Procurarei transmitir a quem de direito os teus sábios e tão oportunos conselhos.
Ousarei, no entanto, pôr em dúvida que os mesmos sejam acolhidos com a presteza devida, ou sem qualquer presteza, posto que os destinatários nem sequer te conhecem. Porventura um ou outro terá sabido – tão-só, lamento dizê-lo – que, corridos dois milénios, os guias turísticos continuam a homenagear-te ao se nomearem cicerones, por inspiração do paródico e humílimo cognome que adoptaste, Cícero, palavra que vertida do Latim significa o desprezível "Grão-de-Bico" (escrevo-o com maíusculas, naturalmente, por razão de deferência). Alegra-te: pelo menos nisso chegou até nós a fama que granjeaste junto dos visitantes da tua amada Roma ao narrares, com inigualável vigor e sapiência, a história da Cidade de que eras o excelso senador, o Pater Patriae. E sem rebuço derivavas para o assunto político invocando nessas ocasiões os teus mestres gregos, em especial o dilecto Aristóteles: «O Estado, conforme às leis da Natureza, deve compor-se de elementos que se aproximem o mais possível da igualdade», sendo que, realçavas, «o nivelamento das riquezas é o único meio de prevenir as discórdias.»
Releio os teus conselhos sobre o Orçamento Nacional, as Finanças Públicas, a tragédia de a Nação poder ir à falência, e é como se te ouvisse de viva voz. Registam os pergaminhos que ninguém te suplantou na eloquência oratória. Até os imperadores, diz-se, transigiam a essa voz, ou seja, à razão convertida em lei por obra dessa voz. Constrange-me que essa mesma voz permaneça perdida e esquecida no senado republicano de Roma. Ah, Marcus! Pudesses tu vencer a distância de milénios e ser ouvido hoje pelos regentes da governança e demais régulos malcheirosos das altas esferas da desvergonha que, não discrepando da tua época, têm igual dificuldade em acertar seus passos com as regras de boa conduta!
Perdoa-me os carpidos, emérito "Grão-de-Bico", mas crê: isto está um bico-de-obra. E... bico calado. Ou quase. Mas alegra-te, uma vez mais, porque te darei enfim a feliz notícia de se encontrar por aqui em desuso o hábito de cortar a cabeça aos insurrectos de intelecto dito malsão, como te fizeram.
Um pequeno progresso, convenhamos.
Quanto ao mais, queridíssimo "Grão-de-Bico", dir-te-ei de coração apertado que neste novo mundo tão globalizado e complexo e digital e diferente, tudo continua igual.
Apresento-te os meus respeitos e solidariamente me subscrevo,
Pedro Foyos
Jornalista
Marcus Tullius Cicero , um dos opositores de César ... e defensor da "casta" de nobres 'instalada' em Roma no tempo da "República".
ResponderExcluirDepoix foi ainda pior...
:-(
"Nothing is more noble, nothing more venerable than fidelity. Faithfulness and truth are the most sacred excellences and endowments of the human mind."
Poix, mas isto era só da boca p'ra fora...
Que delicia !
ResponderExcluirNão aprendemos nada em dois mil anos...
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