segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

XXIX - Mais outro telefonema tardio


Na volta para Lisboa tivemos tempo, a Cristina e eu, de detalharmos todos os episódios ocorridos durante aquela noite, que avançava já pela madrugada.

Após a agreste interrupção por parte do Organizador Geral, pois partira dele a ordem ríspida a que a Bia, Beatriz pelos vistos, se apressara a obedecer, tínhamos ainda conversado com o Comendador que me perguntou pelos avanços na leitura do manuscrito, tendo ficado satisfeito por já a ter terminado e pela minha convicção acerca da autenticidade do mesmo.
Quanto à veracidade…Pareceu ficar um pouco decepcionado com a minha atitude céptica quanto à existência do tesouro.

De seguida quis saber da minha receptividade à ideia de uma grande nação ibérica, pergunta à qual eu optei por responder em tom jocoso ”Até gosto do jamón serrano, de preferência se for Pata Negra, de alguns filmes do Almodôvar e de ler o Perez-Reverte em castelhano, mas andar toda a vida a falar de língua enrolada, era coisa que não ia gostar muito, pela certa…”
Com a falta de sentido de humor que já lhe detectara antes, o Comendador Salcedas respondeu-me que talvez fossem os espanhóis que passariam a falar português…se o tal tesouro fosse descoberto !

Mas a minha atenção já tinha sido atraída para a saída do tal Organizador Geral que levava a reboque uma Bia de cabeça baixa, que em nada se assemelhava à mulher temperamental e fogosa que tantas vezes apertara nos braços.
O Comendador seguiu a direcção do meu olhar.
“ Não se meta em cavalarias altas, Nuno. Sabemos o que houve entre os dois, mas isso são águas passadas. O General Sousa tem um papel muito importante a desempenhar neste projecto e não queremos, nem podemos, deixar que as frivolidades da mulher o deixem vulnerável. Olhe que quem o avisa…”
Então a Bia era casada e, logo, com o ‘Fuher’ lá do sítio…
Agora percebia a razão dos seus telefonemas apavorados. Isto no caso de ser ela a B., o que não era seguro…

De seguida, o Comendador quis-me apresentar a várias das personalidades presentes, algumas das quais eu já conhecia das revistas e televisões.
Fiquei assim a conhecer o director de um semanário que há pouco andara nas bocas do mundo por causa de umas escutas, de uma providência cautelar, sei lá eu…
O homem pareceu-me um pouco paranóico, com um ego maior do que aquele casarão e a pessoa indicada para vir a ser um segundo Goebbels, um Ministro da Propaganda à altura daquele projecto.

Depois foi a vez do dono da casa, que eu já conhecia porque há anos tínhamos estado juntos numa qualquer história de saias, assunto em que ele era muito versado, sendo eu, ao pé dele, um mero aprendiz.
Com a efusão do costume abraçou-me com sonoras palmadas nas costas.
“ Tens que ver os projectos que já tenho para os heróis de cada país. O Infante, El Cid, Camões, Cervantes, Primo Rivera, Franco, Salazar…” e, baixando a voz ”estes últimos, por imposição dos bosses.”
Para quem começara como militante esquerdista, a coisa não estava mal…

Por essas alturas, já a ‘Foxy Lady’ percorria as diversas salas como que à procura de alguém.
Vi como afastou a tal Mercedes que se pretendeu colar e que ficou a olhá-la com um ar simultaneamente decepcionado e irritado.

Pouco depois, enquanto o Comendador me apresentava mais um ‘pilar da sociedade’, desta feita um conhecido e eléctrico comentador televisivo, pródigo em criar factos e histórias mais ou menos mirabolantes, reparei que a Cristina parecera encontrar, finalmente, o motivo da sua busca pela casa – o mesmo homem alto, com nome de pássaro (…ou passarão?) que eu vira no restaurante de Sintra. Afinal não sonhara…

E foi acerca de todos estes acontecimentos que falámos durante a viagem até minha casa, onde uma ‘Foxy Lady’, um pouco ensonada, me deixou, com uma última recomendação “ Durma bem…não sonhe com as suas amigas ‘tórridas’…”
Entrei em casa, com a sensação que a minha vida era um livro aberto para demasiadas pessoas…

Nem estranhei, quando o telefone tocou. Já passava das três da manhã.
“ Pah, os gajús andam atrás de mim. Acho que descobri o verdadeiro meaning desta m#$%&a toda !!!”

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