domingo, 25 de outubro de 2009

Palavras que mudam - Pedro Rolo Duarte

Todas as palavras têm um sentido próprio conforme o tempo em que são usadas.
Não é igual dizer “romantismo” se falamos do século XVIII ou do ano 2009 – o adjectivo romântico para Chopin está a anos-luz do “cantor-romântico” que há num qualquer Marco Paulo.
Sendo a língua portuguesa, como bem sabemos, muitíssimo traiçoeira, a discussão interminável – e aqui entre nós, vagamente absurda – sobre o sentido de determinadas palavras não pode obedecer à regra simples do significado.
Nessa medida, a palavra resistência tem muito que se lhe diga.
Tem tudo.
Quem cresceu a rir à gargalhada com a série “Allo Allo” tem em René, modesto proprietário de um café na França ocupada pelos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial, uma ideia diferente do “resistente” que terão os comunistas que, em Portugal, nos anos da ditadura, lutaram contra o regime em circunstâncias difíceis, sofrendo com o exílio, a deportação ou a clandestinidade, uma vida praticamente por viver.
Quem, como eu, resiste estoicamente ao vício do tabaco, há já mais de (ridículos...) três anos, não sente o verbo resistir como aquele que se desintoxicou da heroína há vinte anos.
São pesares diferentes do mesmo pesar – são registos diversos das mesmas (tristes) formas de vida.
Em todos os casos, no entanto, é algo comum: a ideia de não ceder.
Resistir é ser capaz de não ceder – e num tempo em que tudo se negoceia e o diálogo é palavra de ordem, resistir pode ser, a um tempo, um sinal de atraso ou uma luz que ficou felizmente acesa do século passado.
Se há tempo em que resistir foi palavra de ordem, o século XX parece poder constituir manual de instruções, do princípio ao fim. Ou melhor dito: do princípio ao meio.
Quando o século terminou, ainda não sabíamos que havia mais resistências a testar para lá das que abalaram os cem anos passados.
Talvez por isso, o fim desse princípio que vem de 1900 esteja agora nas mãos de todos nós. Fechar o ciclo das resistências para poder abrir o ciclo das novas aberturas.
Da tolerância mil.
Não é preciso ser fundamentalista do optimismo – basta não ser absolutamente resistente à mudança.
Não é preciso abraçar vegetais e dar as mãos – basta não ser intransigente sobre o optimismo. Não é preciso viajar na maionese da tolice – basta admitir que a resistência, por si só, não é nada. Ou é apenas energia – mas não tem fundamento próprio, não é ideologia nem fé, não é corrente de opinião nem teoria provada.
A resistência é o que faz sentido quando nos impõem um modo de vida, uma escola, um modo de estar.
A resistência é tudo quando nada se tem.
A resistência é o valor superior de quem não tem liberdade.
No nosso mundo, a resistência é apenas um direito.
Quando sentimos que é dever, o nosso mundo está errado.
Temos então de contribuir para o mudar.
Porque a necessidade de resistir, em si, é um sinal vermelho do regime que escolhemos.
Lá está: em cada tempo, um significado diverso para as mesmas palavras.

Pedro Rolo Duarte in revista do i ( Resistentes)

11 comentários:

  1. Mudam-se os tempos, mudam-se as palavras, sicnificante e significado passam a ter diferentes "sintonias"...

    Fernando Nobre, o "Homem" da AMI, que muito prezo e admiro, ecreveu recentemente, a propósito dos desafios que se colocam à alteração das mentalidades, no sentido de se atingir uma sociedade civil mundial solidária:

    "...Sem uma mudança radical do paradigma sobre o qual se alicerçou a sociedade humana vigente, há décadas ou mesmo há séculos, não há saída sustentável para a actual crise sistémica..."

    Entretanto, o dia nasce e o vermelho explode no horizonte!

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  2. Outra Resistência aqui.


    Quem cantava era o guitarrista dos Delfins (Fernando Cunha), com o Miguel Ângelo, o Olavo Bilac e o Pedro Ayres, e creio que também o Tim no apoio vocal...

    A música original é dos Rádio Macau, portanto Xana, Flak e Alex...


    (sorry for the name dropping...)
    ----------------------------------------------

    C., vermelho a explodir no horizonte é um conceito que me agrada, mas nos tempos que correm, se calhar somos só tu e eu...

    :-))





    :-)

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  3. até pode ser que eu não resista e me vire para voltar de vez em quando.

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  4. maria alice. suspense só nos filmes do velho hitch.porque é que vai trabalhar com o rosa? signifique isso o que quer que seja. porque é que tal facto a vai impedir de visitar o "galo"? o que é que tem que fazer para se virar? e já chega de perguntas. agora venham as respostas...

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  5. maria alice por favor não nos diga que vai ser assessora da bancada paralamentar do PS...

    :-)

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  6. A pior resistência é a contra a mudança. Porque já dizia um dos famosos gregos: "nada é permanente excepto a mudança".

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  7. Q., agora há uns gajús com opiniões diversas do que se pensava no meu tempo, que continua a ser o teu...

    Ora olha aqui.

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  8. Alvega...
    Excelente RESISTÊNCIA esta, dada por ti!
    Obrigada, por me relembrares esta gloriosa fase da música feita em Portugal!
    E... tão novos que éramos todos!!!

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  9. Pois éramos C., e infelixmente isso não volta, nem com plásticas, nem com nada.

    :-((

    A partir daí, o melhor é aprender a viver com o raio da idade que se tem, verdade ?

    And make the best of it.

    :-)

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