sábado, 30 de maio de 2009

O Indiferente

O Gaspar estava cada vez mais frio.
Desde mesmo antes de casarem, ele nunca fora muito dado a manifestações de carinho.
Nunca lhe oferecera flores ou chocolates, como os namorados das suas amigas faziam.
As poucas vezes que a levara ao cinema, nunca lhe pegara na mão.
Nunca lhe escrevera uma única carta romântica, ou mesmo uma carta normal, que fosse.

Com o casamento, teve esperanças que algo mudasse, mas a indiferença do Gaspar mantivera-se incólume.
Nunca lhe comprara nada nos anos, nem a levara a jantar fora.
Nunca a surpreendera com umas férias num destino exótico.
Puket, Pipa, Cebu, Varadero…ou Armação de Pêra.
Nunca a beijara de forma apaixonada.
Melhor dizendo, e agora que pensava nisso, nunca a beijara, tout court

As suas amigas da escola, as colegas de escritório, as familiares próximas e mais afastadas, começaram a ter bebés.
Umas criaturinhas rosadas, que choravam a toda a hora, mas a quem se podia comprar rocas e botinhas de lã.
E ela, nada…
Também, como seria possível? Só se fosse o Espírito Santo…

O Gaspar estava cada vez mais frio.
Dantes ainda chegava a casa, sentava-se frente à televisão e lá via o Trio de Ataque, Os Donos da Bola, e outros programas do estilo enquanto ela preparava o jantar.
Depois continuava frente ao aparelho a dar uma vista de olhos pela Bola e pelo Record enquanto, sem gosto nem entusiasmo, esvaziava o tabuleiro que ela lhe punha à frente.
Quando ela voltava, depois de ter arrumado a cozinha, já ele ressonava, há muito, enfiado no pijama às riscas que a mãezinha lhe oferecera no Natal.

E era todos os dias, semanas, meses, anos, sempre a mesma coisa.
Marizete tinha tentado despertar-lhe a atenção por todos os meios.
Lingerie erótica, dança do ventre, comida afrodisíaca, nada…
Tentara apimentar a relação, mas com resultados nulos.
O Gaspar estava cada vez mais frio…

E agora, ele que nunca fora dado a grandes higienes,
começava a cheirar mal.

Marizete, depois de tanto tempo de sacrifício e altruísmo,
tomou uma decisão definitiva…

No dia seguinte, iria mandar fechar a tampa do caixão.

Ernesto E. Minguêi

2 comentários:

  1. Bom Conto, na linha a que este Ernesto já nos tem habituado.

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  2. Um conto de homem, percebem o que eu queria dizer ?

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