sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Um Camarada Brasileiro - Nilto Maciel

Gilberto da Silva não chegou a realizar o grande sonho de sua vida: um filme.
Foi mais longe, porém, que todos os seus conterrâneos.
Filho de um fotógrafo ambulante, alcunhado Chico Lambe-Lambe, desde menino Gilberto sonhou exceder seu diligente pai.
Um dia seria cineasta, amigo de John Ford, Fritz Lang, Orson Welles.
Via todos os filmes, lia tudo sobre cinema, apaixonava-se pelas mais belas estrelas de Hollywood.
Consumia-se na solidão, entregue àquele prazer feito de ilusão e arte.
Buscou o lado requintado da tela e descobriu Serguei Eisenstein, num cineclube.
E conheceu interessantes cineclubistas.
Tempos depois filiou-se ao Partido Comunista.
Em casa houve pânico. A mãe quis amaldiçoá-lo.
O pai, ódio a espumar na boca, chutou a velha máquina ambulante.
Não mais a usava, porém.
Instalara-se há pouco numa sala, à frente da qual mandara pintar: STÚDIO FOTOGRÁFICO SÃO FRANCISCO.
O pior ainda viria: sem qualquer aviso, Gilberto desapareceu.
No terceiro dia seus pais pereciam loucos.
Com certeza o “menino” morrera. A polícia o matara.
Por que fora se meter com os comunistas?!
Na verdade, o rapaz embarcara clandestinamente para a Europa.
E chegou a Moscou num dia de muita neve.
Tomou vodca, visitou museus e conheceu dezenas de camaradas.
Entre eles Vsevolod Pudovkin. Só de longe, é claro.
O cineasta não dispunha de um só minuto para conversas.
Filmava “A colheita”.
Gilberto queria aprender com Pudovkin a filmar o passado brasileiro, especialmente os tenentes de 30.
Ambicionava realizar um épico, como o “Encouraçado Potenkin”.
Os camaradas soviéticos conseguiram marcar uma audiência do aprendiz brasileiro com o mestre russo.
Mas Vsevolod faleceu exatamente no dia marcado para o encontro.
Desapontado, Gilberto viajou a Riga, para, pelo menos, assistir aos funerais.
E ainda tirou fotografias do evento.
Apesar disso, o filho de Chico Lambe-Lambe viu dezenas e dezenas de filmes, estudou cinema, conheceu outros cineastas.
E voltou ao Brasil pronto a realizar seu grande sonho.
Ao desembarcar, soube do suicídio de Getúlio.
Nervoso, saiu às ruas para registrar a História.
E carregou uma das máquinas de seu pai.
Daquele dia em diante se decidiu a fotografar mortos e enterros.
Gilberto da Silva deixou alguns álbuns, onde aparecem mendigos mortos nas calçadas, marginais fuzilados em favelas, personalidades descendo às covas...
De si mesmo quase nada ficou.
Há, no entanto, num museu de Riga, uma fotografia desbotada em que aparece a cinco ou seis metros de Vsevolod Pudovkin.
No verso dela Gilberto da Silva á chamado de “um camarada brasileiro”.

Nilto Maciel
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2 comentários:

  1. Sem comentários de nenhum(a) camarada?

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  2. Ganda conto Nilto Maciel !!!

    Adoro toda essa gente de quem falaste, e mais alguns, mas hoje está a apetecer conter-me.
    Daquele de que falas mais vezes, vi 'n coisas' numa cinemateca qualquer(não vou identificá-la...) antes de 1974, com a maralha (quase) toda.

    Uma curte, tínhamos todos 18-19 anos...
    :-)

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