quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A Verdade - Luís Fernando Veríssimo

Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho deixando a água do riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu seu anel de diamante ser levado pelas águas. Temendo o castigo do pai, a donzela contou em casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margaridas.
O pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante. E a donzela disse:
- Agora me lembro, não era um homem, eram dois.
E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse:
- Então está com o terceiro!
Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante.
E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque.
Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue.
E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para espanto dela.
- Foi ele que assaltou a donzela, e arrrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida - gritaram os aldeões. - Matem-no!
- Esperem!
- gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço. - Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu!
E apontou para a donzela, diante do escândalo de todos.
O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e pedira e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor.
Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias.
Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo "Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor".
E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra.
Todos se viraram contra a donzela e gritaram: "Rameira! Impura! Diaba!" e exigiram seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
Antes de morrer, a donzela disse para o pescador:
- A sua mentira era maior que a minha.
Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua.
Onde está, afinal, a verdade?
O pescador deu de ombros e disse:
- A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe.
Mas quem acreditaria nisso?
O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.

Luís Fernando Veríssimo

6 comentários:

  1. Ei, a galera vai delirar, ótimo conto, valews !
    :-)

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  2. Parábola muito actual.
    Hã...? Alguém disse "escutas"?
    A minha é maior que a tua!

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  3. Basta ver os telejornais, ler as revistas, e não só as cor de rosa, e os jornais, para ver que este conto está cheio de razão.

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  4. O ex-presidente Fernando Henriques Cardoso, farto das sátiras do Luís Fernando Veríssimo a seu respeito, afirmou aos jornalistas que preferia o pai ( o escritor Érico Veríssimo).

    Eu sou fã de carteirinha ( como dizem no Brasil) do filho.

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  5. Tenho dois livros dele - Sexo na Cabeça e As Mentiras que os Homens contam - que quando estou mais em baixo me animam mais que uma caixa de Prosac.

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  6. PG, estou-me nas tintas para o o PSDB, mas sou fã -- de há muitos anos, de quando ele ainda estava exilado no Chile... -- do FHC, um man com classe, e enorme classe, e não é o único, ter assunto no Brasil não é pêra-doce... e é transversal. tal como a idiotice.

    Por exemplo, sempre gostei do Pedro Simon (senador, RS), sempre gostei do filho dos Materazzos (senador, SP), e sempre odiei a mulher dele... (ex-prefeita de SP)

    Não há nada como realmente...


    :-)

    Disse, 'tá dito.
    :-)

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