Mini Série em 8 Episódios (1/8)
A manhã começou normal, igual a quase todos os dias.
Acordei por volta das sete, sem precisar de despertador.
O poker da véspera, em casa da Paula, reflectia-se numa ligeira dor de cabeça.
O chuveiro, na potência máxima, seguido de uma auto massagem com luva de crina, ajudou-me a voltar ao mundo dos vivos.
Escolhi uma camisa azul da Façonable, um fato Cerutti de corte tradicional, também azul, mas escuro, e hesitei entre uma gravata com riscas e uma lisa, mais actual, mas vulgar. Optei pela primeira.
Duas aspirinas e um café forte depois, estava já preparado para a rotina diária.
Trinquei, distraído, uma torrada, enquanto lia no laptop o resumo da imprensa diária.
As habituais quezílias entre Governo e Oposição, mais um escândalo, desta feita, no mundo da construção, um artigo virulento do Soares, a prisão de uma antiga estrela de um reality show, enfim, nada de invulgar ou muito estimulante.
Desci à garagem do prédio e olhei o meu BMW Z4 cinza metalizado que era, de momento, a menina dos meus olhos. Alisei a capota hard top, antes de me sentar e sentir o forte cheiro do cabedal genuíno.
O motor ronronou satisfeito quando iniciei a marcha que me levaria, em menos de 15 minutos, da Nova Campolide, onde moro, até ao Parque das Nações, onde trabalho.
A Agência de Publicidade que me paga um chorudo salário, há cerca de três anos, para usufruir do meu talento como Creative Director, ocupa todo um prédio, de desenho arrojado, com vista para o rio.
Subi ao último piso, onde se situa o meu gabinete, com duas novas colegas Account Junior e o Director do Departamento de Media, um ruivo, alto e desengonçado, com que não vou à bola.
A minha secretária, uma recém licenciada em Comunicação, recebeu-me com a habitual simpatia e jovialidade.
Sou um defensor acérrimo de que não se deve misturar prazer com trabalho, mas a Cláudia, assim se chama a minha mais chegada colaboradora, já me fez pensar, várias vezes, em esquecer esse princípio básico, que sempre orientou a minha vida profissional.
Mas, rapidamente, esqueci esses pensamentos menos próprios quando comecei a resolver os problemas que, todos os dias, se me deparam, neste mundo violento e sem complacências que é a selva da Publicidade.
Uma reunião com uma dupla em que visualizador e redactor andavam de candeias às avessas, por causa de um rabo de saias da Contabilidade, a análise do portfolio um novo fotógrafo, dezenas de telefonemas de, e para, clientes, fornecedores e free lancers, a leitura dos inúmeros mails que, diariamente, inundam o meu computador, manteve-me ocupado até quase ao fim da manhã.
Por fim, ao meio dia, começou o que iria ser o ponto alto da minha jornada de trabalho ( nem eu sabia o quanto...) - uma reunião alargada a vários elementos da equipa criativa, dois representantes do Cliente e o Chairman da Agência, para discutirmos uma nova Campanha, de budget quase ilimitado...
A sala, de dimensões avantajadas, estava decorada com aquele estilo minimalista e despojado, que transmite uma primeira ideia de frieza mas que, quando observado ao pormenor, mostra que tudo é da máxima qualidade, a começar pelos quadros.
Numa das paredes um enorme tríptico de madeira do Pedro Calapez, do período quase monocromático deste artista, dava o mote para o colorido da sala em que os negros, cinzas e castanhos escuros pontificavam.
No topo da divisão, dois trabalhos de Julião sarmento, sobre papel, emitiam, com quase displicência, um erotismo incómodo que deixava desconfortáveis os empresários mais conservadores, que nos visitavam.
O primeiro dos oito participantes da reunião a falar foi o nosso PDG, um inglês, há já seis anos em Lisboa, com um português fluente, arranhado só nalguns ditongos, que depois de agradecer a todos, fez um resumo rápido do que se pretendia decidir neste meeting - delinear as linhas força de uma mega campanha que incluiria Televisão, Rádio, Imprensa, Outdoors, mas, também, as redes sociais, direct mail, acções de ponto de venda, com o objectivo de transformar Excalibur, assim se chamava o novo produto, num líder do sector.
Esse era, pelo menos, o objectivo.
Depois das breves, mas elucidativas, palavras que proferiu, Arthur King, passou-me a palavra, com um breve aceno de cabeça.
Levantei-me, cumprimentei, uma vez mais, todos os presentes e preparei-me para a presentação que andara a burilar há mais de uma semana.
Nesse momento, foi como se as luzes da sala se tivessem apagado.
Senti um arrepio percorrer-me a espinha, uma vertigem e...
Francesco Vecchio
Nota do Tradutor: Nesta altura, uma explicação se impõe. Optei, deliberadamente por aportuguesar o texto, adaptando a Lisboa ( Nova Campolide, Parque das Nações, rio) tudo o que, no texto original, nos fazia reportar a Milão. Fiz o mesmo com os Pintores italianos que decoravam a sala de reuniões. Achei que esta era a forma de tornar a acção mais próxima do Leitor. A este e ao Autor, as minhas desculpas pelo eventual abuso...
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009
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Tantas referências tornam-me desconfiada... A suivre
ResponderExcluir... "um enorme tríptico de madeira de Pedro Calapez, do período quase monocromático"... mas onde é que eu já vi isto?!
ResponderExcluirEste Francesco Vecchio está a fazer-me nascer um ninho atrás da orelha...
Para não falar de outras coisas...