quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

I - Um Telefonema a meio da noite

Aquele primeiro telefonema, e lá se vai o suspense porque ao dizer primeiro deduz-se que seguir-se-ão outros, fez-me dar um salto na cama.
Estremunhado, olhei o despertador luminoso da mesinha ao lado da dita.
Três da matina. Quem é que me poderia estar a ligar àquela hora?
Nos breves quinquagésimos de segundo que o cérebro demorou a dar a ordem ao braço e este a esticar-se e accionar a mão para levantar o auscultador, inúmeras hipóteses percorreram a minha mente entorpecida.
Um telefonema de fora, do Brasil, dos Estados Unidos? Em ambos os países tinha amigos, amigas, melhor dizendo, e alguma podia estar meio pirada e não ter ligado ao desfasamento horário…
Telefonema dos meus pais, sessentões avançados, mas com saúde para dar e vender?
Da minha ex ? Embora separados há anos, todos os dias me ligava, utilizando os mais variados pretextos. Mas, justiça lhe seja feita, nunca depois da hora de jantar.

Já com o auscultador encostado ao ouvido, soltei um doloroso “Sim?”.
Do outro lado só se ouvia uma respiração pesada, talvez ofegante.
Era o que faltava, que depois de me acordarem do sono dos justos, dos injustos ou de quem quer que fosse, a chamada se resumisse a uma brincadeira ou, pior ainda, a um equívoco de alguém que esperava ser recebido por uma expectante donzela e, em vez disso, apanhara um ensonado mancebo.
Repeti, com um toque de irritação na voz ”Sim? quem fala?”.
A pergunta, quase gutural, transbordou do bocal, num sussurro “…Nuno?”.
O sono misturado com o baixo volume da voz e a rouquidão da mesma, como se se tratasse de um cocktail tropical tornava a definição do sexo do meu, da minha, interlocutor/a, algo que só uma astrólogo de nomeada poderia solucionar, o que não era o caso.
“Sim…quem fala?” já perfeitamente acordado, procurei o isqueiro e os cigarros em cima da tal mesinha.
A resposta, se bem que misteriosa, esclareceu-me alguns dados biográficos em relação a quem estava do outro lado da linha.
“ O meu marido descobriu tudo…e jurou que nos vai matar aos dois!”e depois, num soluço”estou muito assustada, Nuno, já não é o primeiro que ele …”
Nesse momento a ligação caiu.

Fiquei ali sentado na beira da cama, de boxers às riscas, um cigarro apagado na boca e um isqueiro inerte numa das mãos, enquanto olhava o interior do bocal como se alguém ou alguma coisa fossem sair por aqueles orifícios.
Passados alguns segundos, pousei o aparelho e fui até à cozinha fazer uma sandes de frango frio com uma folha de alface.
No breve caminho, encontrei o Leónidas, meu roommate desde sempre, gato das melhores linhagens, que murmurou enquanto se roçava nas minhas pernas:
“Acordado a estas horas? Vais preparar algum snack?”

A alface já vira melhores dias, encarquilhada e escura, por isso optei por umas rodelas de tomate que com as lascas frias do galeto, engoli acompanhando com um copo de leite frio.
A felina criatura que me olhava num misto de insolência e indiferença foi presenteada com um pires do mesmo líquido.
Não recebi um mísero agradecimento, mas já estou habituado.
Cinco minutos depois, estava na cama a dormir perfeitamente…

No dia seguinte quando acordei, tive dificuldade em recordar-me de todos os pormenores do telefonema.
Depois do forte chuveiro, tinha até dúvidas se tudo não teria sido afinal, um sonho.
Migalhas da sandes em cima do lava louças e o pires do Leónidas, ainda no chão, dissiparam-mas.

De qualquer maneira, quando saí de casa já mal me lembrava do ocorrido .

6 comentários:

  1. Assim para primeiro episódio, ok, criou algum apetite...

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  2. E o mancebo é Nuno, ou era engano?

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  3. Miss Sixty, viaje até ao dia anterior e veja a descrição dos personagens, please...

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  4. Bom , bom !
    Não gosto nada que um qualquer "ele", resolva ameaçar "ela" e sobretudo o " outro"...até se me enruga o bigode !
    Isto não começa bem.

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  5. Abre o apetite, sim senhora, excepto no que toca a sandes de galinha e tomate, acompanhada de um copo de leite. Brrrr!
    E não é um bom hábito fumar no quarto...

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  6. Pois claro, Galo! Nuno Quirino! Não há que enganar!

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