quinta-feira, 18 de março de 2010

Vidal Gorbachev Sassoon - Ricardo Araújo Pereira

Hoje, atacamos os pêlos com as mesmas armas
que, há 20 anos, apontávamos aos russos.
Raios laser. Lâminas. Químicos

Anos depois do fim da guerra fria, o Ocidente enfrenta novo e diabólico inimigo.
É numeroso, ataca em grupos e ameaça o nosso estilo de vida com uma intensidade de que o bloco soviético nunca foi capaz. Esse vil adversário é: os pêlos.

Pronto, lá vem este com as suas gracinhas, pensa o leitor.
Adquire uma pessoa uma revista de grande informação para se pôr a par do que verdadeiramente interessa e, quando dá por si, está a ler um artigo sobre pêlos.
É neste momento que o leitor contabiliza o tempo e esforço que, ao longo da sua vida, dedicou aos pêlos, por um lado, e ao Pacto de Varsóvia, por outro, e se verga perante o meu raciocínio. Peço, no entanto, ao leitor que não se vergue.
Registo com muito agrado a penitência mas proponho que avancemos, na medida em que o assunto é complexo.
Além disso, assim vergado consigo ver-lhe os pêlos das costas através da abertura do colarinho.

É curioso começar por notar que, hoje, atacamos os pêlos com as mesmas armas que, há 20 anos, apontávamos aos russos.
Raios laser. Lâminas. Químicos. Cera...
Bom, talvez não tenhamos atacado os russos com cera.
Mas a sanha com que aplicamos laser, lâminas e químicos aos pêlos não tem paralelo nos tempos da guerra fria.
Os raios laser cada vez estão mais eficazes, os aparelhos de barbear têm cada vez mais lâminas, os químicos capilares são cada vez mais caros.
Não admira: à maioria dos ocidentais, os pêlos causam mais transtorno do que o Brejnev.

Os pêlos são cruéis. Os pêlos são contumazes.
Os pêlos são retorcidos ­ quer na forma quer no carácter.
Crescem onde não devem e deixam de crescer onde deveriam.
Há que descolorá-los onde são pretos e colori-los onde passam a nascer brancos.
Nem as sobrancelhas têm o desenho certo nem as pestanas o comprimento adequado.

Cuidar dos pêlos sai-nos do pêlo.
É preciso amaciá-los ou fortalecê-los, pintá-los ou descolorá-los, arrancá-los ou implantá-los, esticá-los ou encaracolá-los, apará-los caso sejam muito longos, fazer-lhes extensões caso sejam muito curtos.
Às vezes, tudo ao mesmo tempo, mas em zonas diferentes do corpo.
É muito raro um pêlo nascer onde é desejado e crescer como é devido.
Quando isso acontece, quase nunca se mantém da cor correcta ou no feitio apropriado.
Há muitas pessoas que são contra o uso do pêlo de animais.
Mas não tantas quantas são contra o uso do seu próprio pêlo.

Os pêlos batem, na inconveniência, o pão e as batatas fritas.
O pão, que é bom fofo, passado pouco tempo fica rijo; as batatas fritas, que são boas estaladiças, passado pouco tempo ficam moles.

O pêlo, mesmo quando é sedoso, liso, bonito e cor de asa de corvo, pode ser indesejado.
Por exemplo, quando cresce numa orelha.
O mundo não precisa de um estadista carismático, de um economista brilhante, de um líder espiritual.
Precisa de um cabeleireiro que saiba fazer a Perestroika.

Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno ( Visão)

Um comentário:

  1. Desta vez não lhe achei graça.
    Deve ter um razoável complexo peludo, ou por excesso dos ditos ou por total ausencia dos quais...

    ResponderExcluir