quarta-feira, 13 de maio de 2009

Domingo trocado

Domingo soalheiro de início de Primavera, daqueles em que se aquece a alma e uma sensação de bem-estar nos inunda.
Tinha aceite fazer o turno da Olga e já estava arrependida, afinal estava um dia tão bonito e quem sabe se um passeio fora de portas com Ricardo, não lhes acertava o passo…
Mas era sempre assim!
Nunca era capaz de dizer que não quando lhe pediam trocas, folgas e sabe-se lá o que mais.
O turno estava calmo, parecia até que os doentes estavam também a fruir o dia de sol.

Antes assim, aos poucos ia-se sentindo melhor consigo, com o domingo trocado.
A chamada da Urgência sobressaltou a tranquilidade que enchia o piso.
Ia subir um doente: homem, branco, 30 anos, acidente de viação, estado clínico muito reservado. “Tão novo, cada vez são mais novos”, pensava Patrícia enquanto se dirigia para o receber.
A situação aguda diagnosticada e todo o movimento decorrente, levou a que Patrícia prestasse mais atenção aos cuidados que ao próprio doente.
A preocupação deste em manifestar, logo de início e a muito custo, que não queria qualquer tipo de visitas, despertou-lhe interesse.
Mas não teria este homem, família, filhos, uma mulher, amigos?
Estaria a evitar alguma situação?

Intrigada, pegou na ficha e bastou-lhe o nome para as respostas surgirem de imediato.
Pois era António Raposo, jogador de futebol internacional, casado e com uma filha.
Conhecia-se-lhe o caso escaldante com uma enfermeira mais velha que o tinha levado a sair de casa.
A transferência para um clube estrangeiro, tinha sido outra história do domínio público, não só pelas negociações e clubes envolvidos, como também e sobretudo pelo facto de ter sido deixado pela mesma enfermeira, depois de declarações expostas de amor e paixão.
Tinha família, amigos, conhecidos, mais, tinha fãs que o idolatravam e seguiam.
Talvez estivesse agora explicado porque é que não ia querer ter visitas: à delicadeza da situação em termos profissionais, juntava-se certamente a falta de coragem para enfrentar os que tinha deixado.
Patrícia sentiu subitamente imenso calor, a garganta seca, a racionalidade a fugir-lhe. E ela? Certamente seria a última pessoa que ele gostaria ter à cabeceira…
Não conseguia deixar de pensar na ironia do destino, tanto cuidado em vedar as visitas de quem quer que fosse, e lá estaria ela quando reagisse.
Em segundos, reviu o ano que viveu com António, o Raposo nos “mentideros”.
Tinha sido o mais feliz mas também o mais vertiginoso da sua vida.
Apaixonou-se, amou-o, odiou-o!
Empenhou-se na relação, na vida que queria que os dois vivessem, sempre, para sempre.
António, apaixonado desde o primeiro minuto em que se conheceram acabou por lhe virar os sonhos.
Apaixonado, sempre loucamente apaixonado, não conseguia viver nos trilhos acertados por ela.
À genialidade na sua profissão acrescia a loucura no seu amor!
Ela não conseguiu aguentar o pequeno inferno das suas vidas e deixou-o, amargurada, culpada, sem esperar muito da vida.
Acabou por se ir recompondo e fechar aquele capítulo.
Nunca mais o tinha visto, embora acompanhasse desinteressadamente a sua vida, ou aquela que era publicada.
Não era suposto, mas ali estavam de novo, lado a lado, e tudo voltava a ser contraditório.
Os gestos e os pensamentos confundiam-se, o medo e desespero já a tinham tomado.
Não podia deixá-lo e também não o queria fazer, queria amá-lo mas será que podia?
Chegou mais uma vez perto de António, tinha apenas aquele momento, beijou então os seus lábios cerrados que eram agora frios.

Quin
Posts relacionados:

10 comentários:

  1. Já tenho lido melhor do(a) Quin, fiquei com um certo sabor a novela da TVI.

    ResponderExcluir
  2. Acho que tem todo o direito a exprimir a sua opinião, Adriano,mas penso que está a ser injusto.
    É uma história de amor que acaba mal, como muitas na vida real.
    Daí até à TVI...
    Parabéns Quin.

    ResponderExcluir
  3. Bom Conto como a Quin, como é que se pode ter dúvidas que é uma mulher? já nos tem habituado...

    ResponderExcluir
  4. Interessante a forma de revelar sentimentos.
    A suavidade da escrita em torno de um tema eterno e quase doentio- o amor.

    ResponderExcluir
  5. Se Amor é doença...vou morrer na cama (Eh!Eh!Eh!).

    ResponderExcluir
  6. Estará para além da novela da TVI,mas concordo com o Adriano. Já tenho lido melhor de Quin.

    ResponderExcluir
  7. Parabéns Quin !
    Todavia assino em baixo do que o A* e a Q*. disseram, sorry. :-)

    ResponderExcluir
  8. Conheço mal as novelas da TVI, mas preferia a comparação com Anatomia de Grey (Foxlife) :-)
    Gostei de todos os vossos comentários!

    ResponderExcluir
  9. Não sei se é de bom tom comentar depois da autora ter respondido mas eu gostei.E além disso tem fair play ( como os do post do Ajax).

    ResponderExcluir