rosinha e marido da patroa, se imiscuir na conversa “ O Doutor já viu o que fizeram ao nosso Benfica?”
Este é outro que embora sabendo que não ligo nenhuma ao futebol, mas que a ser de algum clube seria do Belenenses, teima em querer converter-me ao Glorioso.
“ Roubaram-nos dois penálties e deram um cartão amarelo ao Di Maria sem ele ter feito nada…” nestas alturas nunca sei o que responder, quem será o tal de Maria?” ...como já perceberam que este ano vamos ganhar tudo, juntaram-se todos contra nós…”
Nesse momento, a pobre e insignificante criatura deve ter lido qualquer coisa no olhar feroz com que a mulher o presenteou, porque reduziu-se, de novo, ao silêncio e à limpeza demorada das mesas.
Mas entretanto o ‘camarada’ retomara o seu tema predilecto “ Outro que é da CIA, com toda a certeza, é o tal de Obama” e perante o meu silêncio surpreso
(esta ’teoria da conspiração’ era nova!)” …não tas a ver pá ? Meteram lá um preto, até lhe deram um Nobel da Paz e agora ele tem liberdade para fazer o que quiser…”
Aproveitei para beber o galão que começava a esfriar.
” A luta de classes é o motor da História, mas se tirarmos o pé do acelerador o motor vai abaixo…”continuava o meu amigo, nas suas permanentes adaptações livres que misturavam em partes iguais, citações e palavras e conclusões da sua lavra.
Não sei que direcção iria seguir o delírio anticapitalista do revolucionário de serviço porque, nesse momento, tocou o telefone.
Dona Rosa pegou no auscultador do aparelho preso na parede, mostrou uma expressão de desagrado e, sem dizer nada, esticou o fio enrolado e passou-mo com ar de poucos amigos.
“Falando no mal…” e dirigindo-se ao ‘Tipógrafo’” …deve ser outra lambisgóia !”
Não estranhei a chamada. Tenho por costume dar o número do café a muitos dos meus amigos porque, como passo muito tempo nesse local e o meu telemóvel, modelo antigo e ultrapassado que já devia ter trocado há muito, teima em desligar-se, é bom que eles tenham uma alternativa, para quando não me encontram em casa ou no Gabinete das Traduções.
Mas mal ouvi”Nuno, é você Nuno?”apercebi-me que afinal a chamada da véspera tinha sido mesmo real e estava a repetir-se.
“Afinal, que raio de brincadeira vem a ser esta?”
Senti que a Dona Rosa e o Telmo Tipógrafo estavam suspensos das minhas palavras.
Só o Sr.Campos, lá mais para o fundo, agarrado, agora, ao cabo da esfregona, vogava por entre tácticas novas que iriam tornar o clube das águias campeão.
“Saia daí depressa, ele anda à sua procura…”
E, de novo, o sinal agudo de interrupção de chamada.
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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
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Ora aqui está, hoje entrei definitivamente no ambiente desta história. Talvez tenha a ver com disponibilidade, mas gostei do realismo na atmosfera da leitaria. Recuei alguns anos, mas não há dúvida que está bem apanhado. Parabéns!
ResponderExcluirCurioso!
ResponderExcluirPor mero acaso eu estava no café e sem querer, escutei os comentários da Dona Rosa. Cá para mim ela, mulher vivida, observadora e sabichona, ainda um dia destes vai dar uma lição no Nunocas...à vai, vai !
"A Flôr do Bairro" está, de facto, muito bem caracterizada.
ResponderExcluirMesmo nas grandes cidades, ainda existem, hoje, lugares como este e, pela minha parte, tive direito a conversas engraçadíssimas quando, anos a fio, almoçava na "Modesta da Pampulha"!
Muitos motoristas de táxi, da praça mesmo ali à porta...
Johnny, se meter crime e tudo, estás numa de Rubem Fonseca , o que aliás só te fica é bem...
ResponderExcluir:-)