segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

XIV - Quem te avisa tua amiga é?



Durante breves instantes fiquei sem saber o que dizer, ou fazer.
Cristina ‘Foxy Lady’ a mulher mais misteriosa do bairro, motivo para as conjecturas mais fantasiosas, objecto do nosso desejo e/ou do nosso despeito, conforme os casos, estava sentada na minha mesa e tinha algo a dizer-me.
A minha vida, que nunca fora nenhum exemplo de monotonia, estava a revelar-se um argumento de acção, digno do Tarantino, em dias de inspiração.

Telmo que se preparava para manter o seu posicionamento e ouvir, em primeira mão, o que a Miss Cabedal iria debitar, deve ter lido no olhar que lhe lancei que a sua presença não era propriamente a ideia mais popular do momento.
Caso tivesse ainda algumas dúvidas, um seco “ Desculpe, mas a conversa é particular…”com que Cristina o mimoseou, sem sequer virar a cara na sua direcção, fê-lo recuar para o abrigo do balcão e para as queixas sussurradas à D.Rosa e filha que, do lado de trás do mesmo, lançavam olhares de reprovação na direcção da nossa mesa.

“Vou directa ao assunto. Cada minuto de atraso, torna a situação ainda mais complicada” os olhos verdes exprimiam um pragmatismo, pouco habitual nas outras mulheres com quem dividira mesas e outras peças de mobiliário.
“ O Nuno está a envolver-se numa situação para a qual não está minimamente preparado” uma pausa para acender o cigarro.
Lá para trás, existe uma sala para fumadores, mas a ‘Foxy’ é, suponho eu, a única pessoa que não liga aos regulamentos da D. Rosa e fuma onde muito bem lhe apetece.

Falando no mal…a D. Rosa aproximou-se da nossa mesa com um cinzeiro que colocou, ou melhor atirou, para cima da mesa, acompanhado de um “Já que vai fumar…”.
A mim, endereçou-me um abanar de cabeça, com a seguinte tradução implícita “ És mesmo um banana, basta-te ver um rabo de saia e até te esqueces do pequeno/grande almoço… ainda por cima se fosse alguma coisa de jeito, como a minha Rosinha, por exemplo.”
Poderão achar que para um simples abanão de cabeça a tradução é muito extensa, mas, em primeiro lugar, eu já conheço a D.Rosa há vários anos, em segundo lugar, a comunicação gestual da senhora é muito expressiva e, por fim, a minha imaginação é sempre fértil em pormenores.

Nesse momento, aparentemente contrariada com o desenrolar da cena, a Rosinha despediu-se dos pais com um lacónico “ Vou para a Faculdade…”

Enquanto tudo isto se passava, a turbina do meu cérebro deglutia o “ envolver-se numa situação para a qual não está minimamente preparado…”
Mas já Cristina, depois de atirar dois ou três anéis de fumo para o ar, continuava.
“Estas pessoas não são do tipo de artistas, intelectuais e boémios com que o Nuno tem por hábito relacionar-se. E também não têm nada a ver com as tontinhas que se embeiçam por si e ficam de quatro ao som das suas palmas…”

Fiquei sem saber se deveria adoptar um ar intrigado ou assumir um ar ofendido “Tontinhas? De quatro? Ao som das minhas palmas…” pensei para comigo, sem exteriorizar tais pensamentos.
E, de repente fez-se luz no meu espírito…
Bem, luz talvez não seja a imagem mais apropriada porque as zonas de penumbra e, até, da mais negra escuridão, ocupavam grande parte da zona pensante do meu eu.

Como é que a minha vizinha de bairro, a mulher mais atraente, sedutora e enigmática das redondezas tomara conhecimento do assunto da minha ‘amante B.’?
Seria amiga dela? Do marido? Seria uma emissária deste? Mas, então, porque é que estava a perder tempo com avisos?
Tantas perguntas aos tropeções, originaram a frase seguinte.
“ E de onde é que a Cristina conhece a B.?”

Pela primeira vez, senti que a ‘Foxy Lady’ também tinha fragilidades.
Um estremeção percorreu-lhe o corpo, os olhos pestanejaram…

“B.? E quem raios, é que é essa B.?”

3 comentários:

  1. A frase operativa aqui é (e não cabe dúvida...) que a tua imaginação é sempre fértil e já agora, o 'tê' português bem acima de escorreito.


    just my friggin' two cents...

    :-D

    Excelente e excitante, G !!

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  2. Essa de partilhar a mesa e outras peças de mobiliário, é do melhor...
    Curioso, como estou a achar mais graça ao modo de escrever do que ao enredo.

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  3. Elementar, meu caro Watson!
    A "Foxy Lady" está a referir-se aos negócios do Comendador com o tal manuscrito original!
    Já havemos de nos ter esquecido da B, quando ela voltar a aparecer outra vez...

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