sábado, 31 de outubro de 2009

O Futuro das Palavras - Miguel Sousa Tavares

A seguir ao Reader, chegou agora o Kindle, que promete tornar muito mais fácil e confortável a leitura de e-books.
A troco de 300 euros e com um simples toque nos botões, tal como nos ipod, é possível aceder aos catálogos das grandes livrarias online e fazer desfilar um sem-número de livros já disponíveis (só a Amazon tem neste momento disponíveis 700.000 títulos - que não pagam direitos de autor por já ter expirado o respectivo prazo).
No futuro imediato, e quando for regulado o pagamento de direitos de autor ainda vigentes, o leitor de e-books poderá, por um preço simbólico e sem ter de se deslocar a uma livraria ou fazer uma encomenda, seleccionar o livro que quiser e, se não gostar do início, passar logo a outro, sem gastar mais do que o preço de um café.
Calcula-se que dentro de cinco anos 20% do mercado livreiro já estejam tomados pelos e-books e, dentro de dez anos, as expectativas variam entre os 30% e os 50% .
No mercado discográfico, o download das músicas, legal ou pirateado, já atingirá os 80% (os músicos sobrevivem dando concertos, mas os escritores não sabem cantar...) Mas a primeira coisa a morrer vão ser as livrarias: com 30% a menos de quota de vendas e sem poderem subir o preço dos livros sob pena de ainda perderem mais para as livrarias virtuais, só lhes restará fechar portas.
Depois, morrerão as editoras, tal como as conhecemos, e, com elas, as distribuidoras.
No mundo dos livros virtuais não há papel, nem capas, nem grafismo: não há objecto físico, há apenas um aparelho que tudo contém, uma Biblioteca de Alexandria que cabe no bolso de um casaco.
E a seguir morrerão os autores - que, sendo pagos em percentagem sobre o preço de capa do livro, verão este descer vinte ou trinta vezes.
Com o tempo, o livro-físico tornar-se-á um nicho de mercado, editado por alguns sobreviventes e destinado a alguns resistentes que não dispensarão os livros nas estantes, que conhecem de cor o cheiro e a capa de cada livro.
Ao contrário do universo do "Fahrenheit 451", os livros desaparecerão em fogo lento, sem necessidade de fogueiras nem fogos-de-artifício a celebrar o seu fim.
Assim nos projectam o futuro. Este é o cenário que está agora em cima da mesa.
É certo que ainda é cedo para antever o que verdadeiramente se irá passar e que, à partida, tudo o que é novo tem um tom assustador.
Porém, nos últimos anos temos assistido a uma aceleração incontrolável do mundo virtual face ao mundo que conhecíamos.
Com tremendas vantagens, nuns casos, com tremendas perplexidades e consequências ainda por avaliar, noutros casos.
Quem diria que qualquer cidadão, de telemóvel em punho, se pode tornar um jornalista freelance que fornece imagens de 'vídeo-amador' às televisões ou fotografias de paparazzo aos jornais?
Quem diria que grande parte da produção da informação se transferiria dos jornalistas para os frequentadores de blogues e a discussão pública sairia do espaço dos media para o espaço da net - onde a formação de opinião se 'democratizou', isto é, se tornou instantânea, não verificada, anónima e impune nos seus abusos?
E quem diria que essa informação e debate de opinião 'democratizados' anunciariam a morte iminente dos jornais?
E quem diria que elas acabariam por fazer inverter a regra sagrada do jornalismo - noticiar o que é de interesse público e não o que é do interesse do público - levando os telejornais a abrir com o crime passional de Alguidares-de-Baixo e não com a Cimeira mundial do Clima?
Assim com os livros: mais livros, mais acessíveis, muito mais baratos, sem ocupar espaço algum e, ainda por cima, poupando as florestas.
Não será esta uma legítima ambição dos consumidores?
Valerá ainda a pena o esforço de tentar resistir e defender um mundo com jornais em papel e livros-objectos?
E em nome de quê - da cultura, do prazer de ler jornais e livros em papel?
Responderão que a liberdade de escolha é sagrada e que cabe ao mercado decidir.
É uma armadilha fatal: porque hoje, no tempo da democracia e do mercado instantâneos, quando a maioria decide uma coisa a minoria é esmagada.

Miguel Sousa Tavares in Expresso

7 comentários:

  1. Antigamente as pessoas comunicavam por sinais de fumo...tudo vai mudando, evoluíndo ou não, e a sociedade vai-se adaptando a cada nova realidade.
    Não acredito no fim dos livros e, muito menos, no dos escritores mas, possivelmente, o suporte - papel, virtual ou outro é que mudará...

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  2. A Vida é feita de mudança...é isso mesmo MTH.

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  3. A capaciade de adptação do ser humano às mudanças que o tempo vai impondo é admirável. Num futuro próximo havemos de nos lembrar deste tema e recordar como eram os livros...antigamente.

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  4. Vou tentar ser sintético aqui, há muito para dizer...

    1. É uma pena que as grandes livrarias se vão (ainda esta manhã estive no Chiado e entrei em quase todas, sôdade). E, raro ou talvez não, encontrei p'raí umas 10 pessoas que não via há anos... a fazer o mesmo. Mas isso é a vida.

    2. Não estou preocupado com as árvores e o papel, as celuloseiras plantam coisas para isso em lugares remotos, negócio...

    3. Eu já não tenho espaço em casa para livros, embora prefira o prazer de folhear o papel ao desprazer de clicar em links... Mas isso sou eu.

    4. O MST é uma pessoa arrogante e manienta, um jornalista decente, um jurista assim-assim, e um escritor medíocre, daqueles para estações de comboio.


    È tudo o que se me oferece...

    :-)

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  5. Uma palavra de apreço para MTH pois reproduziu fielmente o que eu penso e ia escrever aqui.
    Afinal o texto em apreço, prova e comprova que somos um País onde o velho do Restelo criou e enraizou a sua familia.

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  6. Repararam no lapso das minhas palavras ? Perdão.

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  7. Nem no "Farenheit 451" a minoria foi esmagada...

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