de um computador esquizofrénico no filme de Kubrick.
Arthur C. Clarke corrigiu então, em 2010,
a "má imagem" que o equipamento informático
havia deixado em milhões de espectadores.
HAL 9000. Lembram-se? O supercomputador de 2001 – Odisseia no Espaço. Não pode ficar sem referência esse comparsa inescrutável que personificará para sempre o lado mais inquietante da ameaça robótica sobre a humanidade.
Ele era, por assim dizer, o sexto membro da tripulação da Discovery. Não humano. Ou... defeituosamente humano. HAL foi concebido e construído em Ilinóis por uma equipa chefiada pelo Dr. Chandra, personagem que Arthur C. Clarke faria ressaltar para um plano essencial da trama em 2010: Segunda Odisseia. O supercomputador HAL 9000 era senhor de predicados únicos no mundo. Considerado operacional em Janeiro de 1997, só quatro anos depois, durante a histórica viagem de 2001, logrou demonstrar de forma cabal as suas performances inacreditáveis. Superinteligente, capaz de ultrapassar milhões de vezes a maioria das faculdades do cérebro humano, HAL era o verdadeiro eixo axial da missão. Tudo a bordo da Discovery passava por ele, num controlo rigoroso, exacto, perfeito, profissional, constante. Ao contrário dos seus colegas humanos, que necessitavam de períodos de sono e, até, de uma prolongada hibernação, HAL, sempre vigilante como uma sentinela esperta e desperta, nunca dormia. Tal e qual o Big Brother de Orwell – reminiscência imagética que, aliás, Stanley Kubrick torna perceptível em momentos cruciais do filme. Sequência memorável é, por exemplo, a dos tripulantes furtando-se à captação das próprias conversas pelo omnipresente e perscrutante olho-lente de HAL. Esquecem-se, porém, que o supercomputador não necessita de ouvir: basta-lhe apreender o movimento dos lábios!
Entre as tarefas principais confiadas a este prodígio da electrónica destacava-se a da monitorização dos sistemas de apoio de vida, consistindo na observação contínua da pressão do oxigénio, da temperatura, etc. Não menos importante era a sua actividade nas operações complexas de navegação, corrigindo e executando as necessárias manobras quando chegava o momento de mudar de rumo. E zelava pela equipa em hibernação, realizando os ajustamentos indispensáveis à manutenção das quantidades mínimas dos fluidos intravenosos vitais.
O supercomputador comunicava verbalmente com os colegas de nave. Quem viu 2001 jamais esquecerá os diálogos e a voz melíflua de HAL: «Desculpa, Dave, mas...». Depois, após um silêncio gélido: «... Dave... De acordo com a sub-rotina especial C1435, que diz: Quando a tripulação morrer ou estiver incapacitada, o computador de bordo deve assumir o comando, fim de citação, sou obrigado a anular a tua autoridade, visto que não te encontras em condições de a exercer com inteligência.»
HAL, o afável HAL, enlouquecera. Nevrótico, o computador empreende um plano perverso que o converterá no dominador supremo da nave e dos respectivos ocupantes humanos. Com arrepiante descontracção, ocasiona a morte de quatro dos tripulantes.
Também Dave Bowman, primeiro-comandante e derradeiro sobrevivente, desaparecerá, por fim, nas estrelas. Antes, o cosmonauta conseguira desmontar HAL, numa operação de neurocirurgia robótica que constitui um momento antológico na história do cinema.
«Dave», diz-lhe HAL, agonizante, «não percebo porque estás a fazer-me isto... estou muito empenhado nesta missão... Estás a destruir-me o cérebro... Não compreendes?... Dave... Tornar-me-ei infantil... Tornar-me-ei em nada...»
E pouco depois, efectivamente, o computador manifesta sinais de regressão ao estágio primevo do aprendizado: «Boa tarde, meus senhores!», exclama com vivacidade. «Sou o computador HAL 9000. O meu instrutor foi o Dr. Chandra e ensinou-me a cantar uma canção... Se gostar de a ouvir, poderei cantá-la para si... Chama-se Daisy, Daisy...»
HAL foi mal acolhido pela IBM. Os engenheiros da multinacional consideraram as tropelias do computador gravosas para a imagem do progresso informático junto do grande público. Ter-lhes-á parecido um golpe baixo na esforçada causa da coexistência e boa convivialidade entre o homem e a machina sapiens. Pormenor pouco inocente atiçou sobremaneira os ânimos: as letras H-A-L antecedem, no alfabeto, as letras I-B-M... (Mais tarde, Clarke, numa pirueta inconvincente, explicou que HAL era uma sigla resultante dos vocábulos Heuristic ALgorithmic...).
Conta-se igualmente que Isaac Asimov, quando assistiu ao filme de Kubrick, não terá refreado um brado recalcitrante: «Inverosímil! Isto jamais seria possível! Traíram a Primeira Lei!». Recorde-se que as célebres Leis da Robótica, da autoria daquele grand master da ficção científica, abrem com um preceito terminante: «Um robot não deve fazer mal a um ser humano ou, por inacção, permitir que um ser humano sofra qualquer mal.» Inadmissível, de facto, que uma sumidade universal como o Dr. Chandra tivesse esquecido a implantação de uma lei primordial da robótica no cérebro perfeito de HAL.
Talvez por isso, Arthur C. Clarke pôs em execução um complexo plano para reabilitar HAL. Em 2010: Segunda Odisseia descobre-se que a esquizofrenia do computador foi provocada por ordens contraditórias emitidas ao mais alto nível, numa obscura encruzilhada de objectivos estratégicos inconfessáveis. Confusos?! Mas é simples! Repare-se: HAL foi levado a envolver-se numa mentira irrevogável que o impeliu a confrontar os tripulantes humanos. A eliminação destes, segundo decidiu, seria a única maneira de ultrapassar o bloqueio de contrafacções. Em suma: HAL, um supercomputador intrinsecamente honrado, zeloso, exacto -- portanto, não programado para mentir --, limitou-se a optar pelo que lhe pareceu ser o curso mais lógico de comportamento.
O material tem sempre razão.
E pouco depois, efectivamente, o computador manifesta sinais de regressão ao estágio primevo do aprendizado: «Boa tarde, meus senhores!», exclama com vivacidade. «Sou o computador HAL 9000. O meu instrutor foi o Dr. Chandra e ensinou-me a cantar uma canção... Se gostar de a ouvir, poderei cantá-la para si... Chama-se Daisy, Daisy...»
HAL foi mal acolhido pela IBM. Os engenheiros da multinacional consideraram as tropelias do computador gravosas para a imagem do progresso informático junto do grande público. Ter-lhes-á parecido um golpe baixo na esforçada causa da coexistência e boa convivialidade entre o homem e a machina sapiens. Pormenor pouco inocente atiçou sobremaneira os ânimos: as letras H-A-L antecedem, no alfabeto, as letras I-B-M... (Mais tarde, Clarke, numa pirueta inconvincente, explicou que HAL era uma sigla resultante dos vocábulos Heuristic ALgorithmic...).
Conta-se igualmente que Isaac Asimov, quando assistiu ao filme de Kubrick, não terá refreado um brado recalcitrante: «Inverosímil! Isto jamais seria possível! Traíram a Primeira Lei!». Recorde-se que as célebres Leis da Robótica, da autoria daquele grand master da ficção científica, abrem com um preceito terminante: «Um robot não deve fazer mal a um ser humano ou, por inacção, permitir que um ser humano sofra qualquer mal.» Inadmissível, de facto, que uma sumidade universal como o Dr. Chandra tivesse esquecido a implantação de uma lei primordial da robótica no cérebro perfeito de HAL.
Talvez por isso, Arthur C. Clarke pôs em execução um complexo plano para reabilitar HAL. Em 2010: Segunda Odisseia descobre-se que a esquizofrenia do computador foi provocada por ordens contraditórias emitidas ao mais alto nível, numa obscura encruzilhada de objectivos estratégicos inconfessáveis. Confusos?! Mas é simples! Repare-se: HAL foi levado a envolver-se numa mentira irrevogável que o impeliu a confrontar os tripulantes humanos. A eliminação destes, segundo decidiu, seria a única maneira de ultrapassar o bloqueio de contrafacções. Em suma: HAL, um supercomputador intrinsecamente honrado, zeloso, exacto -- portanto, não programado para mentir --, limitou-se a optar pelo que lhe pareceu ser o curso mais lógico de comportamento.
O material tem sempre razão.
Jornalista
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Ao reler este teu texto, dei comigo a pensar quão diferente é a realidade e a ficção científica (que pensávamos estar muito próxima no final do século passado):
ResponderExcluirNo 2010 Odisseia no Espaço as pessoas viajavam entre galáxias em naves, comodamente instaladas (nem cintos de segurança usavam …), identificavam-se com um simples cartão com chip, o controlo era perfeito, profissional, rápido …
No 2010 real viaja-se em aviões com espaço cada vez mais exíguo, quase sempre com o cinto apertado ( just in case…) , depois de passar por um rigoroso, infindável e patético controlo policial ( que suspeita de tudo … menos dos terroristas).
Acho que vou voltar para o Arthur C. Clarke, para a Discovery .....