terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pessimismo Nacional - Mário Soares

...O pessimismo que deriva da falta de perspectiva está a alastrar, perigosamente, na sociedade portuguesa. As pessoas estão confusas, sentem que vão de mal a pior, muitas estão desempregadas, as empresas em que trabalhavam fecharam, vivem de reduzidos subsídios e desistem de arregaçar as mangas e, com alguma imaginação, procurar novos trabalhos.
Que os há, embora não sejam fáceis. Continua a haver falta de mão-de-obra não especializada, electricistas, canalizadores, trabalhadores para os campos, muitos dos quais estão abandonados, para trabalhos e arranjos domésticos e para apoiar os outros.
Nas grandes cidades, vêem-se muitas pessoas precocemente reformadas, com pensões de miséria, que desistiram, contudo, de concorrer no mercado de trabalho - que, obviamente, não é fácil - e se limitam a vegetar, como podem, inactivos, à espera da morte... É terrível!

O pessimismo nacional, a renúncia de viver e de lutar, é assim uma doença que alastra na sociedade portuguesa, e que se vai tornando endémica, tanto nos grandes centros como nos campos e nas aldeias.
Num passado recente, com uma abastança maior, embora artificial, porque veio de fora e dos fundos europeus, deu-se um amplo alargamento das classes médias - hoje a caminho, em muitos casos, da pauperização - que explica, em boa parte, este fenómeno (...)

(...)É evidente que vivemos um período de crise estrutural, que vem de longe, e global, que foi importada. Devemos, lucidamente, lutar contra ambas.
Mas comparativamente aos nossos parceiros europeus nem sequer estamos piores do que muitos deles: a nossa vizinha Espanha, a Grécia, a Irlanda, os países Bálticos ou até a Itália...
Não é motivo, claro, para nos alegrarmos com o mal dos outros.
Mas é necessário que tenhamos o sentido da relatividade das coisas e não exagerar o pessimismo, sobretudo, sem termos alternativas para apresentar ou coragem de apontar os responsáveis (...).

(...) Mas temos crises estruturais, que urge, igualmente, combater: o abandono da agricultura, que no passado se dizia, erradamente, em tempo de vacas gordas, "que era para esquecer"... E não é.
Precisamos de produzir a sério mais vinho, azeite, cortiça, mas também frutas e legumes, para exportação e, obviamente, proteger as florestas.

A necessidade imperiosa de regressar ao mar - a nossa principal riqueza nacional, tão esquecida, tendo a maior área marítima europeia - e de explorar as suas imensas riquezas: as pescas, a marinha mercante, o desenvolvimento dos portos, a exploração das profundidades marinhas, o turismo, a preservação da beleza das costas, etc.
Melhorar a educação, de que se diz tanto mal, embora tenhamos, pela primeira vez, um escol jovem académico que, em todos os domínios da ciência, da tecnologia, até às artes e à literatura, não fica atrás dos melhores do Ocidente (América e Europa).

É certo que temos uma administração pública desmotivada e desmoralizada, que importa prestigiar e abrir a novas oportunidades.
Nisso consiste, principalmente, a tão falada reforma da administração, com progressos, não os nego, mas insuficientes.
E temos, infelizmente, uma classe política hoje bastante desprestigiada - tantas vezes por más razões - que vem, em geral, das clientelas partidárias, sem uma visão clara do serviço público e, frequentemente, da falta de sentido de idealismo político-ideológico e da honra que representa servir o Estado, cívica e desinteressadamente.

Os partidos, quer do Governo quer da Oposição, têm vindo também a fechar-se, nas suas pequenas querelas, e a afastar-se da sociedade civil.
O que é um perigo, a prazo.
Não há democracia pluralista sem partidos, embora, diga-se, os partidos não esgotem a Democracia...

Mário Soares in Diário de Notícias

5 comentários:

  1. É a primeira vez do Márocas por estas bandas, ou é impressão minha?

    Parece-me que começa a estar menos deslumbrado com o camarada Sócrates...

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  2. Se eu estivesse com 80 e muitos anos e confortavelmente mordomizada, também acharia estranho tanto pessimismo à minha volta. Desemprego, empresas a fechar, miséria? Só lhe falta dizer como Maria Antonieta: "se não têm pão, porque não comem brioches?"

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  3. Depois de ler o comentário da Quimera, só me resta aplaudir...de pé!!!

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  4. Boa Quimera !
    Este bochechas continua impagável.Apetece perguntar porque não vai dizer isto ao pinóquio, seu protegido ? Paroles, paroles...como a célebre canção...
    E agora remeto-me ao silencio para evitar escrever algo menos educado ácerca deste senhor.

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  5. Ora bom, o 1º parágrafo do Colares é a minha opinião também, com excepção dos trabalhos domésticos isso continua a haver gente a querer e a fazer... como ele de resto sabe de experiência.

    :-)

    Em relação ao "pessimismo nacional" isso aqui é um atavismo, como ele também sabe perfeitamente.
    E claro que as pessoas preferem estar encostadas ao Estado ou à Ouropa a fazerem algum...
    Me adisculpe, eu lembro-me que as condições eram difíceis, mas há aí muita contribuição em consequência perversa de coisas que o senhor fex/teve que faxer. Não ?


    Poix, também me vou calar... agora mesmo.

    :-)

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