quarta-feira, 31 de março de 2010

LX - A Bela e a Monstro

Gostava de ter tido uma camera de filmar para gravar para a posteridade as diversas expressões que o rosto da minha 'vizinha' adoptou nos segundos seguinte à minha pergunta.
Surpresa, receio, desânimo...alívio.

Foi já em tom de alívio, pondo de lado o falar sussurrado que era apanágio da 'Laura Palma' que Cristina 'Foxy Lady', pois era dela que na realidade se tratava, me convidou a entrar.
" Entre Nuno, esta não é uma conversa para termos aqui na escada..."

Penetrei, pela primeira vez, no santuário da mulher com quem partilhara a vizinhança durante meses mas que, afinal, desconhecia por completo.
Desde o hall de entrada que me apercebi que tudo não passava de um cenário habilmente montado.
Na exígua divisão, que facilmente se poderia vislumbrar do patamar, as peças tinham sido escolhidas para transmitir a imagem de uma solteirona sem grande gosto - um espelho com moldura dourada, uma cadeira com uma almofada de crochet, um dálmata em louça...um verdadeiro horror.
Já mais para o interior da casa, que não estava prevista para receber visitas, tudo se transformava.
A sala era simples, com poucos móveis comprados num qualquer IKEA da vida, nada de fotos ou objectos pessoais...
Uma casa para ser abandonada em poucos minutos, sem deixar quaisquer pistas atrás.
Quem seria aquela mulher com quem calcorreara quilómetros e emoções, durante a maior parte da semana que passara?

Depois de me indicar um sofá e ter perguntado se queria um café ou um sumo, que recusei polidamente, a camuflada 'Foxy Lady' pediu-me desculpa e ausentou-se, por alguns minutos, para ir 'retocar a maquillage', não sem antes me dizer " Não percebo como é que terá descoberto, mas sendo assim não vale a pena prolongarmos mais tempo esta palhaçada."

Aproveitei para dar uma vista de olhos à sala na mira de descobrir elementos que me ajudassem a perceber quem era na realidade a Cristina, leia-se 'Foxy Lady', leia-se 'Laura Palma'...
Nenhum papel ou dossier deixados em cima de uma cadeira, nem uma só fotografia como me apercebera aquando da entrada na sala, nada de quadros ou livros, um asseptismo total...

Estava eu nestas elocubrações e já a 'verdadeira' ( seria?) Cristina estava de volta - pintada, bem penteada, vestida de preto e com os seus eternos acessórios de cabedal.
Sorri quando me chegou às narinas o suave aroma a canela...

Apercebendo-se da minha expressão, a 'Foxy' tentando recuperar a habitual segurança, um pouco abalada pelo meu aparecimento, indagou com um toque agressivo na voz" Posso saber qual é a graça?"
Não gostei da abordagem. Tinha eu passado as últimas horas preocupado com o que se teria passado com a 'Foxy Lady' que afinal me tinha andado a enganar nos últimos meses, e esta, ao ser desmascarada, partia para o ataque?!?

Foi gélida a voz que utilizei na minha resposta " A graça é que apesar de toda a sua técnica de mistificação e atitudes dissimuladas em que é perita, foi descoberta por um pormenor insignificante...o cheiro a canela!"

O ar atónito que invadiu o rosto da minha 'vizinha' mostrava bem que ela ainda não tinha pensado nessa hipótese.
Resolvi aproveitar a minha momentânea posição de superioridade para prosseguir " E já agora quem é que matou o Ti Jaquim ? Pode-se saber ?"

Não estava era à espera que a resposta surgisse de uma voz cava, às minhas costas.
" Fui eu, e desde já lhe digo que não foi o primeiro ...e, muito provavelmente, não será o último ".

2 comentários:

  1. Uff!!! afinal não foi preciso inventar o "ménage a trois". É o chamado 2 em 1.

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  2. Ora aqui têm o homem da voz cava e uma foxy lady a cantarem uma canção de morte 'matada' .

    (O CD chama-se precisamente "Murder Ballads"...)

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