quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

XI - Teorias da Conspiração

Estava de tal maneira embrenhado nas dezenas, largas dezenas, de páginas do manuscrito acabado de ler que demorei longos segundos a aperceber-me do som do telefone que cortava o silêncio total do meu apartamento.

Hesitei se deveria, ou não, atender.

Não me apetecia interromper o estado de quase beatitude em que me encontrava, com mais uma chamada da tal B. ou similar.
Confesso, mesmo, que, com toda a excitação e adrenalina que a proposta do Salcedas me provocara, nunca mais me tinha lembrado da mulher misteriosa
e dos perigos eventuais a que poderia estar sujeito.
Quando, por fim, me decidi a acabar de uma vez por todas com aquela novela barata, o aparelho emudeceu.
Depois do som estridente, o silêncio absoluto transmitiu-me uma sensação de vulnerabilidade.

Sem perceber bem qual a razão, dei a volta á casa e verifiquei se a porta da frente e a de serviço estavam bem fechadas.
De seguida, preparei um gin tónico, enchi a banheira, despi-me e entrei na água quente, a que uma mão cheia de sais adicionara um forte aroma a eucalipto.
Só, depois de ter ingerido mais de metade da minha bebida e sob o efeito relaxante das dezenas de pequenos jactos do jacuzzi, alcancei, de novo, a paz inquieta que a leitura me proporcionara.

Paz, porque adquirira a certeza, sem qualquer sombra de dúvida, que aquelas folhas tinham sido escritas pelo grande Hemingway.
O estilo inconfundível, o vocabulário, a construção literária eram uma garantia irrefutável.
A inquietude provinha do tema escolhido.
Teria que investigar, meditar mais sobre o assunto, mas o romance, e eu tinha algumas dúvidas se o deveria classificar assim, levantava hipóteses que, a serem verdade, o tornariam uma bomba não só literária mas, também, política e histórica e obrigariam a reescrever todo o período da Guerra Civil de Espanha.

Mesmo sabendo do papel relativamente importante e engajado que Ernest Hemingway tinha desempenhado em tal conflito, custava-me a acreditar nas teorias fantasiosas que o escritor desenrolava nas cerca de três centenas de páginas que eu, sequioso, devorara, nestas últimas horas.

Sabe-se que as teorias da conspiração há muito corriam a seu respeito, mais especificamente em relação ao seu suicídio, que uns consideravam resultado do alcoolismo e da forte depressão que o escritor sofria, tendo até recebido choques eléctricos como tratamento, mas no qual o papel da sua mulher e a queima de centenas de papéis nunca tinha sido devidamente explicado

Nessa altura, dizia-se, tinham desaparecido importantes elementos que poderiam lançar luz sobre alguns aspectos mais obscuros da biografia do escritor, como o seu trabalho como espião e o envio de mensagens cifradas relativas ao movimento dos submarinos alemães ao largo de Cuba.
Mas as meias verdades e as lendas com um cheirinho sempre tinham acompanhado o escritor como aquele cartaz que existe em Havana, na famosa La Bodeguita onde se pode ler: “Para mi daiquiri El Floridita, para mi mojito La Bodeguita”, com uma suposta e caprichada assinatura do autor, sabendo-se que durante os 21 anos em que o gringo viveu em Cuba, ainda não existia o bar que, nessa época, era apenas um armazém de bebidas.

O reviver das inúmeras, e muitas vezes contraditórias, histórias acerca do autor do Velho e do Mar, como Salcedas o chamara algumas horas atrás, fez-me lembrar da conversa tida no final da tarde com o Professor, onde ele enunciara uma teoria com alguns pontos comuns com a do escritor que se suicidara há cerca de meio século…

Foi, então, que quase que saltei de dentro da banheira…

Perante as hipótese aventadas e ao saber o peso do segredo de que Hemimgway era possuidor, este ter-se-ia mesmo suicidado, ou teria sido forçado a tal?

3 comentários:

  1. Excelente estória G. !

    Sull' serio:

    Pessoalmente, e sem nenhuma razão a não ser o meu 'gut feeling', acho que ele espetou com a caçadeira na boca e deu ao gatilho.

    Para quem viveu uma vida tão intensa como ele é difícil conformar-se com a decrepitude física e a solidão amansalhada que acontece sem evitação nos invernos desta vida.

    O que nos vale é que ars longa vita brevis, ou lá o que era...

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  2. Estou a gostar bastante desta Amante...mas só me vou manifestar lá mais para frente, quando perceber para onde é que isto está a caminhar.

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  3. Desengane-se, cara PG, mas o fim deste caminho, só o vai encontrar... na última frase a ser escrita!
    Ou eu não me chame Contessa...

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