em que a humanidade descobrirá
o laboratório prodigioso dos deuses.
Mas não querem ser importunados, avisam eles.
Aparente incoerência. A sequela literária de 2001 – Odisseia no Espaço, com o título 2010 – Segunda Odisseia, está muitos furos acima da débil novelização do tema matricial que Stanley Kubrick universalizou a partir do filme que representa um marco deslumbrante na história do cinema. Sem prejuízo das objecções de fundo aqui sublinhadas na sexta-feira, condescendemos num ponto: a sequência de 2001 constitui uma superfluidade absoluta, mas... a ter de acontecer, que seja, então, sob o magistério eficiente de um escritor como Arthur C. Clarke.Narrador aliciante, sábio conhecedor do magismo ciência-ficção bem temperado de factos reais, e, sobretudo, no caso presente, liberto da contradança cinematográfica, sem submissão a realizadores propensos a certos ilogismos estilísticos, Clarke reencontrou neste livro autónomo a sua natureza e ritmo inventivos. Algumas páginas despertam-nos para a vitalidade do velho mestre. Sucede isso, por exemplo, com o caleidoscópio cósmico dos lances finais – a explosão de Júpiter –, deixando transparecer uma explicação para o Big Bang (melhor dizendo: todos os big bangs, passados e futuros). Empolgante, também, a descrição das formas excêntricas de vida impossível (numa perspectiva do planeta Terra) geradas nos lugares mais inóspitos de Júpiter e das suas luas eruptivas. Por essas paragens longínquas, a quase um bilião de quilómetros do centro espacial onde foi construída, permanece, desde 2001, a nave Discovery, agora um espectro cósmico. Depois do trágico desfecho da primeira odisseia, com a tripulação vítima da malevolência de um supercomputador, a nave vagueia, silenciosa, apavorante, entre Júpiter e Io, uma das luas do planeta. Volvidos nove anos, uma outra nave, de procedência russa, parte com o propósito de se reunir à Discover e tentar perscrutar os enigmas que envolveram a malograda missão americana. Esta segunda nave tem o nome de Alexei Leonov, homenagem de Clarke ao cosmonauta pioneiro, um dos dois «grandes russos» a quem dedica o livro (o outro é o dissidente histórico Andrei Sakharov, facto que, ao tempo, suscitou problemas na comercialização da obra na então URSS).
Antes de iniciada a viagem foi necessário, porém, dirimir uma questão política decorrente da circunstância de a Discovery figurar para todos os efeitos território dos EUA, estatuída que estava a sua condição de «engenho espacial temporariamente sem missão.» Assim, ultrapassando o que poderia ser interpretado como um acto de pirataria, resolve-se integrar três americanos na tripulação, sob o comando de Tanya, uma russa intrépida.
A Leonov aborda, enfim, a fantasmagórica Discovery. Mas há uma presença inquietante à vista: o célebre monólito negro, imenso e misterioso, que consubstancia a revelação da existência, há milhões de anos, de uma inteligência extraterrestre, infinitamente superior à humana.
O enredo recupera neste passo a sequência inicial, indelével, de 2001, com o monólito negro dominando um tempo e um espaço pré-humano, habitado por símios.
A missão empenha-se nas operações de investigação e restauro da Discovery, ansiando a decifração do grande enigma. De súbito, tudo se precipita. Algo de muito inesperado e fantástico irá acontecer: o contacto.
Contacto explícito
Kubrick, se leu a obra, eriçou-se, nesta peripécia, como um gato ligado à central eléctrica. Na verdade, ao tentar conferir, a todo o custo, uma razão plausível para a sequela, Clarke perdeu o pé precisamente na artificialidade de "contacto", delineado sob o formato de uma mensagem enviada para a Terra (a partir de Dave Bowman, a criança-astral do epílogo de 2001). Ei-la:
«Todos estes mundos vos pertencem, excepto Europa. Não tentem aterrar lá.»
Europa é uma das luas de Júpiter. Portanto, o lugar proibido. Deduz-se que os deuses instalaram no local o seu laboratório prodigioso e não querem ser importunados. Os frutos proibidos colhem-se, como é sabido, na árvore das tentações invencíveis. Os humanos possuem essa vulnerabilidade fatal. Compreende-se, assim, que, relativamente à interdição em apreço, também ela seria, um dia, desobedecida. Tarde ou cedo isso teria de ocorrer, até porque o assunto justificaria em pleno um novo best-seller.
Arthur C. Clarke sentou-se então ao computador e começou a escrever um romance com a acção centrada no ano 2061. E voltaria ao tema, uma última vez, dez anos depois, com 3001 – Odisseia Final.
O problema destes livros (quatro, no total!) é o de despertarem as memórias de um filme inolvidável. A memória do esplendor cenográfico. A memória do fascínio estereofónico de Strauss. A memória da ambiguidade do final "ilógico"...
A missão empenha-se nas operações de investigação e restauro da Discovery, ansiando a decifração do grande enigma. De súbito, tudo se precipita. Algo de muito inesperado e fantástico irá acontecer: o contacto.
Contacto explícito
Kubrick, se leu a obra, eriçou-se, nesta peripécia, como um gato ligado à central eléctrica. Na verdade, ao tentar conferir, a todo o custo, uma razão plausível para a sequela, Clarke perdeu o pé precisamente na artificialidade de "contacto", delineado sob o formato de uma mensagem enviada para a Terra (a partir de Dave Bowman, a criança-astral do epílogo de 2001). Ei-la:
«Todos estes mundos vos pertencem, excepto Europa. Não tentem aterrar lá.»
Europa é uma das luas de Júpiter. Portanto, o lugar proibido. Deduz-se que os deuses instalaram no local o seu laboratório prodigioso e não querem ser importunados. Os frutos proibidos colhem-se, como é sabido, na árvore das tentações invencíveis. Os humanos possuem essa vulnerabilidade fatal. Compreende-se, assim, que, relativamente à interdição em apreço, também ela seria, um dia, desobedecida. Tarde ou cedo isso teria de ocorrer, até porque o assunto justificaria em pleno um novo best-seller.
Arthur C. Clarke sentou-se então ao computador e começou a escrever um romance com a acção centrada no ano 2061. E voltaria ao tema, uma última vez, dez anos depois, com 3001 – Odisseia Final.
O problema destes livros (quatro, no total!) é o de despertarem as memórias de um filme inolvidável. A memória do esplendor cenográfico. A memória do fascínio estereofónico de Strauss. A memória da ambiguidade do final "ilógico"...
"Se conseguires falar de maneira brilhante àcerca de um problema qualquer, podes sempre produzir a ideia que te consola, de que a coisa estará resolvida..."
ResponderExcluir:-)