O metro leva-me, da porta de casa até à Praça de Espanha, em menos de dez minutos.
Depois é só subir até ao Bairro Azul onde, numa rua relativamente tranquila, se situa o Gabinete de Traduções Quintela & Associados.
O Bairro, que deve o seu nome à cor original com que eram pintadas todas as persianas, já conheceu dias mais tranquilos antes da Mesquita e o El Corte Inglês terem tornado a zona muito mais movimentada.
A dificuldade actual para estacionar, obriga-me a deixar o meu Smart à porta de casa e a escolher o cómodo e eficaz metropolitano que me permite, depois, um pequeno calcorrear pelas ruas do bairro, que julgo conhecer já de cor, mas onde, por entre os inúmeros exemplos de um estilo arquitectónico Art Deco, vou, todos os dias, descobrindo novos baixos relevos, painéis cerâmicos , frontões e frisos, numa linguagem estética que se estende das portas de desenho geométrico às balaustradas depuradas.
Confesso que hoje depois do segundo telefonema da tal mulher misteriosa e tendo saído à pressa da Flor do Bairro, perante os olhares inquisitivos da Dona Rosa e do Telmo, não arranjei disponibilidade mental para apreciar os pormenores da arquitectura local.
A primeira pessoa que vi quando entrei no escritório, onde permaneço quatro ou cinco horas, diariamente, foi a Carla Mindelo, tradutora de Alemão, gordinha de olho azul, sempre com uma simpatia esfuziante e uma alegria contagiosa.
“Olá garanhão” de olhos em alvo “ que tal foi a nova conquista de ontem à noite?”
O facto de ser divorciado e o número elevado e variado de amigas que me telefonam, ajudou a cimentar esta imagem que, sem ser totalmente falsa, ultrapassa, em muito, a realidade.
Junto à máquina do café, o Gustavo e o Tomás, respectivamente, os responsáveis pelos sectores de Traduções Técnicas e pelo de Audiovisuais, discutem, como de costume, as vantagens e desvantagens do ‘Engenheiro’ face aos seus principais opositores.
O Gustavo é militante activo do PS e tudo o que emana da Direcção deste é como sendo palavras divinas. Já o Tomás, que eu julgo oscilar entre a direita do PSD e o CDS, espuma ódio sempre que ouve falar no ’Pinóquio’.
Culpado, segundo ele, do atraso de décadas que o País apresentava.
Também eles tentaram, infrutiferamente, que eu entrasse na conversa.
“ O que é tu me dizes à confusão as escutas?” pergunta-me um Tomás, de sorriso zombeteiro.
Talvez tenha sido um pouco grosseiro, ao passar por eles sem uma palavra e procurar no sossego do meu pequeno, minúsculo mesmo, gabinete, a paz para poder pensar no que me estava a ocorrer.
Quem seria a fulana? Casada, pelo conteúdo do primeiro telefonema, a tratar-me por você, de acordo com o segundo…
Mas isso pouco adiantava porque desde que me separara adoptara como regra envolver-me apenas com mulheres casadas, para que não lhes passasse pelas lindas cabecinhas ideias tristes, e o por você era outra defesa, para que não se ultrapassassem determinados níveis de intimidade que ficavam assim restritos aos limites da cama, do sofá da sala ou, em dias mais entusiasmantes, os pufes distribuídos pela casa ou o jacuzzi, que já presenciara cenas de fazer corar qualquer banheira mais tradicional.
Entretanto acendera o computador e vi que tinha uma nova mensagem.
O impacto das breves linhas e a luminosidade do écran atingiram-me, de repente.
“ Nuno
Não sei se vou conseguir contactar consigo nos próximos dias.
Estou cercada de espiões e o meu marido não me deixa pôr o pé na rua.
Proteja-se, porque ele descobriu tudo e é, com ciúmes, capaz das maiores barbaridades.
Temo pela minha vida…e pela sua!
Beijos apaixonados da
B.”
Recostei-me, no cadeirão.
Quem raio é esta tal de B.?
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
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A B. ?
ResponderExcluirSó pode ser a Barbie, cuida-te Nuno, o Ken está de olho em ti...
:-p
On another note, o Bairro Azul 'tá velhote, mas é muito bem servido de transportes, (metro: S. Sebastião da Pedreira) tem a Gulbenkian e o 'El Corte'... à porta, e aquelas casas por dentro eram grandes e muitíssimo boas... old memories.
Pabiúnicos, Galo !
:-)
Para já acho a inicial B. avassaladora!e o passar da leitaria para a empresa onde existe um Gustavo e um Tomás é absolutamente de manta de retalhos:)
ResponderExcluirExcelente progressão da narrativa!
ResponderExcluirE, cá para mim, o Zé Manel anda por aqui disfarçado de responsável do sector de Audiovisuais...
Alvega...
ResponderExcluirComo resolveste mudar-te para o sossego da província, não te apercebeste, mas o Bairro Azul está lindíssimo, com os prédios quase totalmente recuperados...
Espero bem que sim, aquilo foi feito no século passado por aqueles 'pato-bravos' de Abrantes e Tomar...
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