Quando eu nasci, Portugal estava na cauda da Europa.
Veio o PREC, e Portugal continuou na cauda da Europa.
Depois chegou alguma estabilidade, e aí Portugal
continuou na cauda da Europa.
Entrámos na CEE, e permanecemos na cauda da Europa.
Vieram os governos de Cavaco Silva, mais os milhões comunitários, e - então sim - Portugal continuou na cauda da Europa.
Nisto, o PS voltou ao poder.
E Portugal manteve-se na cauda da Europa.
A seguir, o PSD regressou ao governo.
E Portugal na cauda da Europa.
Depois, mais governos do PS até hoje.
E Portugal firme na cauda da Europa.
Onde fica Portugal? Na cauda da Europa.
Não se sabe que bicho é a Europa,
mas lá que tem uma cauda é garantido.
E não há dúvidas nenhumas de que Portugal está nela sozinho.
Nem sempre foi assim.
No princípio, Portugal estava na cauda da Europa acompanhado.
Nos anos 70, Espanha estava taco a taco connosco na cauda.
Ora valia mais o escudo, ora valia mais a peseta.
Primeiro, nós íamos ao El Corte Inglés fazer compras baratas.
Entretanto, o El Corte Inglés veio para cá fazer vendas caras.
De repente, os espanhóis meteram uma abaixo e começaram a galgar pela Europa acima - e nós ficámos na cauda com a Grécia.
Nisto, os gregos também amarinharam.
Abriu-se a União Europeia a países que estavam igualmente na cauda, como a Irlanda, e todos foram abandonando a cauda a caminho, suponho, do lombo da Europa.
Como se explica este fenómeno da nossa longa estada
na cauda da Europa?
Creio que só pode ser uma opção.
E, sendo uma opção, tem de ser estratégica.
É muito raro uma opção não ser estratégica.
Já tivemos vários governos e regimes, e todos, sem excepção,
optaram por nos manter na cauda. Deve haver um plano.
Outros países, que não têm coragem de permanecer na cauda,
foram avançando para a garupa.
É lá com eles. Mais fica de cauda para nós.
A verdade é que alguém tem de ficar na cauda.
E, no que diz respeito a caudas de continentes,
a estar nalguma que seja na da Europa.
Temos a experiência, o talento e, pelos vistos,
a vocação para estar na cauda.
Seria uma pena desperdiçar décadas e décadas de prática.
Será sensato que um país com o tamanho do nosso se aventure para fora da cauda da Europa?
É importante não esquecer
que é com a cauda que se enxotam as moscas.
E que a cauda consegue enxotar tudo, menos o que está na cauda.
Os pessimistas dirão: temos o último lugar garantido.
Os optimistas hão-de notar que, ao menos, é um lugar.
E que está garantido. Já não é nada mau.
Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno(Visão)
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
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Talvez a explicação esteja nas siglas PS -PSD, PSD-PS...
ResponderExcluirUma nota marginal a um texto fabuloso (como sempre) do Ricardo Araújo Pereira:
ResponderExcluirQuando eu era para nascer, o meu Pai e a minha Mãe estavam em Espanha (Madrid).
O meu avô materno -- já só havia esse -- que era muito 'talassa' (mas eu adorava-o), intimidou-os, "Não quero que o meu primeiro neto seja espanhol, blá, blá, blá", e os meus pais vieram para aqui como puderam, e eu vim nascer em Lisboa.
Depois voltámos para Madrid, o Pai tinha que la estar por 'razões de ofício'.
Do que o meu Pai me contava, vivia-se lá pior que em Lisboa, na época. Nem papel higiénico havia.
Olhem só a diferença para agora, nem tem ponto de comparação.
:-((
Alguém andou a asnear por aqui...
Cada crónica que escreve o RAP vai melhorando sempre. Aplausos!
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