domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobre nós, pedaços de asnos - Ferreira Fernandes

Tiger Woods abandonou o golfe por prazo indefinido.
Ainda me conformava se fosse por causa de uma hérnia que não o deixava fazer swings ou pelo azar de sucessivos slices que lhe desviavam o efeito da bola.
Mas não. Tiger Woods abandona sem prazo por causa de outros swings e outros desvios.
Ele é casado - ah, sim? - e tinha dez amantes - e depois?

Desse facto só me surpreende que um tão grande campeão de golfe aprecie quantidades.
Dez amantes! No golfe, um stroke é o grau de dificuldade de cada buraco, pode ir de 1 a 18, de forma inversa.
Um stroke 1 é o mais difícil, o stroke 18 é o mais fácil.
Não estava a ver Tiger Woods adepto de facilidades.

Os jornais deliciaram-se por a mulher dele, farta das tacadas no matrimónio, lhe bater com um taco.
Esta história é de tal forma sem jeito que ninguém quis saber o tipo de taco: um ferro n.º 3? Um sand-wedge?
Dir-me-ão: isso não interessa, esta é uma história moral.
E eu pergunto: é uma história com Tiger Woods e o golfe não interessa, é?

Então, está bem, é uma história moral. E conta-se que a mulher lhe bateu com um taco?
Não se importam do clima de pânico que se vai instalar nos campeões de tiro que eventualmente também tenham amantes?
Pergunta parva a minha, os moralistas gostam de meter medo.

Vou abordar a questão de forma que os moralistas entendam.
Já repararam que a história de Tiger Woods, agredido pela mulher com um taco de golfe, vai fazer suspirar de alívio os jogadores de futebol?
"É querida, esse sms é da morena com quem ando, confesso. Bate-me com a bola, vá. Chuta forte que eu mereço."
A história de Tiger Woods pode morigerar os costumes na Quinta da Marinha e em Vilamoura mas vai abandalhar na Luz e nas Antas.
E julgo não restarem dúvidas sobre qual o tipo de relva que mais influencia o País.

Mas o que mais me irrita, repito, é este vício de nos debruçarmos sobre as bermas das notícias e dos protagonistas.
Enquanto a curiosidade é grátis, vá que não vá. Agora, quando por causa dela o essencial é assassinado, urge reagir aos bisbilhoteiros.
Não sou apreciador de golfe e a perda de Tiger Woods não me tira o sono - daí a irritação ser benigna.
Já puxaria por um taco (de aço e cabeça gorda) se as bisbilhotices levassem um dos meus campeões de futebol a abandonar "sem prazo definido" o seu dever de me deliciar - lá porque o tinham apanhado a dedicar nas horas vagas a assunto que não me diz respeito.
No ano passado apeteceu-me isso, puxar por um taco, quando eu precisava de Cristiano Ronaldo concentrado no Europeu de futebol e andavam uns esganiçados à cata da espanhola e espicaçando-o sobre ela.

A história de Tiger Woods e da sua mulher era deles - e, se tivesse ficado aí, continuaríamos a ter Tiger Woods.
Metemo-nos e perdemos Tiger Woods.
Gente burra que somos.

Ferreira Fernandes in Diário de Notícias

4 comentários:

  1. O Ferreira Fernandes tem em mim um leitor atento, ele já escreve bem há muitos anos.

    Já tinha lido a estorieta, estava a branco, não fazia a mínima que esse gajú TW andasse também a costurar p'ra fora , golfe acho aborrecido, mas muita gente não acha...

    um dos meus sobrinhos, que não é bom em mais nada, é bom nisso, e um dos meus irmãos também joga, parece que se fazem 'contactos' nos 'greens'...

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  2. Já agora, e numa sidenote, e para quem gostar de golfe, há uma série de filmes disponíveis àcerca (ou à roda) do desporto: por exemplo este, que é muitíssimo bom, e este outro.

    E ele há mais...

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  3. Eu hoje deu-me para estar ainda mais lacónica, mas cá para mim o homem também já devia estar farto de jogar, da pressão de ganhar, de ganhar, de pensar "o que é que eu posso ganhar mais".Veio mesmo a calhar este escandalozinho.

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  4. Estou de acordo com FF, estas histórias que cercam as gentes de maior visibilidade não me interessam.
    E quando perigam as suas carreiras, quaisquer que elas sejam, não deviam merecer o destaque que explode.
    Sobretudo as historietas que chegam dso EUA, cheiram sempre a grande porcaria e a negócios chorudos dos media.

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