segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Crise? Que Crise? - Miguel Sousa Tavares

De repente, parece que acordaram todos para a situação de iminente descalabro nas contas públicas. As notícias que vêm da Grécia - onde o Estado está à beira da falência e o povo à beira da guerra civil - tiveram o condão de pôr algumas cabeças finalmente a meditar sobre a origem e os limites dos dinheiros públicos. Uma ilustre plateia de economistas reuniu-se expressamente para acusar de "mentiroso" o ministro das Finanças e apelar ao corte radical da despesa pública, isto é, dos gastos com os funcionários ao seu serviço.

Infelizmente, porém, não lhes ouvi uma palavrinha sobre a necessidade de cortar também nos "negócios de regime" com os fregueses do costume. E, apesar de entre eles estar o presidente da União de Bancos, também não se lhes ouviu um lamento sobre os 4 mil milhões de euros que o Governo já espetou no BPN e mais os outros milhões que se prepara para dar aos clientes do BPP que apostaram no lucro fácil e acabaram por cair facilmente na tramóia que o banco lhes montou (e que agora, nós, os prudentes, temos de pagar com os nossos impostos). Aliás, era antes, quando o BPN e o BPP andavam por aí a oferecer juros mirabolantes e "retornos garantidos", que teria sido saudável escutar uma palavrinha de aviso da ilustre plateia. Afinal de contas, para que servem os economistas? Hugo Chávez disse em Copenhaga que, se o clima fosse um banco, já estava salvo. Tem toda a razão: a União Europeia propunha-se dar 2 mil milhões de euros por ano para ajudar todos os países subdesenvolvidos a adoptarem medidas de contenção da poluição atmosférica. O dobro disso deram os contribuintes portugueses, em menos de um ano, para salvar o BPN e não se vê ainda o fim do regabofe.

É fácil aconselhar o corte na despesa com o funcionalismo. Fácil e talvez inevitável, no ponto a que isto chegou. Mas essa não é a única despesa "não virtuosa" do Estado. Há mais e pior. Estamos em crise económica porque o crescimento é incipiente e estamos em crise financeira porque o Estado gasta mais do que tem. Uma e outra coisa têm a mesma origem: a economia só arranca quando é o Estado a empurrar e, à força de empurrar, o Estado está falido.

Mas há também o reverso da medalha e felizmente que nem todos estão pessimistas. Jerónimo de Sousa, por exemplo, afirmou com veemência que se recusa a aceitar a "fatalidade" da crise financeira. Eu também gostava de recusar, mas não sei como se faz: vê-se a tempestade a avançar no horizonte e enfia-se a cabeça na areia com a esperança de que ela passe por nós sem nos ver? O que nos trouxe até aqui e agrava a nossa situação é justamente esta confluência ideológica entre os nossos capitalistas e os nossos comunistas: todos acreditam que a generosidade dos dinheiros públicos é um direito natural e um recurso inesgotável.

Crise? Sim, mas devagar. Os velhos hábitos demoraram séculos a entranhar-se e não são para largar assim do pé para a mão, só porque há para aí uns organismos internacionais que se puseram a olhar para as nossas contas e não descobriram como é que vamos conseguir pagar as dívidas sem uma violenta inversão dos nossos hábitos culturais ancestrais. Nestas alturas, não há nada como o patriotismo para enfrentar os "estrangeiros" e a crise - como o autarca de Paredes, que vai gastar pelo menos 1 milhão de euros a erguer um mastro com 100 metros de altura, no topo do qual, flutuará, invencível, a bandeira nacional a lembrar os 100 anos de República. Ou como os autarcas de Lisboa e de Oeiras, que descobriram uns milhões sobejantes (parece que com o auxílio de empresas públicas) para roubar os aviõezinhos ao Porto, porque já o Rock in Rio (onde a CML gasta uns milhões largos a favor do negócio daquele brasileiro esperto) lhes parece pouco.

O próprio Governo dá o exemplo de que as coisas não são assim tão más. Em troca do voto dos deputados da Madeira ao terceiro orçamento do ano e talvez ao próximo, o dr. Jardim lá foi autorizado, uma vez mais, a endividar-se para lá do que ele pode pagar e nós estaríamos dispostos a pagar. Sentado em cima da segunda região mais rica do país (e a única que aumentou o rendimento per capita nos últimos anos), o dr. Jardim é um mestre na arte de "governar": "O quê, vocês fizeram as contas mal aí no continente, e agora precisam de autorização para se endividarem mais? Ah, como eu os percebo! Ora, autorizem-me aqui os meus 80 milhões a mais e eu dou ordens aos meus rapazes aí no vosso Parlamento para votarem tudo o que o Governo daí quiser. E, depois de ter cá o meu dinheirinho, preparem-se para ouvir o que eu tenho a dizer sobre esses ladrões dos socialistas!".

Confortado com a solidariedade do Big Spender insular, José Sócrates por aí andou esta semana a prometer mais e mais, se o deixarem governar. Inaugurou qualquer coisa irreversível desse grande e ruinoso projecto chamado TGV, que, ao que parece, é um imperativo constitucional ou um sinal da existência pátria, tão importante como a bandeira do autarca de Paredes ou o Mundial de Futebol a que o dr. Madaíl nos candidatou sem pedir a opinião a ninguém (e ainda há aquele eterno presidente do COI, que não descansa enquanto não nos impingir uns Jogos Olímpicos). Em Beja entre camaradas, Sócrates regressou a outro imperativo constitucional, tão ruinoso como construir comboios de luxo para passageiros inexistentes: a sagrada regionalização, esse radioso amanhã que canta na cabeça de cada cacique partidário do "Portugal profundo".

Anunciou que as regiões vão ser cinco - para grande desgosto da gente local, que contava com mais uma sexta, com capital em Beja. Pena que não tenha tratado o assunto a sério, acrescentando, por exemplo: "As regiões são cinco e para elas eu vou dar um TGV, meio aeroporto, dois BPN, seis Air Bull Race e 400% da dívida acumulada da Região da Madeira. E esse dinheiro vou buscá-lo a... a... a Bruxelas. Bem, enfim, não todo, claro, algum há-de vir das pensões, dos salários dos funcionários públicos (excepto os dos professores, porque já estarão todos no topo da carreira), ou talvez se possa até prescindir de um dos submarinos, agora que o CEMGFA acaba de declarar que nem sabe o que há-de fazer com o primeiro deles, que chega já para o mês que vem. Também podemos vender a Caixa, a TAP, as Águas, o que sobra da Rede Natura e da Reserva Ecológica, e podemos vender a Portela às low cost - que, aliás, já são quase donas daquilo. O dinheiro não é problema: o país é que não pode parar!".

Há duas maneiras de governar os países: a grega e a outra. A nossa é a grega e, acreditem, acaba sempre mal.

Miguel Sousa Tavares in Expresso

5 comentários:

  1. Montão de assuntos pelo MST, só vou deixar aqui uma perguntinha:
    porque não se fax aqui como o meu preto inventou lá no paix dele, e se obriga a banqueiragem a devolver o que lhes foi dado quando estiverem de butes ?

    ResponderExcluir
  2. Não aprecio muito o MST mas afino no mesmo diapasão, aliás de há muito que brado contra o Coveiro dos Santos pois cá para mim, ele é o unico responsavel pelo buraco, buraquinho, buracão em que nos meteu, pois nunca teve coragem para cortar os devaneios do seu superior (tenho alergia ao nome própio do dito...).Estamos de tanga mas o dito cujo quer até esta nos retirar, ficaremso a mostrar as "vergonhas" ao mundo !!

    ResponderExcluir
  3. Ouço imensas pessoas dizerem que não apreciam o MST, mas na verdade ele é uma das poucas pessoas que nunca correu atrás de tachos e que chama as coisas pelos seus nomes, independentemente da cor política de quem as faz...

    ResponderExcluir
  4. Acho que já disse, repito: não o aprecio como pessoa, mas sei compartimentalizar, ele como jornalista/articulista é muitíssimo bom.

    ResponderExcluir
  5. Nunca pensei... poder concordar com Hugo Chávez!

    ResponderExcluir