segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Tudo começou no Baptizado

Inicia-se hoje, como anunciado, a publicação dos Contos "O AMOR É".
A primeira impressão é de que o desafio é difícil, porque são muito poucos os textos, recebidos até à data.
Talvez com a leitura deste, os Autores se animem...


TUDO COMEÇOU NO BAPTIZADO

O Padrinho, antigo colega do Pai, na tropa e farras da juventude, era um hippy à moda antiga.
Cabelo pelo meio das costas, preso com uma fita colorida, coletes com crachats “Make Love, not War” e coisas assim.
Nos poucos momentos lúcidos, entre uma e outra viagem envolta em fumos e ácidos, cantava desafinado velhos êxitos da Joan Baez e do Joe Cocker, e criava uns toscos vasos de cerâmica com o símbolo do pacifismo, que tentava impingir à vizinhança e a um ou outro turista, que vinha até ao bairro para visitar a velha igreja do sec.XVII.
E era nessa mesma igreja que o petiz, bebé rechonchudo, filho do Zé do Talho e da Micas da Silva, ia ser baptizado. Tó Zé “Dylan”, a personagem referida acima, seria o Padrinho…
Os familiares dos Pais, alguns vizinhos mais chegados e os colegas do talho, com as suas roupas domingueiras, enchiam o pequeno local. O órgão, que o dono da farmácia martelava embevecido, fazia ecoar uma qualquer música de reminiscências espirituais.
O Padre, pastor daquela paróquia há várias décadas, aguardava paciente junto à pia baptismal.
A Mãe, com o filho ao colo, não escondia a sua inquietude pelo atraso do Padrinho.
O Pai, como sempre, tentava desculpar o amigo, contando umas piadolas que em vez de desanuviar o ambiente, já tenso, só serviam para encher a igrejinha de maus presságios.
Alguém, penso que o Zeca Fininho, tomou a iniciativa de ir buscar o Tó Zé “Dylan”, “Dealer”, para alguns, a casa da Mãe deste.
Meia hora depois, desgrenhado e com ar de quem tinha sido arrancado da cama à força, o que era a mais pura das realidades, o Padrinho fazia a sua entrada triunfal na igrejinha, por essa altura, já apinhada de pessoas, que anteviam uma escandaleira da grossa.
Calças de tecido de capulana, chinelas de couro, camisa indiana aberta até ao umbigo, colete com franjas e a, insubstituível, fita no cabelo, desta feita, ornamentada com pins simbolizando folhas de cannabis. Um espanto…
O velho pároco, benzeu-se três vezes, como se estivesse perante o próprio Belzebu e fez um sinal discreto para que os Pais se aproximassem.
Estes, com o rebento e o vacilante padrinho a tiracolo, avançaram até ao local onde o baptizado se iria consumar.
Nesse momento, a Mãe, como despertando de uma longa letargia, olhou inquisitiva para o Pai. Este, mais lento de espírito, demorava a perceber, tentando ler no movimento dos lábios, a pergunta formulada pela sua companheira. “O nome? Qual o nome da criança ?”
Mesmo entorpecido pelos ácidos e fumos vários, o cérebro do Tó Zé, foi mais rápido, na resposta…
“- O AMOR É… o nome do meu afilhado! Quero que ele seja um símbolo de Paz e Harmonia para toda a Humanidade!”.

J.F. Pinkerton

10 comentários:

  1. Bom começo para O AMOR...

    Vamos lá ver os outros!!!

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  2. Adorei o dono da farmácia, embevecido, a "dedilhar" --- isso já acho mais difícil... --- o tal de órgão.

    J.F. Pinkerton, seu grande detective, muitos parabéns!!

    embora o seu português não seja necessáriamente o meu, invejo-lhe o fôlego e a imagética.

    Gostei muito, "estava quase lá", transportado para a sua 'cena'.

    :-)

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  3. Mr. Alvega
    Compreendo a sua confusão, pois toda a minha vida tenho sido perseguido por ela.
    Eu sou neto de um simples lugar-tenente da Marinha dos Estados Unidos que, quando esteve colocado em Nagasaki, Japão, teve um caso com uma gueixa local, assunto de que a minha família não gosta de falar.
    Por mero acaso, descobri um dia que a dita senhora, minha Avó, portanto, assinava Madame B. o que, confessamos, tem um certo ar de dona de bordel.
    Meu Avô, Benjamim Franklin Pinkerton, nada tem a ver com o célebre Allan Pinkerton que fundou, com grande êxito, acrescente-se, a Pinkerton National Detective Agency.
    A bem da verdade, aqui fica o esclarecimento.
    So long

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  4. O comentário acima tem uma gralha- onde está J.B.Pinkerton deve ler-se J.F. Pinkerton já que o F. significa Franklin as my big daddy.

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  5. Your big daddy has a name that means something to me, related or not...

    Congrats again, J.F.B.

    :-)

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  6. ai, vocês escrevem tão bem que acho que fico meia sem coragem de me estrear.este conto é mesmo irreal.real só mesmo o nome para o petiz.

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  7. Então o autor do conto é neto da célebre Madame Butterfly?
    Por esta é que eu não estava à espera...

    Quanto ao conto fez-me lembrar as Crónicas dos Bons Malandros.O que é um elogio!

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  8. maria alice, faça o favor de se atirar ao rio, estaremos cá sempre para a apreciar (e ajudar a chegar à margem, claro !

    :-)

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  9. Concordo com a PG, um bom começo! e um bom estímulo. Sempre a mobilizar, o Galo!

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  10. J.F.P., como é que dizia aquele seu "antepassado" ?

    "They that can give up essential liberty to obtain a little temporary safety deserve neither liberty nor safety".

    Venha com mais !

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