terça-feira, 12 de maio de 2009

Vou ali comprar Cigarros

Quando se conheceram ela tinha deixado de fumar.
Ele não fumava.
Mas precisamente nesse dia apeteceu-lhe violentamente um cigarro.
Ele, solícito e sem ela perceber como, conseguiu satisfazer-lhe o desejo.
A partir desse dia era ele quem comprava os cigarros e trazia sempre dois ou três consigo.
Para quando lhe apetecesse a ela.
Viviam muito interessados um pelo outro.
Os desejos de um eram ordens para o outro.
Tinham encontrado uma vida em comum que fluía de uma forma natural e cúmplice.
Os únicos obstáculos que enfrentavam eram exteriores a si próprios.
Tinham aprendido com outras relações a só dar importância ao importante.
Gostavam de muitas coisas comuns, mas também gostavam de muitas coisas que o outro não gostava.
Os amigos sentiam-se bem com eles.
Aquilo a que se chama um projecto de vida, eles não tinham.
Há muito que tinham passado, noutras relações, pela compra da primeira casa, o nascimento de filhos, a compra da segunda casa, o nascimento de netos, as carreiras estavam agora estabilizadas.
O que os unia era de facto esse interesse que tinham em ser felizes e fazerem o outro feliz.
Desde que fizeram a primeira viagem juntos, sem confessarem um ao outro que era para testar se a relação podia funcionar, todos os anos faziam uma a duas viagens.
E viam o que os outros não viam.
Um museu fora de roteiro, galerias emergentes, travavam conhecimento com locais, faziam amigos.
Sempre fora dos circuitos turísticos.
Numa dessas viagens, após o último almoço numa esplanada tinha-lhe apetecido fumar.
Mas desta vez ele não conseguiu encontrar-lhe tabaco.
Já no aeroporto de regresso, e com tempo para um cigarro na rua, que ela já tinha esquecido, ele diz-lhe: “vou ali comprar cigarros”.
Ela esperou junto da bagagem.
Ele não voltou.
Ela nunca mais fumou.

Pinta
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7 comentários:

  1. Bravo Pinta !

    ..."Fumar es un placer, genial, sensual..."Sarita Montiel cantando em fundo. :-)

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  2. Sempre citadina, no meio de viagens e com uns homens à volta, mas, reconheço, com estilo e facilidade de recriar ambientes. Gostei.

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  3. Também gostei, mas, agora, vou ali comprar cigarros...

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  4. Isto agora, como são cada vez menos os homens que fumam, para se descartarem vão ali comprar cigarros para elas. Divertido.

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  5. Margarida Ferreira dos Santos12 de maio de 2009 às 15:10

    Imagino que a Pinta não deve sofrer do "receio da folha em branco". O estilo e a escrita dos seus contos, bons até agora, parecem surgir com naturalidade...

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  6. Um conto que se repete na realidade com inimaginável frequência, mais nos tempos modernos que destruiram valores importantes e cujo desaparecimento se reflecte não só nos amores como em todos os cantos das nossas vidas.
    Uma tristeza cá para mim.
    Gostei Pinta.

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  7. Talvez seja esta a única maneira de largar a boquilha...
    Excelente(,)Pinta!

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