quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um Outro Lado da Cidade Maravilhosa

Era a segunda vez que aterrava no Rio.
Só que as circunstâncias eram completamente diferentes.
Da primeira chegara como turista. Com dólares no bolso.
Hospedara-se num hotel de Ipanema.
Espreguiçara-se nas praias…

Agora vinha como emigrante. Por tempo indeterminado.
Com meia dúzia de tostões. Sem trabalho. Nem contactos.
A não ser aquela prima distante que o esperava no Aeroporto.
Viúva de uma familiar afastado. Com o filho.
Um adolescente meio disléxico
que o olhava com um sorriso acriançado.

Meteram-se num táxi.
A prima, tia como lhe chamava, a falar sem paragens.
A contar da Ditadura Militar. Dos estudos do filho.
Da luta pela herança com os herdeiros do falecido marido.
E ele a olhar lá fora a sujeira da Avenida Brasil.
O ar decrépito das fábricas, a anarquia do trânsito.
A pobreza dos transeuntes.
O calor sufocante e, ao mesmo tempo, húmido.
O cheiro apodrecido das jacas. O gás das mangueiras.*

Chegaram, por fim, ao Catete.
Nunca ouvira, como era natural, falar de tal bairro.
Antes só conhecera os endereços charmosos do Rio.
Ipanema, Leblon, Copacabana, Barra e pouco mais.
O Catete era outro campeonato.
Ruas, prédios, lojas, passeios e pessoas de uma sujidade endémica.
A escuridão envolvente e a fina garoa*que caía
Acentuaram, ainda mais, essa sua primeira impressão.

Que viria a aumentar, e muito, no dia seguinte, Domingo.
O “ apartamento” que a “tia” gentilmente lhe cedera.
Era o que os brasileiros baptizaram de “conjugado”
e, agora chamam de estúdio.
Uma única divisão com uma pequena kitchenette e,
a um dos cantos, um banheiro mínimo.
Que tinha que dividir com o tal primo meio débil mental.
Mas com uma grande vantagem, era de graça.
E, além disso, com direito a uma refeição sempre igual.
Filê com “arroiz”, ou com "fritas".

Ao descer no”ascensor” pareceu-lhe estar a viver um filme de terror.
A seu lado um negão com dois metros de altura
e outros tantos de largura, com um camisola interior de alças
que pouco devia à higiene, olhou-o, de soslaio,
enquanto limpava o suor copioso com um lenço,
ou pedaço de pano, imundo.

Foi até ao, relativamente perto, Parque do Flamengo.
Empregadas domésticas, piranhas* e outras jovens cariocas
passeavam-se, comendo picolês*, empurrando carros com nénés
ou paquerando* os poucos homens que por lá se encontravam.
Não conseguiu, com facilidade, diferenciar
as diversas faunas femininas, que por ali deambulavam.
Os anos seguintes, e os variados encontros íntimos
com as indígenas, não o ajudaram muito a melhorar essa definição.

No dia seguinte começou a procurar emprego.
Indicaram-lhe na lista telefónica, a agência de publicidade
que ficava mais perto do local onde se encontrava.
Os donos disseram-lhe que podia começar a trabalhar
nesse mesmo dia.
À noite quando regressou ao tugúrio onde estava a viver,
lágrimas quentes escorriam-lhe pela cara.

Três meses depois era sócio da agência.
Alugou um apartamento num prédio com mais de trinta andares.
Paredes de vidro de onde se via o Pão de Açúcar e o Jockey Club.
Começou, então a conhecer outra face da Cidade,
essa sim, Maravilhosa.
Mas isso faz parte já, de outra história…

Nota do Tradutor: *As Mangueiras, árvores das mangas, exalam
um cheiro que faz lembrar uma fuga de gás, o que, inicialmente,
assusta os "maçaricos"* Garoa, chuva fina ( a nossa "molha tolos")
*Piranhas, prostitutas *Picolé, gelado com pauzinho, tipo Olá
* Paquerar, namoriscar.

5 comentários:

  1. Espero que a descrição continue em próximos capítulos.Pode ser?

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  2. Quimera, penso eu de que...esta história irá ter capitulos muito elucidativos sobre a alegria de se viver num País de grandes contrastes mas onde impera a alegria e o bom humor que por cá vai desaparecendo !
    Fico ansioso para conhecer mais da vida deste aventureiro !

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  3. Eu estive algum tempo com os meus Pais no Brasil, a seguir ao 25 de Abril, em São Paulo, e posso perceber perfeitamente esta situação.

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  4. O Catete, junto ao Catetinho, a Glória e mais a praia do Flamengo, são dos lugares mais interessantes do Rio ---- digo eu, que vivia na Gávea... :-)

    P.S.
    recomendaçãozinha: nunca por nunca por os butes em Belford Roxo ou sitios assim, não é para a vossa/nossa idade... :-P

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  5. Posso entender seu sofrimento, mas eu quando cheguei aqui na terrinha também sofri muito.

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