sábado, 30 de janeiro de 2010

TAXI - Por terras do Papa


Houve uma altura em que, devido ao facto ser o responsável pelas compras de uma rede de lojas de artesanato, viajei com muita frequência para os locais mais díspares do planeta, de Manila a Abidjan, de Okpo a Tegucigalpa.
Acontecia, até, chegar de viagem da Índia, num dia, e, no dia seguinte, partir para o México.

E foi por essas bandas que me aconteceu mais esta história que mete táxis e prova que os taxistas formam uma grande família, à escala global, independentemente da nacionalidade ou idioma que utilizem.

Em terras mexicanas, apesar de ter estado em muitas outras cidades, estabelecia, habitualmente, o meu quartel-general em Guadalajara.
Guadalaxara, como é também conhecida, com mais de 4 milhões de habitantes na região metropolitana, discute o segundo lugar de grande metrópole com Monterrey, ficando ambas, contudo, a grande distância da capital, Cidade do México, uma das maiores cidades do Mundo.

Voltando a Guadalajara, era daqui que partia nas minhas incursões para descoberta de novos artesãos, fornecedores da tal rede para a qual fazia as compras.
Intervalando - o México será talvez o país do mundo com maior diversidade e riqueza de artesanato, juntando cerâmicas, trabalhos em ‘hojalata’, a nossa lata, tecido, presépios variados, instrumentos musicais, pintura naif, mobiles em ónix, jogos de xadrez, vidros, madeiras pintadas, máscaras ou papier maché,
Nesse país, tinha uma agente local, a Catherine Millot, francesa casada com um advogado mexicano, que me transportava nessas buscas de muitas dezenas de qulómetros até locais com nomes estranhos, pelo menos para nós, como Tlaquepaque, Tonalá ou Zapopan.
Era nesses locais que artesãos, gente simples com os rostos da cor do barro escuro com que moldavam imagens dos seus sonhos delirantes, me convidavam a partilhar os tacos caseiros, as enchiladas ou as tequillas de álcool quase puro.

Pois bem, um dia a Catherine não pôde fazer o seu habitual papel de motorista para me conduzir a esses destinos, que ficavam vinte ou trinta quilómetros da cidade grande, embora com acessos que transformavam esses trajectos em viagens de, pelo menos, uma hora.
Para quem, como eu, tinha só uma semana para visitar uma vintena de fornecedores, alguns deles pela primeira vez, era impensável ficar no hotel a beber ‘banderitas’

Outro aparte – Banderita é uma bebida típica mexicana servida em três copos, tipo shot, um com ‘sangrita’, à base de sumo de tomate mas picoso, outro com tequilla e o terceiro com sumo de lima, o que repete o colorido da bandeira mexicana, vermelha, branca e verde.
As bordas dos copos têm sal e vão-se dando goles sucessivos, alternando os gostos.

Como também era inviável partir à descoberta de novos destinos num táxi tradicional, falei com o simpático porteiro do Fiesta Americana, o hotel onde já me hospedara por várias vezes, para ver se ele me arranjaria um qualquer outro transporte alternativo, para eu partir à descoberta de ‘tesouros perdidos’.

Embora nós pensemos que o ‘jeitinho’ e os ‘primos’ são características exclusivas nossas, na verdade, estão espalhadas por muitos outros países e, assim, depois de alguns telefonemas, foi-me dito que o primo de um primo do porteiro, chegaria dentro de minutos com o seu automóvel, que era assim a modos que um táxi não oficial.
E, assim foi. Pouco depois travava à porta do hotel um táxi a cair de podre, sem taxímetro e com um motorista saído directamente de um qualquer filme de terror da série B.
Não dei parte de fraco e depois de algumas negociações, pois não estava interessado em ir aos locais que já conhecia, ele afirmou, com solenidade – Ixtlahuacán de los Membrillos – o que para mim era chinês puro.
Segundo ele, era nesse pueblo que existia uma pequena cerâmica de dois irmãos que faziam conjuntos de grandes dimensões.
Ora era mesmo disso que eu andava à procura…

E, sendo assim, lá me meti na poeirenta viatura, por uma não menos poeirenta estrada, rumo ao desconhecido.
Só que não sabia que o desconhecido era assim tão desconhecido, tão afastado e com acessos tão maus…
As casas começaram a rarear, até desaparecerem por completo, o pó transformou-se em pedregulhos pelo meio do caminho e os minutos transformaram-se em horas.
E, a somar a tudo isto, o taciturno motorista, de olhos fixos nos estreitos trilho ia enviando mensagens, para mim como que codificadas, pelo rádio do carro, num dialecto índio local, perfeitamente intraduzível.
De repente, uma ideia cruzou-me a mente…
E se aquele fulano me estivesse a levar para um qualquer local, onde alguns cúmplices estivessem à minha espera, para me assaltarem, raptarem, matarem? Ideias tétricas, que em tantas outras viagens semelhantes nunca me tinham ocorrido, vieram-me à mente.
Nunca ninguém viria a saber onde o meu cadáver iria apodrecer…
Seria impossível refazer o meu trajecto, descobrir o culpado, principalmente se o porteiro do hotel participasse na manobra…

Confesso que durante minutos, algum pavor, insensato e inexplicável, tomou conta de mim.
Porque é que eu metia nestas aventuras, sem nenhumas precauções prévias?
Quando é que ia deixar de ser uma irresponsável?

Ao longe, no meio de todo aquele deserto erguia-se uma cruz de pedra…
Pela primeira vez sorridente, o motorista voltou-se para mim e disse-me:
“Aqui foi onde o Papa, veio na última visita que fez ao México…e benzeu esta cruz!”

Recostei-me tranquilo, finalmente em paz.
Se o Papa tinha passado por ali, nada de mal poderia acontecer, mesmo a um hereje como eu.

4 comentários:

  1. Oh herege viajante ! Tudo muito bonito mas esse figado deve ter apanhado grandes pontapés com o álcool de tanto mundo !

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  2. Z.M. não sei nada àcerca do álcool de tanto mundo com que ele possa (ou não...) ter apanhado...

    Quem é especialista no México é o meu filho H. porque a nossa amiga Ana M-R tem p'ra lá uma casota em Cancún ou o raio...

    Mas sei uma isto, é uma seca enorme (tanto fax se é na classe 'normal' ou na outra mais cara) viajar até à Índia, ou ao 'Prákiestão', aqui têm o fundador da 'coisa' nesta photo o o "ex-chavalo" ainda não se lembrava que era nawab (ricaço) e que tinha andado em Oxford, ou Cambridge ... é o que não é o Gandhi.

    Resultadinho, nesse país não me apanham nem morto, eles que se matem antes uns aos outros...

    (Encontrei um casal de 'tugas' em Gôa, numa praia, e o gajú disse-me "Pah, a gente vem aqui para género ela poder vir à praia". Espantoso ...

    Moslems, vão todos lá ter com as vossas 15497 virgens, levem a pôrra dos tapetinhos, e deixem de chatear o o resto da malta...

    :-(



    <:-((

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  3. Ah, e G., não te lembras de uma "coisa" com álcool que as senhoras de muito de lá serviam da janela p'ra fora num copinho piqueno (onde diabo seria ? Minas ? Bahia ? ) e que se chamava "pau de índio" ??

    Perdão brasucage, mas aquilo era horrível...

    Ainda hoje estou p'ra saber o 'quéqueles/as' quereriam dizer com isso...

    :-)

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  4. Ah, e ia-me esquecendo, no Mx só estive muito rápidamente em Cuernavaca, mas o que eu lá fui espreitar já não existe, p'ra variar...

    :-(

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