quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O tira bonzinho

24

Todos os dias, durante o longo trajecto desde o Méier até à Praça Nossa Senhora da Paz, onde ficavam os Serviços de Combate à Droga e Crime Organizado, Marco Tupinambá, perguntava-se a si próprio porque tinha que ser ele, logo ele, o único policial honesto dos serviços.
Não que todos os outros fossem corruptos, ou pelo menos grandes corruptos, mas mesmo aqueles que se consideravam honestíssimos, recebiam uns quilos de carne do açougueiro, para fecharem os olhos ao facto do filho deste ter sido apanhado com várias doses de haxixe, ou ganhavam bilhetes permanentes para o Maracanã para não fiscalizarem os carros das estrelas do futebol .
Para não falar dos outros, que ganhavam casas no Botafogo, carros zerinho quilómetros, férias na Europa, a Universidade dos filhos....
E ele, o babaca, continuava a viver num conjugado no Méier, a ir jantar, quando jantava, em casa de Dona Flô, a mãe, que vivia duas quadras acima e a deslocar-se no quentão, o ónibus sem ar condicionado, já que nem dinheiro tinha para usar o frescão, bem mais confortável com o seu frio gostoso.
Mas era algo de genético, que ele não conseguia combater.
Embora os colegas gozassem seus ternos surrados, suas camisas no fio, suas sandes de bauru, suas cervejinhas condicionadas.
Até o chefe, sempre pronto a entregar-lhe os casos mais bicudos e trabalhosos, nunca o convidara para os churrascos, bem servidos segundo já escutara, que fazia no seu sítio de Petrópolis.
O aparecimento súbito desse sítio era outro mistério da multiplicação dos pães.
Como é que o chefe, oriundo de uma modesta família de Minas, com mulher doméstica e três filhos estudantes, e um salário a ultrapassar ligeiramente os limites da sobrevivência, tinha conseguido adquirir, em dinheiro vivo, uma propriedade de jardim luxuriante, cascata incluída, casa com cinco cómodos, churrasqueira e piscina?
E, logo, depois de Tupinambá lhe ter entregue um dossier muito completo acerca das actividades, mais do que suspeitas, de Sérgio Cassini e Velic Ustinov.
Menos de um mês depois, dava-se a inauguração do sítio na serra, sem a presença de Marco.
E do dossier nunca mais se ouvira falar.
Quando um dia, ao cruzarem-se no corredor, Marco Tupinambá, inquiriu o seu superior acerca do desenrolar do caso, recebeu uma resposta seca.
“- Está nas instâncias superiores. Preocupe-se com o seu trabalho…”
A sorte é que, como era seu hábito, Marco tivera o cuidado de fazer uma cópia para o seu arquivo pessoal.
Era essa pasta que folheava agora, enquanto preso no trânsito, tentava ocupar o tempo que ainda o separava até ao destino final.
Ia fazer umas xeroxes para entregar aquela portuguesinha jeitosa, Deo qualquer coisa, que o procurara para saber informações da dupla.
Nesse momento, ao reler pela centésima vez , aqueles papéis que lhe tinham levado semanas de árduo trabalho a reunir, deparou-se com um pormenor que lhe escapara.
No colégio chamavam a Sérgio o Granizé da Bela Vista.
Ora granizé significa galarote, galo jovem brigão…

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3 comentários:

  1. Jaime Varela dixit:

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    Como é que o chefe, oriundo de uma modesta família de Minas, com mulher doméstica e três filhos estudantes, e um salário a ultrapassar ligeiramente os limites da sobrevivência, tinha conseguido adquirir, em dinheiro vivo, uma propriedade de jardim luxuriante, cascata incluída, casa com cinco cómodos, churrasqueira e piscina?

    Isso parece a descrição da casa do Collor ou da mãe dele, (só que o "home" era de Alagoas, salvo erro...) em Brasília-Norte.

    Ou de qualquer outra da 'Península dos Ministro', quando eu lá estive 'tava tudo à venda.



    :-)

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    Adorei a ideia de chamar Tupinambá ao seu Marco.

    :-))


    Parabéns como sempre pela imaginação, o fôlego, e o talento, J.V..

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  2. Ah, e tira bonzinho no Brasil só tem no cinema... ou nos livros do Rubem Fonseca.

    p-)

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  3. No final do folhetim vou imprimir
    e encadernar...

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