segunda-feira, 25 de maio de 2009

Redacção


Redacção feita por uma aluna de Letras,
que obteve a vitória num concurso interno
promovido pelo professor da cadeira
de Gramática Portuguesa.

"...Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida.

O artigo, era bem definido, feminino, singular.
Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.
Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir.

E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar.
O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.
Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos.

Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se.
Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.
Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.
Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.
Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente.

Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.
Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo.

É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.
Ela, totalmente voz passiva.

Ele, completamente voz activa.
Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.
Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa.
Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.
Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício.

Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história.

Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.
Que loucura, meu Deus!
Aquilo não era nem comparativo.

Era um superlativo absoluto.
Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos.
Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que, as condições eram estas:
Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história.
Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva. "

Fernanda Braga da Cruz

9 comentários:

  1. Depois de uma curta viagem de trabalho cá estou eu, de novo, neste agradável convivío que com a chegada dos dias bonitos me parece andar mais preguiçoso. Refiro-me aos comentadores ( por onde anda Contessa, a Quimera, o Adriano, os Dois Mosquiteiros, a Moira?). Estará tudo de férias?Um abraço para todos...

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  2. Algumas dessas pessoas era mesmo bom que continuassem de férias( mas não estarão elas em eternas férias mesmo quando "oficialmente" estiverem a trabalhar?).Mas de outras também tenho sentido a falta, embora eu própria com as intercalares e os testes também ande muito mais ocupada do que habitualmente.

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  3. Excelente desfiar de várias formas gramaticais e verbais. Esta aluna, com o domínio da linguagem gramatical, conforme consta do texto que o Galo teve o bom gosto de "postar" tem o futuro garantido possivelmente como prof. de língua Português.

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  4. Embora ninguém se tivesse lembrado de mim, eu também tenho andado mais afastada dos comentários, embora visite o blog todos os dia, poirque quando vemos que ninguém ou quase ninguém comentou ficamos mais inibidas ( comigo, pelo menos, é assim). Vamos lá ver se deitamos a preguiça para trás das costas e retomamos as nossas animadas cavaqueiras.

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  5. Olá cá estou eu!
    O Brise contínuo,
    Novo desodorizanteeee

    Faço desaparecer
    Os cheiros mais embirranteeees!

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  6. E eu, e eu !!!
    Só não me estico mais senão a "Outra" diz que eum estou em bicos dos pés. Desculpem-me não estar presente todos os dias mas muitas vezes estou impossibilitado geograficamente.
    Mas estou em espírito...

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  7. Distintos comentadores ex ausentes e agora presentes,o texto em causa é de um invulgar nivel e honra o ensino da nossa sofrida gramática.Foi um prazer a sua leitura e um belo exemplo que deveria chegar a muitos e muitos dos que publicam ou publicitam a sua prosa com grande convencimento mas patente ignorancia da lingua e suas regras.

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  8. E eu também cá estou, "em bicos dos pés", como de costume - não quero desiludir ninguém...
    Tenho andado muito atarefada, a preparar a minha próxima partida para o Egipto, as tais eternas férias mesmo quando "oficialmente" estou a trabalhar...
    Porque será que há gente que teima em falar daquilo que não sabe???!!!

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  9. Errrrr....

    Sinto que caí num universo paralelo. Alinho os shakras (ou lá o que é).

    Só queria dizer que achei este texto absolutamente espantoso. Ainda que não tenha percebido vários conceitos da nossa gramática, a história percebe-se do princípio ao fim. E pressentem-se os sentidos.

    Gostei. Um Olé com Duende à autora!

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