Na esquerda baixa uma pequena mesa, tampo redondo e “pé de galo”, um telefone preto modelo 1950 parecia deslocado num cenário desprovido de adereços que desviassem a nossa atenção.
Escutadas as indispensáveis pancadinhas de Moliére, a porta colocada lá no fundo do cenário abriu-se lentamente e entrou formosa dama, vestido longo, farta e loira cabeleira, jóias quase espampanantes e um sorriso que eu diria, bem matreiro.
-Maria, vem cá e traz o chá, quente por favor.
Olha não esqueças os bolinhos que ontem o Senhor Marquês de Olinda cá deixou.
Uma voz sumida vinda de perto, respondeu:
-Sim minha Senhora, já vai.
Segundos não eram passados entrou a serviçal, fardada e de branca touca com um tabuleiro bem composto que pousou em frente ao cadeirão vermelho onde se sentava a bela dona daquilo que se presumia ser um vetusto palacete, talvez situado na Lapa ou mesmo na Foz.
-A senhora deseja mais alguma coisa?
- Já agora vê se chove porque o Senhor Marquês prometeu voltar se o tempo estivesse ensolarado mas eu ainda há pouco vi pela janela do quarto umas quantas nuvens de mau presságio.
-Sim minha Senhora.
Ela saiu e escutou-se o toque do telefone.
Dois passos lestos e levantando o auscultador, escutou embevecida antes de responder:
-Mas Marquês venha rápido, não consigo esquecer o calor das suas mãos aquecendo os meus seios, a ternura dos seus beijos, a doçura dos bolinhos que me ofereceu, venha rápido por favor, bem sabe o que o espera e para mais a Maria foi ver o céu e o Sol brilha.
Desligou e como que falando para si, escarneceu:
- O AMOR É…ter que aturar este velho babado que só tem forças nos dedos da mão mas há falta de melhor…
Caiu o pano, entre aplausos de uma plateia vazia, melhor, estava lá eu , apaixonado como sempre por aquela bela mulher .
É assim o amor.
Don Quixote
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
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Don Quixote faz muito tempo que não lia um texto que me desse tanto gozo...
ResponderExcluir:-)
Muitos parabéns !
Só tem um probleminha... de consistência. Como você pode colocar o marquês de Olinda (1793-1870) e um telefone na mesma frase ?
Liberdade poética, ou é outro marquês ?
Parabéns, mais uma vez. Adorei o conto.
:-)
Tá se mesmo a ver que era um dos netos do tal Marquês.
ResponderExcluirNão poderia ser assim, Alvega?
Poderia sim, Z.M.
ResponderExcluir:-)
Eu estive em Olinda há muitos anos, mas ainda me lembro da quantidade de capelas e igrejas que nóis tugaria lá deixou, e de uma mistela à base de cachaça que as donas-de-casa vendiam da janela p'ra fora, chamava-se "pau-de-índio", nunca quis saber o significado...
:-))
As mulheres são sempre as más da fita, as cínicas e dissimuladas.
ResponderExcluirTirando isso, gostei da teatrilização da cena...
Alvega,bem no interior do Estado da Baía, vi apanharem uma raiz que me ofereceram para colocar numa garrafa com boa cachaça.O resultado era o "pau de resposta", o viagra sem quimicos.Guardei mas não experimentei !
ResponderExcluirTeatro Maria Matos, Teatro Ad Hoc!
ResponderExcluirJá fiz figuras destas, em plateias quase vazias, semelhantes à deste Teatro...