O novo Governo de José Sócrates assumiu funções há um mês e houve uma coisa na cerimónia de posse que me deixou logo de pé atrás: três dos novos ministros estavam com uma gravata igual à do primeiro-ministro, naquele tom encarnado-envergonhado, que Sócrates gosta de alternar com a cor de tijolo e o azul-triunfante. Não percebi se seria um uniforme governamental, um sinal de gratidão ou de obediência cega ao chefe, ou uma moda para políticos no poder. Provavelmente, foi apenas uma coincidência.
Um mês depois, a grande questão suscitada pela oposição - a de saber se Sócrates tinha ou não aprendido a lição das legislativas - está respondida e sem margem para dúvidas: aprendeu, sim senhor. Quem disser o contrário está de má-fé, pois tudo o que o Governo tem feito, nestes trinta dias, é desfazer grande parte do que o outro tinha tentado fazer, assim mostrando saber que agora não pode, quer e manda, mas antes dialoga, dá sem discutir e cede antes que gritem na rua. O novo ministro da Agricultura, por exemplo, resumiu os seus projectos para o curto e médio prazo à promessa de pagar tudo o que as confederações de agricultores reclamem e jurou jamais voltar a ter um tostão em dívida, seja qual for o estado de saúde das finanças públicas. A nova ministra da Saúde tratou logo de voltar atrás com as, aliás injustificáveis, taxas moderadoras para cirurgias e internamentos. E quanto à nova ministra da Educação, essa, por instruções superiores, concedeu-se a si própria um prazo de 60 dias para desmantelar tudo o que a antecessora andou penosamente a tentar fazer durante quatro anos(...)
(...) De facto, nestes trinta dias de 'governação à Penélope' (não a do Javier Bardem mas a do Ulisses), parece que ainda ninguém se deu conta dos avisos que chegam de todo o lado de que o país caminha para a bancarrota. A oposição, toda ela, anda mais contente por poder dizer, acerca do orçamento rectificativo/redistributivo, "nós bem avisámos que as contas públicas iam derrapar" do que empenhada em mostrar um mínimo de preocupação com o que os números assustadores revelam. A situação das contas públicas só ainda não é de pavor porque a crise arrastou para baixo as taxas de juro, até valores jamais vistos, o que aliviou o pagamento das dívidas pelas famílias e pelas empresas e permitiu ao Estado poupar milhões nos juros que tem de pagar da dívida pública acumulada há décadas - desde que nos convencemos que os dinheiros europeus permitiriam um eterno regabofe. Mas, à medida que os outros começarem a ultrapassar a crise, as taxas de juro subirão e o serviço da dívida pública tornar-se-á sufocante. Tanto mais que já ninguém acredita que haja vontade política para reduzir a despesa corrente da administração e, com 9% de desemprego e a subir, ninguém convencerá José Sócrates de que as grandes obras públicas são a única receita contra o caos social.
Mas qualquer um percebe, ou tem obrigação de perceber, que isto não é sustentável indefinidamente. Nenhum país pode sobreviver vivendo, ano após ano, com gastos superiores às suas receitas e com riqueza distribuída acima daquela que consegue produzir, endividando-se eternamente. Foi assim que caiu a Monarquia, há cem anos, foi assim que caiu a República, às mãos de Salazar.
Resta a solução mais fácil e mais comum: sobrecarregar com mais impostos aqueles, poucos, que já os pagam por inteiro. É uma fatal ideia, que anda agora por aí no ar, desmentida para já mas sussurrada por todos. Até já nos preparam o terreno, contando-nos que há países com muito maior carga fiscal, em percentagem, do que nós. Pois há: mas, para começar, têm uma carga fiscal única e quase toda directa, aplicada no IRS e IRC, e não acumulada com uma série de outros impostos , disfarçados ou não, com que o Estado português asfixia os seus contribuintes. Depois, em relação aos rendimentos e ao nível de vida de cada um, é bem melhor ser contribuinte numa Suécia, por exemplo, do que hoje sê-lo em Portugal: vive-se muito melhor pagando 50% de IRS na Suécia e desfrutando do resto do que pagando 42% em Portugal e vivendo do resto (que, de facto, é significativamente menos do que 58% livres de impostos, se levarmos em conta toda a restante contribuição indirecta, Segurança Social, taxas, multas, contravenções, etc.). E isto para não falar daquilo que um contribuinte sueco recebe do Estado em troca do que paga e aquilo que se recebe em Portugal...
Vejo para aí uma quantidade de gente a falar, desde presidentes de poderosas empresas, públicas e privadas, até destacados dirigentes sindicais, como se não se passasse nada de grave. Como se não soubessem o estado em que estamos. Ou como se achassem - e acham! - que há-de haver sempre alguém para pagar a conta. Não lhes ocorre que isto possa estourar um dia?
Miguel Sousa Tavares in Expresso
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
"Dança-se conforme música..." parece ser a única orientação deste Governo. Até quando?
ResponderExcluirComentário ao lado: adorei a história das gravatas.
ResponderExcluir(aqui fica uma a caminho da op art que não acho feia de todo...)
Engraçado, as gravatas eram supostas ser os elementos discretamente diferenciadores --- na medida em que os fatos são básicamente iguais --- mas se toda a gente usa a mesma it rather defeats the purpose/anula a função à coisa...
O MST é um articulista/jornalista (?) bem acima de razoável e teve além do mais a sorte de ser filho de uma poetisa grande das nossas letras, portanto cabe-lhe a obrigação de não ser parvo nenhum...
Achei graça àquela parte "irmos para a falência" ou algo que o valha. Mas um gajú culto como o MST não sabe que estamos falidos desde o séc. XIX ? Com que dinheiro é que ele acha que o senhor D. Luís (e o Fontes ?) fizeram aquela 1ª linha de caminho de ferro, 'ganda barraca o "trem" mal passou de Lisboa...
Claro que vão aumentar os impostos, what else is there to do ?.
A grande chatice vai ser quando a Segurança Social falir, cheira-me que foram lá buscar os carcanhóis que andam a distribuir, e que entre isso e a crise descapitalizaram aquilo que aquele tipo que era do MES tinha feito... Isso é que vai ser o bom e o bonito, isto é um país de velhos...
:-(
Bom já me sinto mais acompanhado no meu vocifrar que vem desde os finais de 2008.
ResponderExcluirRealmente as receitas fiscais devem aumentar mas porquê ir sempre castigar os mesmos ?
As despesas devem baixar mas porque o sector público continua a gastar em luxos e abundancia?
Porquê as obras megalómanas e não as pequenas obras para ajudar as pequenas empresas ?
Porquê o pinóquio e o coveiro dos Santos não nos dizem a verdade sobre a situação do País ?
Sucedem-se as perguntas, escamoteiam-se as respostas!!!!
Mais uma vez, até quando ??????
Por um lado o descontentamento cada vez mais generalizado, por outro as maiorias, absolutas ou não...
ResponderExcluirAlguma coisa não bate certo!