domingo, 31 de janeiro de 2010

TAXI - O patrício


Vivi vários anos no Brasil, terra a que passei a considerar minha e onde me sinto em casa, tanto ou mais do que na minha Lisboa natal.
A maneira de ser dos brasileiros( correndo o risco de cair em generalizações que são sempre muito redutoras) expansiva e superficial, em simultâneo, a sua música, a sua comida, as praias, o clima, a sensualidade inerente a quase todas as situações, e hedonismo geral, tornam fácil a atracção que, como eu, muitos outros sentiram.
Ainda mais para um europeu ido de um país salazarento como o nosso, onde o ‘parece mal’, o reprimir das emoções, a sobriedade cinzenta, era sinal de bom estatuto e educação. E, se calhar, ainda continua a ser…

Contudo, depois de ter casado com a Delfina, era aquela a primeira viagem que fazíamos ao Brasil, terra onde ela nunca tinha estado.
Natural dos Açores, mais propriamente de São Miguel, o forte sotaque, nessa altura ainda mais acentuado, já lhe tinha causado alguns problemas de comunicação, pelos diversos lugares por onde tínhamos passado.
E tinham sido muitos os destinos brasileiros visitados desde o Rio Grande do Sul à Baía, com passagens por Brasília, Belo Horizonte, Manaus, Natal, Recife e uma emocionante viagem pela Amazónia.
Mas, quando esta ‘estória’ aconteceu, estávamos em São Paulo.

Quem conhece o Brasil, apenas das praias do Nordeste ou, mesmo, do Rio de Janeiro, terá alguma dificuldade em identificar esta cidade com o resto do território tupininquim.
O mesmo se passa com os naturais do Rio que detestam em São Paulo a falta de praias, a garoa ( chuva miúda), a poluição e o excesso de trabalho e de seriedade dos paulissstassss, como eles os chamam, tentando imitar o seu sotaque sibilante.
Lembro-me que, quando vivia no Rio, a primeira vez que viajei para São Paulo ter perguntado a um amigo meu se queria alguma coisa dessa cidade, ao que ele respondeu, com aquela graça imediata de que, a maioria dos cariocas são possuidores “Ó cara, eu de São Paulo…só quero distância!”

Bem, mas voltemos à capital paulista, e só para enquadrarmos os acontecimentos na data em que ocorreram, ao dia em que o malogrado Ayrton Senna ganhou o seu primeiro Grande Prémio do Brasil.
Entrámos num táxi, a Delfina e eu, e como é meu hábito, para quebrar o mutismo inicial, meti conversa com o motorista tecendo algumas considerações acerca do talento do jovem campeão paulista.

Depois de me ouvir, duas ou três frases, o homem perguntou-me:
“ O moço é patrício, não é não?”
Como, por certo, muitos saberão, ‘patrício’ é como os brasileiros chamam aos portugueses e, por isso, respondi-lhe afirmativamente.
Não contente com a resposta, o taxista perguntou-me, indicando,
com a cabeça, a minha mulher ” …e ela ?!?”.
Perante nova afirmativa, o homem pareceu, finalmente, ficar mais descansado “ Ah, então estamos à vontade. Sabem, é que eu também sou patrício, embora tenha vindo para cá com nove anos, já lá vão vinte e sete…”

E a partir daí, foi um tal de dizer mal dos brasileiros “…porque são todos uns vigaristas, uns falsos.”
Eu, reduzido a um silêncio prudente, esperei que todo aquele ódio se esgotasse, mas o ‘melhor’ estava, ainda, para vir.
Mas o que eles são mesmo todos é uns grandes preguiçosos, não estão nem aí, para trabalhar…”
Uma rápida olhadela pelo espelho retrovisor, e prosseguiu”…e os piores de todos são os Baianos, uma verdadeira desgraça…”

Já parados, em frente ao hotel, enquanto eu procurava o dinheiro para pagar, ele, impante, concluiu, directamente para minha mulher açoreana:
“ Para que a moça entenda melhor, os baianos são tão preguiçosos, tão reles…como para nós, são, por exemplo…os das ilhas”.

2 comentários:

  1. 'Deebeejezzuzze' !
    Essa é alucinante !!

    Eu só lá vivi à volta de um aninho, mas assino em baixo de tudo o que disseste.

    (E no Rio o que não falta é taxista, padeiro e tasqueiro 'patrício'...)

    Correndo o risco de me repetir, a piada recorrente dos meus amiguinhos cariocas era que "Você conhece logo logo um paulistano, é aquele sujeitinho que está andando pelas rua demasiado depressa..."

    Há aqui uma dosezinha de inveja, todo o mundo sabe que se o resto do Brasil se afundasse no mar e sobrasse apenas o estado de S. Paulo, aquilo seria uma economia do tamanho da espanhola...

    :-)

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  2. Patricios, apesar de todos os defeitos, tantos como os nossos, os brasileiros e o Brasil deram-me alguns dos melhores anos da minha vida.
    Que saudades !

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