quarta-feira, 27 de maio de 2009

Futurama

…O raio laser iluminou-me a retina e o movimento ondulatório da bolha de ar parou, acordando-me, sem sobressaltos.

A parede ecran mudou a imagem do céu estrelado para uma manhã de sol radioso com pássaros a cantar.
Não estando para Primaveras, apontei o dedo telecomando para a parede e fui vendo os cenários possíveis – montanhas geladas, fundos de oceano, florestas tropicais, a imaginação dos designers não tinha limites.

Acabei por parar numa ampliação gigante de pele queimada pelo sol, coberta de finas gotículas.
Inspirada nos tempos remotos em que ainda havia sol e a epiderme das pessoas podia estar exposta no exterior das favélias, os actuais agrupamentos de favos individuais ou colectivos onde os , cerca , de 380 000 sobreviventes da Grande Explosão ou Big Bang/Bang, vivem.

A minha, com os seus 25m2, pode considerar-se enorme,
mas o lugar de Conselheiro Onírico e Presidente do Conselho
de Sonhos e Situações Afins, dá-me certas regalias
que a maioria das pessoas não tem.

Olhei-me no Imagem 3D e escolhi a espuma protectora que iria usar hoje.
Optei por um padrão com bolas azuis e coloquei-me debaixo do Regador Óptico.
Dois segundos depois estava vestido da cabeça aos pés e protegido das radiações, que ainda impregnavam as artérias de New Rebolleyr, a capital do Mundo Livre.

Entrei no tubo transmissor M23Speed800 que, no canto direito da divisão, tinha começado a piscar uma luzinha azul, indicativa de que a hora de partida se aproximava.
Tive ainda tempo de engolir uma cápsula de baguette com aroma de frango e despejar, boca abaixo, uma saqueta de essência de algas marinhas.

O trajecto no tubo demorou os 14 segundos habituais.
Às seis em ponto, sentado no Grande Auditório comecei a ver a projecção dos sonhos de toda a população.
Embora grande parte fosse vista na aceleração máxima, tinha muito trabalho pela frente.
Bocejei, de tédio, antevendo o dia aborrecido que se aproximava...



A campainha rouca do despertador acordou-me, fazendo-me saltar na cama.
Espreguicei-me, cansado da noite mal dormida e por ir passar mais um dia sem história, na Fábrica Manel dos Pneus .
Fiz a barba, cortei-me, tomei banho e demorei algum tempo até encontrar uma camisa lavada e uns jeans decentes.
Bebi um café frio, fumei dois cigarros e mastiguei à pressa uma coxa do frango frito, que sobrara da noite anterior.
Depois foi o correr, do costume, para apanhar a camioneta .
Quase duas horas depois chegava à Fábrica, em Braço de Prata.
Já na linha de montagem olhei o relógio, sem esperança.
Bocejei, de tédio, antevendo o dia aborrecido que se aproximava…

Isaac Simak
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