A Primeira Viagem de Avião

Na véspera quase não dormiu, tal era o nervosismo.
Sonhou com desastres aéreos. Com pára-quedas.
Saltou na cama, devido aos poços de ar.
Agarrou-se à almofada. Suou copiosamente.
A madrugada veio apanhá-lo com olheiras fundas.
Demorou debaixo do forte chuveiro.
Escanhoou-se, com cuidado.
Obrigou-se a engolir uma torrada esturricada.
E um sumo de pacote, meio azedo.

O pior foi escolher a roupa.
Não queria parecer provinciano, nem desleixado.
Não queria que percebessem que era a sua estreia.
Mas, também, não podia ir como todos os dias.
Hesitou entre o fato com a risca cinza, mas sem colete.
Ou as calças de veludo, com o blusão de pele.
Optou por esta última combinação.
Camisa aos quadrados da Ralph Lauren.
Sapatos de vela. Óculos escuros Ray Ban.
Enfiou bucho abaixo, um JB, sem gelo.

Olhou-se no espelho. Gostou do que viu.
Foi, depois, buscar o saco de viagem.
Atirou, lá para dentro, umas mudas de roupa,
o estojo de barbear, uma água de colónia,
dois livros policiais, a máquina fotográfica,
o passaporte, algum dinheiro, cartões de crédito.
Pelo sim pelo não, uma camisola de malha,
um boné, o I-pod e um baralho de cartas.
Telefonou, depois, a familiares e amigos
a despedir-se.

Saiu de casa, já em cima da hora.
Foi de táxi para o Aeroporto. Fez o check in.
Comprou chocolates no Free Shop.
Uma revista de automóveis e a Bola.
Bebeu um café, mais tranquilo.
Passou os olhos pelos títulos.
Levantou-se quando o chamaram para o voo.
Mostrou o cartão de embarque.
E entrou no avião, sem problemas.

Meia hora depois, serviram-lhe uma refeição quente.
Comeu o tagliatelli de salmão, com prazer.
Escorripichou a garrafita de tinto francês
E limpou a boca, cuidadosamente.

De seguida levantou-se, e encostou a faca ao pescoço da hospedeira:
"“- Vamos dar meia volta, rápido, rápido.
E depois é só esborrachar o avião contra o CCB !!!"

Ernesto E. Minguêi