quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

IIIII RECEITUÁRIO DOMÉSTICO IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII >>>>>>>Como repelir os vampiros que estão a enxamear o planeta

2. O GRANDE EQUÍVOCO DO CRUCIFIXO DE FERRO

Uma prática cujos efeitos são idênticos aos do sulfureto aqui descrito na segunda-feira tem por objecto a produção doméstica de hidróxido de ferro – um elemento muito simples mas que nenhum vampiro (seja quiróptero ou incarnado em criatura humana) consegue tolerar. O hidróxido de ferro nada mais é do que a contrariante substância que todos conhecemos pelo nome de ferrugem. Mas, ao contrário do que parece, a criação deliberada de uma boa quantidade de ferrugem não é tarefa fácil, sobretudo devido à extrema morosidade do processo. Contudo, nunca são demasiadas as diligências que se empreendam para repelir os vampiros. Valerá a pena, portanto, o esforço dos passos que enunciamos a seguir.
Representação de um quiróptero da espécie "Vampyrus" no imaginário popular inglês do século XVIII.
(Colecção Particular do Autor)

Antes do mais, o leitor deverá dirigir-se a uma serralharia e pedir que lhe forneçam uma porção de limalha de ferro, ou seja, o desperdício resultante dos materiais trabalhados no chamado serrote mecânico. Esta limalha está humedecida, em geral, por um produto oleoso (precisamente uma solução anti-ferrugem), pelo que se torna necessário, ao chegarmos a casa, lavá-la ou queimá-la, por forma a eliminar completamente os resíduos do óleo. Depois, é indispensável acelerar o processo de oxidação. Se nos limitássemos a colocar a limalha ao ar livre, à espera do surgimento da ferrugem, teríamos de esperar meses. Existe um processo bastante expedito para abreviar a operação. Comece-se por misturar a limalha com uma quantidade de terra vegetal (a vulgar turfa que podemos adquirir nos centros de jardinagem). Deposite-se a mistura num vaso de, aproximadamente, dez litros. Certifiquemo-nos de que o recipiente tem os orifícios de escoamento bem abertos no fundo – detalhe importante para o estádio sequente: a rega. Esta deverá fazer-se todos os dias, copiosamente. Ao cabo de poucas semanas é possível desfrutar de uma estupenda dose de ferrugem que arrepiará os caninos do mais pertinaz vampiro. Aumentar o número de vasos e porções de limalha consoante as necessidades.
Em alternativa à limalha da serralharia poderão ser usados pregos comuns, de tamanho superior a oito centímetros. Os pregos constituem um óptimo material para a produção rápida de hidróxido de ferro. Com apenas três vasos e dez quilos de turfa obtém-se um quilo de excelente ferrugem.

Aqui chegados, os leitores argutos já terão captado a génese da intrigante decisão de um presidente da Câmara Municipal de Lisboa ao ordenar, crispado, logo que se estreou no cargo, a substituição do mobiliário metálico existente no seu gabinete, pretextando que o mesmo se encontrava caduco e impróprio do espaço presidencial da mais importante autarquia do País. O que nunca chegou ao conhecimento público é que esses móveis apresentavam sinais inconfundíveis de ferrugem. À época, os especialistas da questão vampírica receberam a notícia com sorrisos de bom entendimento. Sabiam que cena idêntica acontecera anos antes, com a mesma pessoa, então exercendo a presidência de outra câmara municipal cujo mobiliário metálico se mostrava vulnerável ao ar hipersalino do Atlântico vizinho.

Está banido o costume dos camponeses da Roménia (antiga Transilvânia, terra natal de Drácula) de introduzir a matéria ferruginosa em pequenos sacos de serapilheira que eram colocados nas ombreiras das portas. É certo que podemos proceder com a ferrugem do mesmo modo que descrevemos para o alho, espalhando-a em locais estratégicos como sejam os frequentados pela elite da alta finança (os “gatos gordos” – segundo a amorosa definição de Barack Obama, anteontem). Modernamente, porém, aconselha-se depositá-la nos vasos com plantas que tenhamos em casa, em varandas ou alpendres. O hidróxido de ferro é completamente inofensivo para as plantas: impede até o aparecimento da clorose e estimula a clorofila. São óbvias as vantagens deste processo. Por um lado arredamos a vampirada e por outro teremos o gosto de contemplar as plantas pujantes e cada vez mais belas.
A rosa "Black Baccara" torna-se uma eficaz flor vampiricida quando cultivada em turfa vitalizada com hidróxido de ferro

Deixámos para o fim o muito discutido tema do crucifixo de ferro.
Do recurso ao hidróxido deste metal, importante agente vampiricida, derivaram imensos relatos fantasiosos, segundo os quais deverá impelir-se um crucifixo de ferro na direcção do vampiro atacante. Ora, esclareça-se em definitivo que tal não passa de uma crença desprovida por completo de fundamento científico. O que, na realidade, causa aversão ao vampiro é o ferro, idealmente oxidado, nunca a configuração estética do mesmo.
É lamentável que em pleno século XXI, escritores, realizadores cinematográficos e autores de séries televisivas persistam na exploração de tão primitiva crendice. Agiriam decerto de modo diferente se se inteirassem do ocorrido há tempos com o camarada secretário-geral do Partido Comunista Português. Temendo um ataque de vampiros, trazia de hábito, num bolso do casaco, um crucifixo de ferro. Ora, uma noite, finda uma manifestação contra o Governo, regressava ele a casa, com a bandeira do partido meio desfraldada. De súbito viu-se perante um vampiro ávido e não-alinhado, atraído decerto pelo tom rubro da flâmula comunista. O pobre do secretário-geral, que havia adquirido o crucifixo numa loja de Fátima, bem o brandiu freneticamente. Mas o da dentuça afiada acometeu, sem mostrar o mínimo temor. Que se passou? Simples: o crucifixo, embora de ferro, era novíssimo, virgíneo, rebrilhava de frescura, e se acaso algum odor exalava daquele artefacto do comércio retalhista seria o da cera dos círios, jamais o de um metal bem nutrido de ferrugem.
Fácil adivinhar o resultado.


Pedro Foyos
Jornalista
A seguir (conclusão):
O PROBLEMA DA INCARNAÇÃO
EM CRIATURAS HUMANAS
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2 comentários:

  1. Pedro Foyos, as coisas que você sabe!

    Esta parábola promete!
    Mas creio que há, por aqui, alguém, que não vai gostar nada desta mistura com Fátimas e crucifixos...

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  2. Há uma alternativa simples para criar hidróxido ou óxido de...... em quase tudo o que é metal, e que não esteja devida e própriamente cromado ou niquelado:
    basta ir viver para a Foz do Douro !

    Saber de experiência feita...

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