quarta-feira, 28 de outubro de 2009

TAXI - O Exorcista

“- Estas mãos foram uma dádiva divina”.
E, dizendo isto, o motorista abriu os braços em cruz.
Eu, no banco de trás, despertei para a realidade, sem saber bem o que responder.
“- Com elas eu posso fazer tudo” continuou o homem, olhando-me pelo retrovisor.
Perante a minha expressão de pasmo e temor, por aquela condução sem mãos, o rosto do condutor abriu-se num sorriso.
“- Não está a perceber nada, pois não? E gostava de perceber…”
Ao ver-me mais descansado, em virtude das tais “dádivas” terem voltado ao volante, prosseguiu, lançando-me frequentes olhares, por cima do ombro:
“- Pergunte-me há quantos anos é que não tenho um fim-de-semana livre” e perante o meu mutismo”…há muitos!!!”.
Como me apercebi de que não me iria ver livre da narrativa, assim tão depressa, recostei-me no assento e afivelei um sorriso de circunstância.
“- Todas as semanas, sou chamado para ir para o Norte ou para o Alentejo. Já fui a Miranda e a Barrancos…”.
Mais um torção de pescoço. Um olhar faíscante.
“- Chamam-me para curar o gado. Vacas leiteiras, touros cobridores…”.
Tendo-me conseguido, finalmente, chamar a atenção, continuou:
“- Bezerros atravessados, machos “desmotivados”, eu chego e zás…”
A lentidão, provocada pela longa fila de carros que subia a Calçada do Carriche, permitiu-lhe concentrar-se, ainda mais, na história.
“- Eu chego, arregaço as mangas, coloco as mãos no animal, concentro-me e…”.
Por essa altura, já era eu que me inclinava para a frente, para não perder pitada.
“…é tiro e queda. Nasce o bezerro, salva-se a vaca, o touro volta a ser um garanhão”.
E, quando eu pensava que a história tinha terminado”…e é o mesmo com carros !”.
O taxista sorriu-me, impante pelo seu segundo momento de glória.
“- Os meus colegas, e não só, chamam - me, de todo o lado…”e sem me deixar esboçar um gesto”…chego, coloco as mãos no capot e os motores avariados começam logo a trabalhar”.
“…os carros atolados deslocam-se para fora do lamaçal”.
“…os, sem combustível, andam mais uns quilómetros, até à bomba mais próxima…”.
Entretanto, chegáramos ao destino.
Disfarcei um sorriso e paguei a corrida.
O motorista quis entregar-me um cartão” – Nunca se sabe!” concluiu.

Quando o táxi se afastou, olhei o que tinha nas mãos.
“ Simão Lopes
Taxista e Exorcista de gado e viaturas várias.
Orçamentos grátis. Deslocações para todo o País”.


5 comentários:

  1. Andei muito poucas vezes de taxi e quase sempre por más razões, mas se soubesse que eram um manancial tão bom para histórias teria tentado utilizar esse meio de transporte mais vezes...

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  2. Os táxis são um "cardápio" inesgotável de ingredientes para crónicas, romances policiais, de amor...de toda a literatura.
    Resta saber contar, tão bem como o Travis Bickle!
    É pena uma corrida ser tão cara, não é, MTH?
    Parabéns Travis e continue a transportar-nos nas suas viagens!

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  3. Este Simão é o irmão gabarola daquele personagem do Robert Redford que encanta cavalos no Montana...

    :-)

    Nice one Travis B. !

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  4. Travis...
    Que pena não me teres dado esse cartão, quando tive o último Mini... 8 horas para chegar ao Algarve!!!

    Belíssima narrativa!

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