segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Não há rapazes maus

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Nos Anos 80, as principais mudanças em relação ao Rio dos nossos dias, falando apenas da Zona Sul, que é afinal a única que os turistas conhecem, é que a cidade ainda não se expandira na direcção do Recreio dos Bandeirantes, chegando apenas até São Conrado, e as casas de Ipanema e Leblon não apresentavam os gradeamentos hercúleos, que agora circundam todos os edifícios.
Também as favelas, com a Rocinha na dianteira, não tinham a pujança actual.
O resto, praias e avenidas marginais, principais edifícios, praças e jardins, continua imutável, como era à época.
Tudo isto o olhar sôfrego de Miltinho, então ainda sem ser do Pagode, apreendia, enquanto o esguio cabriolet do “Dôtor” Salvatore Cassini percorria as ruas em direcção ao Alto da Boa Vista, onde se situava a mansão Cassini, por muitos apelidada de Cassini Royal, pois ali se podiam ganhar fortunas nos negócios engendrados nos jardins, onde as mangas impregnavam o ambiente dum leve cheiro a gás, cortado pelo forte perfume francês das senhoras presentes.
Quando o jovem pé descalço entrou naquela casa de escadarias de mármore, quadros pendurados nas paredes, elevador entre os pisos, salões imensos, piscina, sauna e ginásio, pensou estar a chegar ao Paraíso.
De seguida, indicaram-lhe o quarto, que iria partilhar com o ajudante de jardineiro, um tímido, mas sorridente, parabaiano, e o banheiro onde tomou o mais demorado e saboroso banho de toda a sua vida, com água quente…
Depois de lavado e vestido com uma camiseta e uns calções novos, sentou-se à mesa da cozinha e engoliu um pernil com arroz e feijão que lhe fez chegar as lágrimas aos olhos.
Mais tarde, foi apresentado ao adolescente mais bonito que alguma vez vira.
Sérgio, alto, moreno, esguio, mas já bem musculado, sorriu-lhe e estendeu-lhe a mão, em sinal de boas vindas .
“- Então é você o cara que vai ser meu anjo da guarda?”
Miltinho, encabulado ficou sem resposta, mas percebeu ter encontrado a sua razão de viver – proteger aquele moço, mesmo arriscando sua vida, ser fiel aquela família que o tratava como um ser humano, pela primeira vez em toda a sua existência.

O crescimento de ambos deu-se em simultâneo.
Enquanto Sérgio tinha aulas, Miltinho dava um salto, com a cumplicidade do motorista, até às favelas dos arredores, onde era sempre bem recebido.
Quando estavam juntos, jogavam box, praticavam judo e capoeira, faziam tiro ao alvo.
Apesar de mais destro nas lutas corpo - a - corpo, Miltinho tinha o cuidado de deixar que o seu jovem patrão ficasse com a sensação de ter vencido.
Sérgio, frontal e amigo, era também capaz dos maiores ataques de violência se fosse contrariado ou derrotado, no que quer que fosse.

Eram estes pensamentos do passado que ocupavam a mente de Miltinho do Pagode, enquanto fazia a sua marcha matinal, de todos os dias.

Distraído, quase foi de encontro a um branquelas com ar de turista, que olhava para ele, parado no Calçadão.

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3 comentários:

  1. Eu que até não gosto de novelas, não perco um folhetim. Cada vez mais emocionante...

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  2. E que tal, no final, publicar uma brochura com os Crimes do Galo?
    Vão ser quantos capítulos?

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  3. Eu gosto de rapazes maus...dão mais luta.

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