Os mais velhos contavam que sempre o tinham visto assim.
Naquele mesmo local. Sempre na mesma posição.
Sentado no chão, o poncho colorido a cobrir-lhe todo o corpo, e o chapéu, sombrero de abas largas, caído sobre o rosto, a protegê-lo do sol implacável do verão e da chuva intensa do inverno.
A parede a que se encostava era a do campanário da igreja matriz de Tlaquepaque.
Frente a ele, a larga praça onde os miúdos jogavam à bola mas, também, à macaca ou à apanhada.
As histórias que corriam a seu respeito eram muitas e variadas.
Quase sempre, relacionadas com desgostos de amor.
Que o homem tinha sido abandonado no altar da igreja, aquela mesma, no dia da boda e que, a partir dessa data, inconsolável, nunca mais abandonara o local, na esperança que a noiva regressasse um dia.
Ou, então, que fora casado mas perdera, num acidente, mulher e filhos e procurava, na sombra daquele retiro espiritual, a paz por que tanto ansiava.
Mas a verdade ninguém a conhecia, com garantias de certeza.
Assim como ninguém sabia como se alimentava, porque, os mais noctívagos do pueblo assim como os mais madrugadores, viam-no sempre sentado, com o poncho a cobrir-lhe os joelhos e o chapéu a torná-lo uma figura, ainda mais, enigmática.
Os turistas, de visita à igreja, tiravam fotos dos familiares junto a ele. Alguns confundindo-o com um homem estátua deixavam-lhe umas moedas junto aos pés.
Outros, tentavam entabular conversa mas sem obterem qualquer resposta ou, em dias de excepção, apenas uns grunhidos imperceptíveis.
Jovens mexicanas, habituadas a vê-lo no seu caminho para a catequese ou, ao Domingo, quando iam à Missa com as mães, vinham a reencontrá-lo, anos depois, no dia do seu próprio casamento ou, em muitos casos, no dos baptizados dos filhos.
De tão estático, sem mexer um músculo, o homem sentado, iludia os próprios pombos que se abrigavam no campanário mas que, quando os sinos repicavam, voavam assustados para vários pontos da praça.
A estátua de Bolívar, El Libertador, os bancos de jardim, o fontanário de pedra, eram alguns dos poisos preferidos pelas aves, que, porém, vez por por outra, assentavam arraiais no chapéu caído ou nos joelhos ossudos que sobressaíam sob o poncho, cada vez mais sujo.
Nem nessas alturas o homem se mexia. Até que os pássaros se lançavam no ar em busca de outro destino.
Naquele dia, o jogo de futebol estava mais renhido.
Os miúdos do Bairro Gótico contra os do Mercado.
Um dos garotos, afilhado do padre, para uns, filho para os mais maldosos, disparou um pontapé, que pretendia atingir a improvisada baliza, junto à escadaria da igreja.
A bola, numa trajectória tão inesperada quanto improvável, acertou em cheio no sombrero da figura há muito imobilizada.
O chapéu saltou no ar, rodopiou e caiu no chão, alguns metros à frente.
Sem o suporte e o peso das abas largas, foi a vez da manta riscada escorregar lentamente e enrodilhar-se junto ao velho par de sandálias.
Os miúdos, perplexos e assustados, tinham-se aproximado.
Do homem, a quem nunca tinham visto o rosto, nem conhecido o nome, não havia o mínimo vestígio.
O personagem tinha-se esvaído como fumo.
Para onde?
Ainda hoje, anos depois dos factos aqui narrados, as lendas sucedem-se, as histórias fantásticas são cantadas pelos mais variados mariachi ou declamadas por poetas populares.
De tanto deixar a Vida passar, esta um dia, cansada de tanta monotonia, passou-se mesmo...
Moral da História:
Aproveitemos a Vida no que ela tem de melhor,
o Amor, a Amizade, o Prazer, nas suas várias facetas.
Sem nunca esquecer que Vida há só uma. Esta.
sábado, 12 de dezembro de 2009
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Interessantíssimo G. !
ResponderExcluir:-)
Um comment marginal, só sobre o título da coisa: Ver a vida a passar é mais que uma atitude, é também poesia...
Por exemplo, o Al Berto (1948-1997) refere-se a isso naquele poema fantabuloso dele, Há-de flutuar uma cidade.
Bom para seguir e bom para meditar neste e em todos os outros dias da nossa vida.
ResponderExcluirGostei e procuro seguir !
Bela parábola...
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