sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O sobrescrito marrón

31

A primeira coisa que Miltinho viu, quando entrou no quarto do hotel,
foi o grande envelope colocado sobre a cama.
Quase a adivinhar o seu conteúdo, abriu-o, com as mãos trémulas.
As fotografias espalharam-se, em cascata, por sobre a colcha branca.
Miltinho, recuou, perante as imagens chocantes.
Ninguém adivinharia que estava drogado e inconsciente
durante a sessão, em que o fotógrafo tivera o cuidado
de o enquadrar de modo a ser facilmente identificável,
mas de forma a que o seu rosto não se visse claramente.
Mesmo, na única fotografia, em que estava de olhos fechados,
tal facto, seria interpretado como um momento de êxtase.
Reparou, então, num pequeno bilhete
que caíra do interior do sobrescrito.
“ Miltinho, se você não quiser que estas fotos
e outras ainda mais comprometedoras, cheguem às mãos
do seu “querido” patrão, vai ter que se mandar até ao final
da semana, e nunca mais contactar com o Grupo,
ou pôr os pés no Rio de Janeiro.
Se não seguir estas instruções, vai passar a ser conhecido

como o Viadinho do Pagode, ou do Pacote, quem sabe”.
O negro atlético sentou-se com a cabeça entre as mãos,
sentindo toda a sua vida a esvair-se para um qualquer bueiro de rua.
Sérgio nunca poderia ver aquelas fotografias.
Miltinho conhecia bem o desprezo que o chefe nutria
por todo o tipo de homossexuais.
Tinha que seguir o conselho, ou a ordem, melhor dizendo,
do fotógrafo desconhecido.
Felizmente, tinha dinheiro amealhado, suficiente para começar
de novo a vida em qualquer outro ponto do Brasil,
mas como deixar para trás uma vida partilhada com Sérgio,
desde a adolescência?
Como esquecer o que o Dotô Salvatore tinha feito por ele?
Como passar um pano sobre a felicidade de ter podido ajudar
sua família quando esta passava dificuldade?
Como abandonar Sérgio, seu irmão de vida,
mesmo que não de sangue ou classe social?
E porque aquele cara misterioso queria tanto
afastar ele do Rio e do Grupo?
Embora não muito dado a pensamentos profundos,
Miltinho começou a somar dois e dois.
Todo aquele trabalho para o poderem chantagear,
não tinha, na realidade, nada a ver com ele directamente.
O que queriam conseguir era o seu afastamento,
para Sérgio ficar mais enfraquecido e desprotegido.
Mas isso não iam conseguir.
Iria enfrentar a vergonha, se necessário, mas o salafrário,
ou salafrária, não se ficaria a rir.
Mas quem poderia ser? A putinha da Gabriela? Tinha dúvidas…
Algum grupo rival, a tentar ganhar terreno? Era possível,
Sérgio tinha semeado inimigos na sua ascensão até ao topo.
Velic? A imagem gigantesca do sócio do patrão,
de quem nunca gostara, veio-lhe à memória.
Espera aí…o cara com cabelo à Bob Marley !!!

3 comentários:

  1. Já se suspeitou da Mulher, do Marido, do Sócio, do Guarda Costas...e no final o assassino não vai ser nnhum deles, ou estarei enganada?

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  2. Para mim, o assassino vai ser um dos suspeitos referidos pela MTH.

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  3. Nas tintas para quem possa ser o 'criminoso', estou mais numa de apreciar o estilo...

    Continuaçao de boa prosa, J.V.

    :-)


    Adorei esta frase,

    (...)Embora não muito dado a pensamentos profundos,
    Miltinho começou a somar dois e dois.(...)




    Hoje em dia, com a conspiração de estúpidos que grassa por aí, conseguir somar dois e dois já é "uma lança em África"...

    :-(

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