A Atlantis diz que é um objecto comemorativo da visita do Papa!
Se arranjarem uma versão com pilhas e luzinhas vai ser um sucesso!!!!
Enviado pela Quimera
sexta-feira, 30 de abril de 2010
A Capa do Dia
Meio milhão de portugueses tem 5 ou mais doenças crónicas, e ainda se queixam de que têm pouco...
Federer: um milhão para vir ao Estoril, ora aqui está um que não se queixa...
Bancos vão esmiuçar a vida de quem quiser comprar casa, queixinhas...
Papa vai sobrevoar e abençoar as vinhas do Douro, eu não me estou a queixar...mas a seguir serão as plantações de coca da Colômbia?
Federer: um milhão para vir ao Estoril, ora aqui está um que não se queixa...
Bancos vão esmiuçar a vida de quem quiser comprar casa, queixinhas...
Papa vai sobrevoar e abençoar as vinhas do Douro, eu não me estou a queixar...mas a seguir serão as plantações de coca da Colômbia?
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Subsídios para a perplexidade - Fernanda Câncio
Não sendo economista nem tendo especial queda para os números, tenho pejo em falar de questões com eles relacionados. Mas, precisamente por isso, gosto que quem fala fundamente o que propõe ou decide. Assim, quando vejo o primeiro-ministro e o líder do principal partido da oposição, depois de reunidos para discutir a situação difícil do País e, presumo, formas de dela sair, perfilarem-se para anunciar a aplicação imediata do PEC mencionando com especial ênfase a alteração das regras do subsídio de desemprego, espero que me digam, de imediato, em que é que isso diminui o défice ou contribui para alterar a situação da dívida externa.
Espero ainda - ou melhor, exijo - que me façam perceber por que raio, no universo das medidas do PEC, o destaque na reacção de Portugal à avaliação desfavorável de uma empresa de rating consiste no anúncio da diminuição dos montantes do subsídio de desemprego - alegando que com isso se pretende certificar que ninguém ganhe mais com o subsídio que o que ganhava com o salário - e da obrigatoriedade imposta aos seus beneficiários de que aceitem empregos com salário 10% superior ao valor de subsídio auferido. E exijo-o tanto mais quanto as regras existentes desde 2006 para atribuição e manutenção do subsídio de desemprego não só estabelecem como montante máximo para o mesmo três salários mínimos, pagos 12 meses/ano - ou seja, qualquer que tenha sido o valor do salário auferido e das decorrentes prestações para a Segurança Social, o desempregado só pode receber até cerca de 1500 euros/mês -, como já é interdito existir um subsídio de desemprego superior ao valor líquido da remuneração de referência (número 3 do 29.º artigo da lei 220/2006). Aliás, o subsídio de desemprego é sempre 65% da remuneração de referência, calculada a partir do total de remunerações registadas no ano que antecede o desemprego. E os beneficiários do subsídio são já obrigados a, além de fazerem prova documental de "procurar activamente trabalho" e de se apresentarem quinzenalmente no centro de emprego (qualquer incumprimento tem de ser justificado com um mês de antecedência), aceitar um emprego que lhes garanta um salário ilíquido 25% superior ao subsídio de desemprego (se a oferta ocorrer durante os primeiros seis meses da prestação do subsídio) ou 10% (a partir do sétimo mês). São até, pasme-se, obrigados a aceitar "trabalho socialmente necessário".
Temos pois, parece, uma lei já suficientemente draconiana - tanto que é difícil distinguir o proposto do que está em vigor. De modo que, e volto a perguntar, que foi mesmo este anúncio e serviu para quê?
Fernanda Câncio in Diário de Notícias
Espero ainda - ou melhor, exijo - que me façam perceber por que raio, no universo das medidas do PEC, o destaque na reacção de Portugal à avaliação desfavorável de uma empresa de rating consiste no anúncio da diminuição dos montantes do subsídio de desemprego - alegando que com isso se pretende certificar que ninguém ganhe mais com o subsídio que o que ganhava com o salário - e da obrigatoriedade imposta aos seus beneficiários de que aceitem empregos com salário 10% superior ao valor de subsídio auferido. E exijo-o tanto mais quanto as regras existentes desde 2006 para atribuição e manutenção do subsídio de desemprego não só estabelecem como montante máximo para o mesmo três salários mínimos, pagos 12 meses/ano - ou seja, qualquer que tenha sido o valor do salário auferido e das decorrentes prestações para a Segurança Social, o desempregado só pode receber até cerca de 1500 euros/mês -, como já é interdito existir um subsídio de desemprego superior ao valor líquido da remuneração de referência (número 3 do 29.º artigo da lei 220/2006). Aliás, o subsídio de desemprego é sempre 65% da remuneração de referência, calculada a partir do total de remunerações registadas no ano que antecede o desemprego. E os beneficiários do subsídio são já obrigados a, além de fazerem prova documental de "procurar activamente trabalho" e de se apresentarem quinzenalmente no centro de emprego (qualquer incumprimento tem de ser justificado com um mês de antecedência), aceitar um emprego que lhes garanta um salário ilíquido 25% superior ao subsídio de desemprego (se a oferta ocorrer durante os primeiros seis meses da prestação do subsídio) ou 10% (a partir do sétimo mês). São até, pasme-se, obrigados a aceitar "trabalho socialmente necessário".
Temos pois, parece, uma lei já suficientemente draconiana - tanto que é difícil distinguir o proposto do que está em vigor. De modo que, e volto a perguntar, que foi mesmo este anúncio e serviu para quê?
Fernanda Câncio in Diário de Notícias
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Crónicas dos Bons Malandros
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Sal&Pimenta - Tempero semanal por José Manuel de Sousa
NICOLAU
Tive a oportunidade de assistir recentemente no Casino de Lisboa, a um espectáculo onde a figura única era Nicolau Breyner.
Devo começar estas linhas por confessar que este actor não se enquadrava nas minhas simpatias, mesmo reconhecendo o seu valor nos mais variados campos da representação mas não sei porque mistério mesmo desde os tempos do Senhor Feliz e do Senhor Contente que tanto êxito alcançou, nunca me sintonizei sobretudo com o visual da sua presença.
E foi por isso que comodamente sentado numa das primeiras filas da sala do Casino, encarei a sua aparição em palco com um misto de indiferencia e resquícios de pequena antipatia.
O espectáculo começou, o monólogo foi-se desenrolando e eu fui sendo vencido pela presença forte do Nicolau, um texto leve e critico numa bem definida primeira parte com alusões à sua Família e ao ambiente politico, acabando por passar a uma segunda parte sem intervalo, onde foi relatando diversos episódios da sua carreira no Teatro e recordando grandes nomes da Cena.
Aqui, muito do contado, deu azo a sentir-me transportado para a época em que tanto gostava de ir ao Parque Mayer ver Revistas e deliciar-me com Salvador, Humberto Madeira, Solnado e tantos outros que marcaram o período áureo daquele género de Teatro.
E foi neste momento que entre muitas gargalhadas, minhas e da assistência, senti a injustiça da minha antiga posição de homem de pouca fé perante o Nicolau e as suas qualidades de actor.
Comprovadamente em Portugal são poucos os humoristas de craveira, somos um Povo melancólico estando o Fado a servir de testemunha pois até nas leves Revistas do Parque Mayer encaixava quase sempre um número musical romântico ou mesmo triste mas nos anos recentes talvez pela invasão brasileira na música , na televisão e nas ruas parece que se assiste ao esboçar de mais sorrisos pese embora a violência que impera na Sociedade e o desabar da nossa economia, esta mal servida por quem nos tem andado a enganar.
Nicolau Breyner deu-me novas esperanças no humor e não só !
José Manuel de Sousa
Tive a oportunidade de assistir recentemente no Casino de Lisboa, a um espectáculo onde a figura única era Nicolau Breyner.
Devo começar estas linhas por confessar que este actor não se enquadrava nas minhas simpatias, mesmo reconhecendo o seu valor nos mais variados campos da representação mas não sei porque mistério mesmo desde os tempos do Senhor Feliz e do Senhor Contente que tanto êxito alcançou, nunca me sintonizei sobretudo com o visual da sua presença.
E foi por isso que comodamente sentado numa das primeiras filas da sala do Casino, encarei a sua aparição em palco com um misto de indiferencia e resquícios de pequena antipatia.
O espectáculo começou, o monólogo foi-se desenrolando e eu fui sendo vencido pela presença forte do Nicolau, um texto leve e critico numa bem definida primeira parte com alusões à sua Família e ao ambiente politico, acabando por passar a uma segunda parte sem intervalo, onde foi relatando diversos episódios da sua carreira no Teatro e recordando grandes nomes da Cena.
Aqui, muito do contado, deu azo a sentir-me transportado para a época em que tanto gostava de ir ao Parque Mayer ver Revistas e deliciar-me com Salvador, Humberto Madeira, Solnado e tantos outros que marcaram o período áureo daquele género de Teatro.
E foi neste momento que entre muitas gargalhadas, minhas e da assistência, senti a injustiça da minha antiga posição de homem de pouca fé perante o Nicolau e as suas qualidades de actor.
Comprovadamente em Portugal são poucos os humoristas de craveira, somos um Povo melancólico estando o Fado a servir de testemunha pois até nas leves Revistas do Parque Mayer encaixava quase sempre um número musical romântico ou mesmo triste mas nos anos recentes talvez pela invasão brasileira na música , na televisão e nas ruas parece que se assiste ao esboçar de mais sorrisos pese embora a violência que impera na Sociedade e o desabar da nossa economia, esta mal servida por quem nos tem andado a enganar.
Nicolau Breyner deu-me novas esperanças no humor e não só !
José Manuel de Sousa
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Sal e Pimenta
Você já foi à Bahia? - Dorival Caymmi
Você já foi à Bahia, nêga? Não?
Então vá!
Quem vai ao "Bonfim", minha nêga,
Nunca mais quer voltar.
Muita sorte teve,
Muita sorte tem,
Muita sorte terá
Você já foi à Bahia, nêga? Não?
Então vá!
Lá tem vatapá
Então vá!
Lá tem caruru, Então vá!
Lá tem munguzá, Então vá!
Se quiser sambar, Então vá
Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas,
Do tempo do Imperador.
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito,
Que nenhuma terra tem!
Lá tem vatapá, Então vá!
Lá tem caruru, Então vá!
Lá tem munguzá, Então vá!
Se "quiser sambar"Então vá!
Então vá...!
Então vá!
Quem vai ao "Bonfim", minha nêga,
Nunca mais quer voltar.
Muita sorte teve,
Muita sorte tem,
Muita sorte terá
Você já foi à Bahia, nêga? Não?
Então vá!
Lá tem vatapá
Então vá!
Lá tem caruru, Então vá!
Lá tem munguzá, Então vá!
Se quiser sambar, Então vá
Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas,
Do tempo do Imperador.
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito,
Que nenhuma terra tem!
Lá tem vatapá, Então vá!
Lá tem caruru, Então vá!
Lá tem munguzá, Então vá!
Se "quiser sambar"Então vá!
Então vá...!
Nota do "Galo" - Aproveitem para ver ou rever Aqui o grande Zé Carioca !!!
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Música no Coração,
Olhares do Brasil
Este país não é para corruptos - Ricardo Araújo Pereira
Em Portugal, há que ser
especialmente talentoso para corromper.
Não é corrupto quem quer.
Portugal é um país em salmoura.
Ora aqui está um lindo decassílabo que só por distracção dos nossos poetas não integra um soneto que cante o nosso país como ele merece.
"Vós sois o sal da terra", disse Jesus dos pregadores.
Na altura de Cristo não era ainda conhecido o efeito do sal na hipertensão, e portanto foi com o sal que o Messias comparou os pregadores quando quis dizer que eles impediam a corrupção.
Se há 2 mil anos os médicos soubessem o que sabem hoje, talvez Jesus tivesse dito que os pregadores eram a arca frigorífica da terra, ou a pasteurização da terra.
Mas, por muito que hoje lamentemos que a palavra "pasteurização" não conste do Novo Testamento, a referência ao sal como obstáculo à corrupção é, para os portugueses do ano 2010, muito mais feliz.
E isto porque, como já deixei dito atrás com alguma elevação estilística, Portugal é um país em salmoura: aqui não entra a corrupção - e a verdade é que andamos todos hipertensos.
Que Portugal é um país livre de corrupção sabe toda a gente que tenha lido a notícia da absolvição de Domingos Névoa.
O tribunal deu como provado que o arguido tinha oferecido 200 mil euros para que um titular de cargo político lhe fizesse um favor, mas absolveu-o por considerar que o político não tinha os poderes necessários para responder ao pedido.
Ou seja, foi oferecido um suborno, mas a um destinatário inadequado.
E, para o tribunal, quem tenta corromper a pessoa errada não é corrupto - é só parvo.
A sentença, infelizmente, não esclarece se o raciocínio é válido para outros crimes: se, por exemplo, quem tenta assassinar a pessoa errada não é assassino, mas apenas incompetente; ou se quem tenta assaltar o banco errado não é ladrão, mas sim distraído.
Neste último caso a prática de irregularidades é extraordinariamente difícil, uma vez que mesmo quem assalta o banco certo só é ladrão se não for administrador.
O hipotético suborno de Domingos Névoa estava ferido de irregularidade, e por isso não podia aspirar a receber o nobre título de suborno.
O que se passou foi, no fundo, uma ilegalidade ilegal.
O que, surpreendentemente, é legal.
Significa isto que, em Portugal, há que ser especialmente talentoso para corromper.
Não é corrupto quem quer.
É preciso saber fazer as coisas bem feitas e seguir a tramitação apropriada.
Não é acto que se pratique à balda, caso contrário o tribunal rejeita as pretensões do candidato. "Tenha paciência", dizem os juízes. "Tente outra vez. Isto não é corrupção que se apresente."
Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno (Visão)
especialmente talentoso para corromper.
Não é corrupto quem quer.
Portugal é um país em salmoura.
Ora aqui está um lindo decassílabo que só por distracção dos nossos poetas não integra um soneto que cante o nosso país como ele merece.
"Vós sois o sal da terra", disse Jesus dos pregadores.
Na altura de Cristo não era ainda conhecido o efeito do sal na hipertensão, e portanto foi com o sal que o Messias comparou os pregadores quando quis dizer que eles impediam a corrupção.
Se há 2 mil anos os médicos soubessem o que sabem hoje, talvez Jesus tivesse dito que os pregadores eram a arca frigorífica da terra, ou a pasteurização da terra.
Mas, por muito que hoje lamentemos que a palavra "pasteurização" não conste do Novo Testamento, a referência ao sal como obstáculo à corrupção é, para os portugueses do ano 2010, muito mais feliz.
E isto porque, como já deixei dito atrás com alguma elevação estilística, Portugal é um país em salmoura: aqui não entra a corrupção - e a verdade é que andamos todos hipertensos.
Que Portugal é um país livre de corrupção sabe toda a gente que tenha lido a notícia da absolvição de Domingos Névoa.
O tribunal deu como provado que o arguido tinha oferecido 200 mil euros para que um titular de cargo político lhe fizesse um favor, mas absolveu-o por considerar que o político não tinha os poderes necessários para responder ao pedido.
Ou seja, foi oferecido um suborno, mas a um destinatário inadequado.
E, para o tribunal, quem tenta corromper a pessoa errada não é corrupto - é só parvo.
A sentença, infelizmente, não esclarece se o raciocínio é válido para outros crimes: se, por exemplo, quem tenta assassinar a pessoa errada não é assassino, mas apenas incompetente; ou se quem tenta assaltar o banco errado não é ladrão, mas sim distraído.
Neste último caso a prática de irregularidades é extraordinariamente difícil, uma vez que mesmo quem assalta o banco certo só é ladrão se não for administrador.
O hipotético suborno de Domingos Névoa estava ferido de irregularidade, e por isso não podia aspirar a receber o nobre título de suborno.
O que se passou foi, no fundo, uma ilegalidade ilegal.
O que, surpreendentemente, é legal.
Significa isto que, em Portugal, há que ser especialmente talentoso para corromper.
Não é corrupto quem quer.
É preciso saber fazer as coisas bem feitas e seguir a tramitação apropriada.
Não é acto que se pratique à balda, caso contrário o tribunal rejeita as pretensões do candidato. "Tenha paciência", dizem os juízes. "Tente outra vez. Isto não é corrupção que se apresente."
Ricardo Araújo Pereira in Boca do Inferno (Visão)
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Crónicas dos Bons Malandros
A Capa do Dia
PSD recusa bloco central e teme entrada do FMI, então será melhor meter trancas nas portas...
Papa vai falar sobre a crise na visita a Portugal, what else?
Moniz revela que Santana quis Sousa Tavares fora da TVI, depois de ver vários Sinais de Fogo até o percebo...
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quarta-feira, 28 de abril de 2010
Amar - Carlos Drummond de Andrade
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Carlos Drummond de Andrade
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
Carlos Drummond de Andrade
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O Poeta é um Fingidor
Portugal - A História e o 25 de Abril - Fernando Pinto
Não valerá a pena contar toda a história de Portugal, de triunfos e fracassos, de venturas e desventuras, de vitórias e derrotas.
São quase 900 anos de eventos, uns bons e outros maus, se nos quisermos cingir só ao tempo que nos separa do nascimento da nacionalidade.
A verdade é que se Portugal então nasceu é porque já alguma diferenciação germinava, alguma coisa nos distinguia dos outros povos peninsulares.
Fomos assim, paulatinamente e com o feliz naco de Mundo que nos calhou em sorte, construindo uma entidade forjada em etnias e cumplicidades várias, construindo qualidades e defeitos muito nossos, muito enraizados nesta estranha maneira de ser à beira-mar, à beira-Mediterrâneo-já-Atlântico plantados.
E nesta duplicidade de sermos o norte do Sul e o sul do Norte temos vivido.
Cedo, muito cedo mesmo, batemos o pé ao “rei dos Reis” que era então o papa, reivindicando para o Portugal nascente e para o primeiro rei que escolhemos, nascido Afonso filho de Henrique, o seu reconhecimento.
E também o reconhecimento do primeiro bispo, o célebre bispo negro que seria, aparentemente, um mouro converso do Algarve de aquém-mar.
Depois, quando por iniciativa própria nos lançámos em frágeis cascas de noz feitas de dionisinos pinheiros que fixavam as areias de Leiria, voltámos a impor a nossa vontade, na divisão do Mundo em duas metades.
A linha divisória foi por nós definida em acordo directo com o nascente Reino de Espanha, mesmo contra a vontade do castelhano papa Alexandre VI.
Ele terá tido a percepção de que, a partir desse momento, o poder de decidir quais e de quem eram as terras deste mundo lhe fugia definitivamente das mãos.
Aproveitou-nos durante quase um século.
Em 1580, e depois de mais de cem anos de tentativas de unidade ibérica sob a coroa portuguesa, D. Sebastião, o imberbe e impulsivo rei-menino, não gera descendência e tudo deita a perder nas areias do Algarve de além-mar, em Alcácer-Quibir.
Perdeu-se o rei sem que nenhum nevoeiro no-lo trouxesse de volta, mas mais, perdeu-se o reino e a independência.
A tecitura de laços para que as coroas ibéricas nos caíssem no regaço tinham urdido uma realidade contrária, e era em Madrid que então se encontrava o herdeiro dos dois impérios dos novos mundos do Mundo.
E por lá ficaram, durante 60 anos, as rédeas conjuntas dos dois impérios então filipinos.
Não sei se por bem, mas porque grandes naus geram grandes tormentos, em 1640 a independência caiu-nos no colo quase sozinha.
Bastou um simples abanão num tal Miguel de Vasconcelos para defenestrar o poder espanhol. Por muito que se diga, tal só prova que a identidade portuguesa tinha forjado, mais do que uma autonomia de que se podia prescindir, um país e um povo com querer próprio.
E o império português lá seguiu viagem!
Pouco mais de cem anos depois, o maior sismo de que há memória na Europa sacode Lisboa, o Algarve, Portugal.
Enterrados os mortos, os portugueses começam a fazer renascer das cinzas uma pujante Lisboa pombalina que impõem ao Mundo como a grande metrópole moderna, vontade insofismável de um povo que se quer triunfador.
Seria sol de pouca dura, pois a Inquisição logo afugentou quem não era cristão e com eles o dinheiro e o comércio do ouro, dos diamantes e das especiarias.
Ainda hoje, para ver esses antigos judeus portugueses, basta ir à velha Flandres e lá estão eles, com o resplandecente comércio de sempre.
É portanto um país pio, católico, apostólico e romano mas mais pobre, que cerca de meio século depois, volta a tremer, agora sob a ameaça de uma nova vaga francesa inspirada na jovem independência americana.
Prometia repúblicas, liberdades e direitos iguais para todos. “Liberté, Égalité, Fraternité”, clamava-se então na Comuna, agitando reis, clero e nobres de toda a Europa.
A onda rebelde tudo contagiava numa Revolução Francesa que se originava na nascente burguesia mas que alastrava aos sans-cullotes, aos pés-descalços dessa Europa faminta e sem direitos.
É no remoinho dessa agitação que, interpretando-se a si próprio melhor que à Revolução, Napoleão toma o poder, toma a França e decide tomar a Europa.
Explorando a confusão entre revolução popular e ditadura populista de um revolucionário, avança contra reis e regentes em todas as direcções.
Foi quando olhou para Poente que o rei de Portugal, com o tempo que lhe dava a distância de Paris, decidiu deslocalizar-se para uma parcela mais segura do império.
E o Rio de Janeiro passou a ser a capital deste Reino de Portugal de áfricas, índias e brasis, com um pezinho na Europa.
Quinze anos volvidos lá chega o rei de torna viagem, deixando um império chamado Brasil nas margens do Ipiranga.
E a vida correria, ora remansosa ora agitada, ora progressiva ora conservadora, durante todo o resto do século, já sem escravos mas com um diligente e pouco cultivado povo a trabalhar com afinco.
Viram-se chegar os comboios e as estradas e partir grandes fatias do império: a Índia reduziu-se a Goa, de África ficou Angola e Moçambique sem mapas de qualquer outra cor e no Pacífico resistiu Timor.
Portugal redimensionava-se, enquanto monarquia constitucional, à força que julgava ter.
Afinal, a Comuna de Paris e a "Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão" não tinham sido completamente em vão e pelo parlamento passavam monárquicos, republicanos, socialistas e liberais, numa policromia intelectual que ilustrava o pensamento que se construía mas que não chegava à rua.
Na rua, era o Portugal da Severa e do Conde de Vimioso, da boémia e da pobreza, das emigrações em massa para os brasis e dos aristocráticos Vencidos da Vida.
Tudo denunciava a já clara obsolescência do regime monárquico que veio a desembocar na proclamação da República, faz agora cem anos.
Tal como os seus mentores, a República nasceu burguesa e assim se manteve, enredando-se nas polémicas caseiras dos seus dirigentes e definhando pela indefinição de um claro campo social. Foi dessa fraqueza confusa que emergiu, qual mítico e sebastiânico salvador, um professor de Coimbra, inquisidor demoníaco e lúgubre ditador que fez do nosso país a cadeia e a cadeira onde por quase meio século se sentou até partir.
Sem deixar o mais leve vestígio de saudade.
E tudo recomeçou numa radiosa madrugada de Abril, porque tudo acontece de madrugada. Saídos da guerra fratricida nas colónias para a urgência da luta fraterna nos novos países, os militares redimiram uma peleja velha de séculos e devolveram os novos mundos ao Mundo. Com eles, povo em armas deste país, se acertaram as contas com a história e se fez de cravos uma revolução que ficou nos anais da história do Mundo!
Mais uma vez o Mundo era o nosso palco.
Mas a generosidade não conseguiu contrariar a castração que a caricata ditadura nos tinha incutido e onde tudo era decidido por um só homem e por pequenos poderes.
Não se extirpou essa gangrena e hoje aos pequenos poderes somam-se os grandes rancores e as incompetentes invejas.
Por acomodação ninguém é capaz de ser responsável e a culpa morre solteira. E virgem.
O que se diz e o que parece é mais importante que o que se faz.
Já se espera um Sebastião que a tudo e todos haveria de salvar, esquecendo que só nós nos podemos salvar.
É em nós, só em nós que reside a esperança.
É em nós, só em nós que reside o futuro.
Nós somos o nosso próprio 25 de Abril, ciclicamente renovado.
Assim o prova a nossa História.
Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!
Fernando Pinto
São quase 900 anos de eventos, uns bons e outros maus, se nos quisermos cingir só ao tempo que nos separa do nascimento da nacionalidade.
A verdade é que se Portugal então nasceu é porque já alguma diferenciação germinava, alguma coisa nos distinguia dos outros povos peninsulares.
Fomos assim, paulatinamente e com o feliz naco de Mundo que nos calhou em sorte, construindo uma entidade forjada em etnias e cumplicidades várias, construindo qualidades e defeitos muito nossos, muito enraizados nesta estranha maneira de ser à beira-mar, à beira-Mediterrâneo-já-Atlântico plantados.
E nesta duplicidade de sermos o norte do Sul e o sul do Norte temos vivido.
Cedo, muito cedo mesmo, batemos o pé ao “rei dos Reis” que era então o papa, reivindicando para o Portugal nascente e para o primeiro rei que escolhemos, nascido Afonso filho de Henrique, o seu reconhecimento.
E também o reconhecimento do primeiro bispo, o célebre bispo negro que seria, aparentemente, um mouro converso do Algarve de aquém-mar.
Depois, quando por iniciativa própria nos lançámos em frágeis cascas de noz feitas de dionisinos pinheiros que fixavam as areias de Leiria, voltámos a impor a nossa vontade, na divisão do Mundo em duas metades.
A linha divisória foi por nós definida em acordo directo com o nascente Reino de Espanha, mesmo contra a vontade do castelhano papa Alexandre VI.
Ele terá tido a percepção de que, a partir desse momento, o poder de decidir quais e de quem eram as terras deste mundo lhe fugia definitivamente das mãos.
Aproveitou-nos durante quase um século.
Em 1580, e depois de mais de cem anos de tentativas de unidade ibérica sob a coroa portuguesa, D. Sebastião, o imberbe e impulsivo rei-menino, não gera descendência e tudo deita a perder nas areias do Algarve de além-mar, em Alcácer-Quibir.
Perdeu-se o rei sem que nenhum nevoeiro no-lo trouxesse de volta, mas mais, perdeu-se o reino e a independência.
A tecitura de laços para que as coroas ibéricas nos caíssem no regaço tinham urdido uma realidade contrária, e era em Madrid que então se encontrava o herdeiro dos dois impérios dos novos mundos do Mundo.
E por lá ficaram, durante 60 anos, as rédeas conjuntas dos dois impérios então filipinos.
Não sei se por bem, mas porque grandes naus geram grandes tormentos, em 1640 a independência caiu-nos no colo quase sozinha.
Bastou um simples abanão num tal Miguel de Vasconcelos para defenestrar o poder espanhol. Por muito que se diga, tal só prova que a identidade portuguesa tinha forjado, mais do que uma autonomia de que se podia prescindir, um país e um povo com querer próprio.
E o império português lá seguiu viagem!
Pouco mais de cem anos depois, o maior sismo de que há memória na Europa sacode Lisboa, o Algarve, Portugal.
Enterrados os mortos, os portugueses começam a fazer renascer das cinzas uma pujante Lisboa pombalina que impõem ao Mundo como a grande metrópole moderna, vontade insofismável de um povo que se quer triunfador.
Seria sol de pouca dura, pois a Inquisição logo afugentou quem não era cristão e com eles o dinheiro e o comércio do ouro, dos diamantes e das especiarias.
Ainda hoje, para ver esses antigos judeus portugueses, basta ir à velha Flandres e lá estão eles, com o resplandecente comércio de sempre.
É portanto um país pio, católico, apostólico e romano mas mais pobre, que cerca de meio século depois, volta a tremer, agora sob a ameaça de uma nova vaga francesa inspirada na jovem independência americana.
Prometia repúblicas, liberdades e direitos iguais para todos. “Liberté, Égalité, Fraternité”, clamava-se então na Comuna, agitando reis, clero e nobres de toda a Europa.
A onda rebelde tudo contagiava numa Revolução Francesa que se originava na nascente burguesia mas que alastrava aos sans-cullotes, aos pés-descalços dessa Europa faminta e sem direitos.
É no remoinho dessa agitação que, interpretando-se a si próprio melhor que à Revolução, Napoleão toma o poder, toma a França e decide tomar a Europa.
Explorando a confusão entre revolução popular e ditadura populista de um revolucionário, avança contra reis e regentes em todas as direcções.
Foi quando olhou para Poente que o rei de Portugal, com o tempo que lhe dava a distância de Paris, decidiu deslocalizar-se para uma parcela mais segura do império.
E o Rio de Janeiro passou a ser a capital deste Reino de Portugal de áfricas, índias e brasis, com um pezinho na Europa.
Quinze anos volvidos lá chega o rei de torna viagem, deixando um império chamado Brasil nas margens do Ipiranga.
E a vida correria, ora remansosa ora agitada, ora progressiva ora conservadora, durante todo o resto do século, já sem escravos mas com um diligente e pouco cultivado povo a trabalhar com afinco.
Viram-se chegar os comboios e as estradas e partir grandes fatias do império: a Índia reduziu-se a Goa, de África ficou Angola e Moçambique sem mapas de qualquer outra cor e no Pacífico resistiu Timor.
Portugal redimensionava-se, enquanto monarquia constitucional, à força que julgava ter.
Afinal, a Comuna de Paris e a "Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão" não tinham sido completamente em vão e pelo parlamento passavam monárquicos, republicanos, socialistas e liberais, numa policromia intelectual que ilustrava o pensamento que se construía mas que não chegava à rua.
Na rua, era o Portugal da Severa e do Conde de Vimioso, da boémia e da pobreza, das emigrações em massa para os brasis e dos aristocráticos Vencidos da Vida.
Tudo denunciava a já clara obsolescência do regime monárquico que veio a desembocar na proclamação da República, faz agora cem anos.
Tal como os seus mentores, a República nasceu burguesa e assim se manteve, enredando-se nas polémicas caseiras dos seus dirigentes e definhando pela indefinição de um claro campo social. Foi dessa fraqueza confusa que emergiu, qual mítico e sebastiânico salvador, um professor de Coimbra, inquisidor demoníaco e lúgubre ditador que fez do nosso país a cadeia e a cadeira onde por quase meio século se sentou até partir.
Sem deixar o mais leve vestígio de saudade.
E tudo recomeçou numa radiosa madrugada de Abril, porque tudo acontece de madrugada. Saídos da guerra fratricida nas colónias para a urgência da luta fraterna nos novos países, os militares redimiram uma peleja velha de séculos e devolveram os novos mundos ao Mundo. Com eles, povo em armas deste país, se acertaram as contas com a história e se fez de cravos uma revolução que ficou nos anais da história do Mundo!
Mais uma vez o Mundo era o nosso palco.
Mas a generosidade não conseguiu contrariar a castração que a caricata ditadura nos tinha incutido e onde tudo era decidido por um só homem e por pequenos poderes.
Não se extirpou essa gangrena e hoje aos pequenos poderes somam-se os grandes rancores e as incompetentes invejas.
Por acomodação ninguém é capaz de ser responsável e a culpa morre solteira. E virgem.
O que se diz e o que parece é mais importante que o que se faz.
Já se espera um Sebastião que a tudo e todos haveria de salvar, esquecendo que só nós nos podemos salvar.
É em nós, só em nós que reside a esperança.
É em nós, só em nós que reside o futuro.
Nós somos o nosso próprio 25 de Abril, ciclicamente renovado.
Assim o prova a nossa História.
Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!
Fernando Pinto
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Crónicas ao correr da pena
A Capa do Dia
Perguntas ingénuas...
Dívida portuguesa força encontro entre Sócrates e Passos Coelho, será que o PM 'cravou' uns 'tustes' ao líder da Oposição?
Murros, ovos e bombas de fumo no Parlamento da Ucrânia, estariam já a brincar ao Carnaval?
Ingleses oferecem 20 milhões por Falcão, pelo 'nosso' Manel?
Novas dúvidas no inquérito ao caso PT/TVI, e o que é que fazemos das velhas?
Dívida portuguesa força encontro entre Sócrates e Passos Coelho, será que o PM 'cravou' uns 'tustes' ao líder da Oposição?
Murros, ovos e bombas de fumo no Parlamento da Ucrânia, estariam já a brincar ao Carnaval?
Ingleses oferecem 20 milhões por Falcão, pelo 'nosso' Manel?
Novas dúvidas no inquérito ao caso PT/TVI, e o que é que fazemos das velhas?
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Honda U3 - X
Se quer mudar de viatura porque é que não experimenta esta que a Contessa sugere?
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Novo Design
terça-feira, 27 de abril de 2010
Ténis e Frescobol - Rubem Alves
Depois de muito meditar sobre o assunto
concluí que os relacionamentos são de dois tipos:
há os do tipo 'tênis' e há os do tipo 'frescobol'.
Os relacionamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos
e terminam sempre mal.
Os do tipo frescobol são uma fonte de alegria
e têm a chance de ter vida longa.
Explico: para começar, uma afirmação de Nietzche,
com a qual concordo inteiramente.
Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento
cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa
até sua velhice?Tudo o mais no casamento é transitório,
mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas
sobre a arte de conversar.'
Scherazade sabia disso.
Sabia que os relacionamentos baseados nos prazeres da cama
são sempre decapitados pela manhã, e terminam em separação,
pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente.
Há os carinhos que se fazem com o corpo
e há os carinhos que se fazem com as palavras.
E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes,
fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo...'.
Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão,
'eu te amo' não quer dizer mais nada.
'É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra,
não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética.
Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma'.
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar.
O bom jogador é aquele que tem a exata noção
do ponto fraco do seu adversário,
e é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada
- palavra muito sugestiva - que indica o seu objetivo sádico,
que é o de cortar, interromper, derrotar.
O prazer do tênis se encontra, portanto,
justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar
porque o adversário foi colocado fora de jogo.
Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.
Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito
e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa,
no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado.
Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha.
E ninguém fica feliz quando o outro erra,
pois o que se deseja é que ninguém erre.
O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável
que não deveria ter acontecido,
pois o gostoso mesmo é jogar pra sempre...
E, o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado.
Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo
em que ninguém marca pontos...
A bola: são nossas fantasias, irrealidades,
sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis.
Ficam à espera do momento certo para a cortada.
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo,
arrebentá-lo, como bolha de sabão...
O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento.
Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo
que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho,
é coisa delicada, do coração.
O bom ouvinte é aquele que, ao falar,
abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres.
Bola vai, bola vem-cresce o amor...
Ninguém ganha, para que os dois ganhem.
E se deseja então que o outro viva sempre,
eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
concluí que os relacionamentos são de dois tipos:
há os do tipo 'tênis' e há os do tipo 'frescobol'.
Os relacionamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos
e terminam sempre mal.
Os do tipo frescobol são uma fonte de alegria
e têm a chance de ter vida longa.
Explico: para começar, uma afirmação de Nietzche,
com a qual concordo inteiramente.
Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento
cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa
até sua velhice?Tudo o mais no casamento é transitório,
mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas
sobre a arte de conversar.'
Scherazade sabia disso.
Sabia que os relacionamentos baseados nos prazeres da cama
são sempre decapitados pela manhã, e terminam em separação,
pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente.
Há os carinhos que se fazem com o corpo
e há os carinhos que se fazem com as palavras.
E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes,
fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo...'.
Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão,
'eu te amo' não quer dizer mais nada.
'É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra,
não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética.
Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma'.
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar.
O bom jogador é aquele que tem a exata noção
do ponto fraco do seu adversário,
e é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada
- palavra muito sugestiva - que indica o seu objetivo sádico,
que é o de cortar, interromper, derrotar.
O prazer do tênis se encontra, portanto,
justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar
porque o adversário foi colocado fora de jogo.
Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.
Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito
e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa,
no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado.
Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha.
E ninguém fica feliz quando o outro erra,
pois o que se deseja é que ninguém erre.
O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável
que não deveria ter acontecido,
pois o gostoso mesmo é jogar pra sempre...
E, o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado.
Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo
em que ninguém marca pontos...
A bola: são nossas fantasias, irrealidades,
sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis.
Ficam à espera do momento certo para a cortada.
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo,
arrebentá-lo, como bolha de sabão...
O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento.
Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo
que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho,
é coisa delicada, do coração.
O bom ouvinte é aquele que, ao falar,
abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres.
Bola vai, bola vem-cresce o amor...
Ninguém ganha, para que os dois ganhem.
E se deseja então que o outro viva sempre,
eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
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Olhares do Brasil
A Capa do Dia
Violador detido pela PJ aliciava mulheres na Internet, de seguida metia-lhes o mouse no outlook e depois fazia delete...
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Gente feliz...com sorrisos!
Da minha Festa de Anos o que guardo são os sorrisos dos meus Amigos.
Amigos de sempre, de décadas, recentes, Amigos tout court.
Sorrisos abertos, rasgados, tímidos...para todos os gostos.
Foi bonita a Festa, pá...
Nota do "Galo" - Fotos de Delfina Viegas ( peço aos outros 'fotógrafos' de serviço que me enviem imagens para que eu possa fazer uma reportagem mais alargada. Merci, desde já).
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Amigos do Galo
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Por favor...a sua idade...?
Dedicado a João Viegas, que durante décadas andou a ganhar fôlego
para apagar 65 velas e constatará logo à noite
que lhe basta um diminuto fôlego para apagar apenas duas.
As velas com algarismos incrustados
foram inventadas por um industrial sexagenário.
Tenho saudades do tempo em que me perguntavam a idade.
Hoje, por educação, ninguém me pergunta quantos anos já soma o extenuante cadastro da minha existência.
Em situações raras, como numa primeira consulta médica, recobro a felicidade da pergunta:
– Por favor... a sua idade...?
A falta de hábito faz-me vacilar, já errei à primeira, trocando a ordem dos algarismos. A senhora que preenchia a ficha mirou-me cheia de perplexidade, incrédula por ter diante de si um quarentão tão envelhecido.
Na realidade, a pergunta começa a desvanecer-se à medida que progredimos na adolescência. Aos vinte anos já ninguém mostra o mínimo interesse em saber a nossa idade. O verso de José Gomes Ferreira – «Recuso-me a ter mais de vinte anos» – eu o modificaria um nada-nadinha para: «Recuso-me a ter mais de dez anos.» Essa, sim, é a idade em que (ainda) detestamos que nos perguntem quantos aninhos temos. Ah, que saudades do tempo em que detestava a pergunta redobradamente detestável quando vinha mimada de aninhos e de outras denguices que tais! E como eu desejaria que a senhora que me questiona enquanto vai preenchendo a ficha, de súbito fizesse um sorriso caricioso e perguntasse:
– Por favor... quantos aninhos tem...?
Pelo contrário, das pouquíssimas vezes em que alguém coscuvilha a minha idade, a pergunta vem áspera, enodoada de rudeza:
– O senhor 'tá com que idade?
Apetece-me responder: «Depende. Hoje, por acaso, sinto-me com idade a mais e paciência a menos.»
A condição de sexagenário (mais ainda a de septuagenário) permite-nos pequenos erros, pecadilhos, simulacros menores, falsos lapsos que vão por conta da idade e merecem em geral uma beatífica indulgência. O mesmo já não acontece depois dos oitenta. Há então uma causa indubitável: a velhice néscia, insana. Um epíteto corrente resume quem está nesse limbo: “gagá”. Para evitarem tal crueldade, os octogenários lúcidos são quase sempre pessoas que refreiam as travessuras que bem desejariam fazer. Mas nós, os que estamos a meio da ponte, não devemos deixar de explorar o fugaz tempo de tolerância que nos resta. Dissimuladamente, semeemos pedrinhas na engrenagem. Sendo descobertos, confessaremos, lastimosos, que foi sem querer. Com sorte e para nossa felicidade dir-nos-ão que parecemos crianças. Será um dia ganho.
Outra pergunta detestável entre as mais detestáveis e de que tenho imensas saudades é aquela que invariavelmente sucede à da idade:
– O que queres ser quando fores grande?
Também já ninguém nos pergunta – a nós, aos velhos – o que queremos ser quando formos grandes.
É pena. Faria todo o sentido que a pergunta fosse feita aos velhos, porque todos os velhos são falsos velhos que mantêm intacto o secreto desejo de um dia poderem vir a ser grandes.
Pedro Foyos
Jornalista
para apagar 65 velas e constatará logo à noite
que lhe basta um diminuto fôlego para apagar apenas duas.
As velas com algarismos incrustados
foram inventadas por um industrial sexagenário.
Tenho saudades do tempo em que me perguntavam a idade.
Hoje, por educação, ninguém me pergunta quantos anos já soma o extenuante cadastro da minha existência.
Em situações raras, como numa primeira consulta médica, recobro a felicidade da pergunta:
– Por favor... a sua idade...?
A falta de hábito faz-me vacilar, já errei à primeira, trocando a ordem dos algarismos. A senhora que preenchia a ficha mirou-me cheia de perplexidade, incrédula por ter diante de si um quarentão tão envelhecido.
Na realidade, a pergunta começa a desvanecer-se à medida que progredimos na adolescência. Aos vinte anos já ninguém mostra o mínimo interesse em saber a nossa idade. O verso de José Gomes Ferreira – «Recuso-me a ter mais de vinte anos» – eu o modificaria um nada-nadinha para: «Recuso-me a ter mais de dez anos.» Essa, sim, é a idade em que (ainda) detestamos que nos perguntem quantos aninhos temos. Ah, que saudades do tempo em que detestava a pergunta redobradamente detestável quando vinha mimada de aninhos e de outras denguices que tais! E como eu desejaria que a senhora que me questiona enquanto vai preenchendo a ficha, de súbito fizesse um sorriso caricioso e perguntasse:
– Por favor... quantos aninhos tem...?
Pelo contrário, das pouquíssimas vezes em que alguém coscuvilha a minha idade, a pergunta vem áspera, enodoada de rudeza:
– O senhor 'tá com que idade?
Apetece-me responder: «Depende. Hoje, por acaso, sinto-me com idade a mais e paciência a menos.»
A condição de sexagenário (mais ainda a de septuagenário) permite-nos pequenos erros, pecadilhos, simulacros menores, falsos lapsos que vão por conta da idade e merecem em geral uma beatífica indulgência. O mesmo já não acontece depois dos oitenta. Há então uma causa indubitável: a velhice néscia, insana. Um epíteto corrente resume quem está nesse limbo: “gagá”. Para evitarem tal crueldade, os octogenários lúcidos são quase sempre pessoas que refreiam as travessuras que bem desejariam fazer. Mas nós, os que estamos a meio da ponte, não devemos deixar de explorar o fugaz tempo de tolerância que nos resta. Dissimuladamente, semeemos pedrinhas na engrenagem. Sendo descobertos, confessaremos, lastimosos, que foi sem querer. Com sorte e para nossa felicidade dir-nos-ão que parecemos crianças. Será um dia ganho.
Outra pergunta detestável entre as mais detestáveis e de que tenho imensas saudades é aquela que invariavelmente sucede à da idade:
– O que queres ser quando fores grande?
Também já ninguém nos pergunta – a nós, aos velhos – o que queremos ser quando formos grandes.
É pena. Faria todo o sentido que a pergunta fosse feita aos velhos, porque todos os velhos são falsos velhos que mantêm intacto o secreto desejo de um dia poderem vir a ser grandes.
Pedro Foyos
Jornalista
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Traço Descontínuo
Parabéns a Mim!!!
Há exactos 65 anos nascia algures num r/chão de uma qualquer transversal da Duque de Loulé um anafado rapazola de nome próprio João Francisco.
Várias décadas depois, encanecido, enrugado, sujeito a maleitas várias embora leves, mas envolvido, e apaixonado em permanência em vários projectos, o tal rebento continua vivo e a gostar dessa situação.
Aliás, cada vez mais...
Por isso, Parabéns a Ele...Parabéns a Mim!!!
Várias décadas depois, encanecido, enrugado, sujeito a maleitas várias embora leves, mas envolvido, e apaixonado em permanência em vários projectos, o tal rebento continua vivo e a gostar dessa situação.
Aliás, cada vez mais...
Por isso, Parabéns a Ele...Parabéns a Mim!!!
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Amigos do Galo
A Capa do Dia
País enfrenta 19 greves nos próximos três dias, o que dá 6, 333 greves diárias. E a minha pergunta é - como é que 'eles' vão conseguir fazer 0,333 de greve?
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domingo, 25 de abril de 2010
Mais um texto sobre o 25 de Abril
Para muitos, o 25 de Abril, de 1974, foi a abertura de janelas para o mundo.
O fim do 'orgulhosament sós', a entrada de Portugal, de direito, no clube dos países democráticos.
Para muitos outros, o 25 de Abril foi o fim de direitos que julgavam hereditários, o acabar de uma determinada sociedade com extractos bem definidos, um salto para o escuro, sem rede e sem garantias.
Para muitos, o 25 de Abril foi uma época em que tudo era permitido, a liberdade e a esperança surgiram da utopia, a propriedade privada deixou de o ser e adivinhava-se um futuro cheio de amanhãs que cantam.
Para muitos outros o 25 de Abril foi a perda do respeito pelo vizinho, pelas ideias e opções diferentes das nossas, e a entrada na indisciplina, na badernice, com o princípio de um clima de insegurança que tenderia a tornar-se cada vez mais intenso.
Cometeram-se excessos, prisões injustas, saneamentos invejosos, nacionalizações inadequadas, independências apressadas, com consequências amargas e profundas para muitos milhares de pessoas.
Em simultâneo, corrigiram-se desajustes de décadas, injectou-se esperança e orgulho num país provinciano e cinzento, acabou-se com o sorvedouro de vidas que era a guerra no ultramar.
O país modernizou-se, com o que isso tem de positivo e negativo.
As condições gerais de vida da maioria dos portugueses melhoraram imenso para, uns anos depois, estarem a recuar, outra vez, drasticamente.
O acesso às universidades democratizou-se, mas a qualidade do ensino diminuiu.
Passámos a ser procurados por imigrantes vindos de fora, contrariando o êxodo que durante muito tempo ocorrera para fora daqui.
Os bens materiais como casa própria, carro, férias no estrangeiro, subiram em flecha, paralelamente com um endividamento exacerbado.
Passou premiar-se o laxismo, a incompetência, a criar condições para os que nada querem fazer e ao mesmo tempo o desemprego atingiu níveis nunca antes alcançados, sem solução à vista.
O enriquecimento súbito e inexplicável passou a ser corrente, o nivelamento intelectual, social e profissional passou a fazer-se por baixo, a demagogia e a corrupção, independente da cor política de quem nos chefia, entrou definitivamente no nosso vocabulário.
Do país do Fado, Futebol e Fátima passámos a ser a terra do Futebol, Fraudes e Falências.
Com ainda mais ênfase no Futebol, a continuarmos com muito Fado e alguma Fátima ( veja-se o exemplo do Papa) e as Fraudes e Falências a darem um toque de modernidade...
Para muitos, o 25 de Abril é o culpado da situação (má) em que nos encontramos...
Foi uma oportunidade perdida que não soubemos aproveitar.
Para muitos outros, se não tivesse sido o 25 de Abril estaríamos ainda bem pior...
E, certamente, mais infelizes.
Para mim, o 25 de Abril é uma soma de aspecto positivos e negativos.
Excessos, injustiças, esperanças, paixões e ódios.
Oportunidades, espertices, mediocridade e toques de génio.
Amores e traições. Prazer e dor...
Tal e qual como a Vida.
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Textos Soltos( por bom comportamento)
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Carlos Cruz poderá ser condenado após cinco anos de julgamento
A defesa do apresentador Carlos Cruz no processo Casa Pia admitiu hoje estar preparada para eventuais condenações, apelando no entanto ao coletivo de juízes para que não decida baseado no «preconceito» ou na «irracionalidade»
Nas alegações finais complementares, o advogado Ricardo Sá Fernandes afirmou que, com as alterações «incompreensíveis» à acusação proferidas pelo tribunal em novembro passado, estas poderiam indicar que o tribunal se prepara, ao fim de mais de cinco anos de julgamento, para condenar Carlos Cruz e outros arguidos do processo de abuso sexual.
Nas alegações finais complementares, o advogado Ricardo Sá Fernandes afirmou que, com as alterações «incompreensíveis» à acusação proferidas pelo tribunal em novembro passado, estas poderiam indicar que o tribunal se prepara, ao fim de mais de cinco anos de julgamento, para condenar Carlos Cruz e outros arguidos do processo de abuso sexual.
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Imagens da Nossa Terra
João Botelho da Silva
Este texto foi escrito para um livro póstumo.
Dedico-o a quantos, algum dia, se interrogaram:
– Por que nascemos se temos de sofrer?
– Por que nascemos se temos de morrer?
João Botelho da Silva morreu pouco tempo depois de entregar à editora o original deste livro. Uma obra póstuma aos 27 anos é um facto brutal, insuportável. Esmaga pela opacidade absoluta das razões que não conseguimos decifrar – porque são, realmente, numa vagarosa e dilacerante evidência, indecifráveis. Tratando-se, como é o caso, de um dos mais significativos escritores portugueses dos nossos dias, tal circunstância redobra o obsessivo efeito de revolta.
(...) Deixou um livro publicado (Beduínos a Gasóleo, romance portentoso, Prémio Caminho de Ficção Científica) e um valiosíssimo espólio literário em prosa e poesia.
Concluído e entregue à editora ficou este livro de contos. Concluído? Vacilo e comovo-me porque o vocábulo não é inteiramente exacto. Guardo na memória, como um fotograma luminoso num filme longínquo, o dia em que o João me entregou o original. Costumava pedir-me a leitura e análise das suas ficções, antes de publicadas, fazendo o mesmo com seu Pai, o jornalista Botelho da Silva, e sua mulher, Isabel. Comigo brincava, nessas ocasiões: «Em antestreia exclusiva para a excelentíssima crítica!» Era uma alusão chistosa ao facto de eu assinar, nos últimos três anos, no suplemento Cultura do Diário de Notícias, uma secção de crítica literária. Ambos jornalistas daquele matutino, amiúde lhe antecipava, igualmente, os meus textos destinados à coluna. É preciso dizer, agora, que muitas das minhas ideias, das minhas palavras escritas, lhe deviam a consciência subliminar e estimulante das suas experiências, da sua cultura, dos seus sentidos, do seu mundo fantástico. Uma partilha límpida, como a pulsação essencial à artéria, porém subjacente, invisível. Um companheirismo germinado, singularmente, na paixão comum por um género literário e que foi crescendo na vivência fraterna de sonhos, projectos, descobertas, permutas, alegrias e secretas cumplicidades. Tudo isso num voo pleno, sem escalas geracionais: a minha idade quase dobrava a dele.
Por outras razões tinha aquela secção um especial significado. Ali lhe foi feita a primeira referência como autor literário. (Um pacto, na ocasião: eu renunciaria a empregar a detestada expressão «promissor», reportada ao seu talento; em contrapartida, ele obrigar-se-ia a acolher as minhas presunçosas sugestões... «bem, cinquenta por cento», concedeu.) Ali se celebrou o prémio com que a Caminho o distinguiu. No mesmo local se publicou aquela que seria a primeira crítica a um livro seu. Quase mais entusiasmado do que ele, alvitrei no jornal uma grande entrevista, que efectivamente me autorizaram a fazer-lhe e se publicou em três páginas. (Sem coragem para enfrentar a Redacção, o João gozou, nesse dia, uma folga atrasada.) Volvida uma semana apresentei-lhe o romance de estreia em sessão pública, coisa que jamais pensaria fazer com quem quer que fosse e jurei que não se repetiria. Tento dizer, simplesmente: eu vivia, com intensidade, a aventura da sua imaginação. Talvez se perdoe, por isso, a tentação da despedida, o inevitável lugar-comum do texto sentimental, a pieguice tão falha de originalidade, e neste momento adivinho-lhe a reprovação mordaz: «Oh, não!, mete o violino no saco!»
Apressado, a escrita vertiginosa ultrapassava-o por vezes na reflexão. Nos últimos tempos angustiavam-no incertezas relacionadas com os seus contos admitidos para publicação. Manifestava certa contrição pela entrega, porventura precipitada, do original à editora. Disso me deu conta, logo naquele dia – fragmento inapagável na minha memória – em que me confiou uma cópia: «O livro já está na editora, não te espantes, mas olha, deu-me para ir levá-lo. Não fiques preocupado, o processo de feitura é tão lento que dará para introduzir todas as alterações que virmos ser necessário.»
Tomei o peso da resma que me passava para as mãos e olhei-o cheio de perplexidade, sem entender a razão daquela impaciência.
(...) Eu fazia um esforço desajeitado para não o envaidecer. Terminada a leitura do livro, projectei enviar-lhe uma mensagem através do circuito informático interno do jornal. Uma frase breve, grave, do género: «Escreveste algumas das melhores páginas da literatura portuguesa de todos os tempos.» Sabe-se que o temor pela reverência excessiva leva a refreios autocensórios. Portanto, ao reler a frase, talvez a alterasse para: «Pois bem, João, creio que terás escrito algumas das melhores páginas da moderna literatura portuguesa.» Mas não cederia mais do que isso. E sorriria ao imaginar a reacção costumada de certos bem-pensantes se resolvesse um dia publicar essa opinião: «Tudo certo, mas... o meu amigo queria referir-se à literatura de ficção científica, não é verdade?» Não, não é verdade.
Claro que não enviei mensagem alguma ao João. Existem tácticas manhosas que não devem ser desvendadas. Refira-se, tão-só, que um elogio desmesurado pode deitar tudo a perder quando pretendemos que o autor se entregue a um trabalho zeloso de aperfeiçoamento final da obra. Depois, mas só depois, lhe diremos ter realizado uma obra-prima.
O livro que eu acabara de ler carecia manifestamente de uma revisão estilística. Nas margens do texto fizera dezenas de anotações com o fim de o autor considerar a reformulação de expressões repetidas, construções gramaticais, pontuação e um ou outro trecho que, no ânimo das descrições impetuosas, resultara menos inteligível. E o original já na posse da editora!
(...) «Achas que, depois disto tudo, a editora quererá publicar mais algum livro meu?», perguntou-me, uma tarde. Ele acolhia com ingenuidade certas afirmações disparatadas, e terá sido por isso que lhe respondi, sentencioso, desafiante: «Com toda a certeza que não.»
Começáramos a analisar todas essas questões quando...
... de súbito, o seu corpo gritou, num rebate tardio, o avanço do cancro.
Exacto: escrevo cancro, a eufémica "doença prolongada" que urge banir do vocabulário jornalístico.
Depois, foi o terrífico percurso escarpado de angústias, de pânicos murmurados, a esperança estreitando-se nos pobres corações dos seus amigos. O nosso debate foi sucessivamente adiado: «Trata de sair deste hospital», pedia-lhe, «temos a agenda atrasadíssima!» Mas o livro ficou intocado. Fixo agora, vezes sem conta, a "agenda de trabalhos" que permanece aberta, protelada por um desencontro absurdo, incompreensível. Talvez não irremediável. Sempre acontece comigo, nos dias finais, isto: olhando o Sol matinal, por um instante dolorosamente efémero acredito que reatarei conversas antigas.
João Botelho da Silva morreu há quinze anos, que se perfazem hoje.
O livro referido nesta crónica foi publicado mais de um ano depois, com o título "As Horas do Declínio". A edição ficaria marcada por vicissitudes que me impeliram para um corte de relações com o director editorial da Caminho.
Vi pela última vez o meu amigo na manhã em que fui dar sangue, no Hospital Egas Moniz. Morreu nessa semana, a 23 de Abril.
Somos animais cronólogos, servos do sempiterno calendário, não conseguimos fugir aos ritos das datas.
Partilho esta evocação com quantos já perderam um grande amigo e, em certos dias, desejariam escrever-lhe uma carta sem morada.
Dedico-o a quantos, algum dia, se interrogaram:
– Por que nascemos se temos de sofrer?
– Por que nascemos se temos de morrer?
João Botelho da Silva morreu pouco tempo depois de entregar à editora o original deste livro. Uma obra póstuma aos 27 anos é um facto brutal, insuportável. Esmaga pela opacidade absoluta das razões que não conseguimos decifrar – porque são, realmente, numa vagarosa e dilacerante evidência, indecifráveis. Tratando-se, como é o caso, de um dos mais significativos escritores portugueses dos nossos dias, tal circunstância redobra o obsessivo efeito de revolta.
(...) Deixou um livro publicado (Beduínos a Gasóleo, romance portentoso, Prémio Caminho de Ficção Científica) e um valiosíssimo espólio literário em prosa e poesia.
Concluído e entregue à editora ficou este livro de contos. Concluído? Vacilo e comovo-me porque o vocábulo não é inteiramente exacto. Guardo na memória, como um fotograma luminoso num filme longínquo, o dia em que o João me entregou o original. Costumava pedir-me a leitura e análise das suas ficções, antes de publicadas, fazendo o mesmo com seu Pai, o jornalista Botelho da Silva, e sua mulher, Isabel. Comigo brincava, nessas ocasiões: «Em antestreia exclusiva para a excelentíssima crítica!» Era uma alusão chistosa ao facto de eu assinar, nos últimos três anos, no suplemento Cultura do Diário de Notícias, uma secção de crítica literária. Ambos jornalistas daquele matutino, amiúde lhe antecipava, igualmente, os meus textos destinados à coluna. É preciso dizer, agora, que muitas das minhas ideias, das minhas palavras escritas, lhe deviam a consciência subliminar e estimulante das suas experiências, da sua cultura, dos seus sentidos, do seu mundo fantástico. Uma partilha límpida, como a pulsação essencial à artéria, porém subjacente, invisível. Um companheirismo germinado, singularmente, na paixão comum por um género literário e que foi crescendo na vivência fraterna de sonhos, projectos, descobertas, permutas, alegrias e secretas cumplicidades. Tudo isso num voo pleno, sem escalas geracionais: a minha idade quase dobrava a dele.
Por outras razões tinha aquela secção um especial significado. Ali lhe foi feita a primeira referência como autor literário. (Um pacto, na ocasião: eu renunciaria a empregar a detestada expressão «promissor», reportada ao seu talento; em contrapartida, ele obrigar-se-ia a acolher as minhas presunçosas sugestões... «bem, cinquenta por cento», concedeu.) Ali se celebrou o prémio com que a Caminho o distinguiu. No mesmo local se publicou aquela que seria a primeira crítica a um livro seu. Quase mais entusiasmado do que ele, alvitrei no jornal uma grande entrevista, que efectivamente me autorizaram a fazer-lhe e se publicou em três páginas. (Sem coragem para enfrentar a Redacção, o João gozou, nesse dia, uma folga atrasada.) Volvida uma semana apresentei-lhe o romance de estreia em sessão pública, coisa que jamais pensaria fazer com quem quer que fosse e jurei que não se repetiria. Tento dizer, simplesmente: eu vivia, com intensidade, a aventura da sua imaginação. Talvez se perdoe, por isso, a tentação da despedida, o inevitável lugar-comum do texto sentimental, a pieguice tão falha de originalidade, e neste momento adivinho-lhe a reprovação mordaz: «Oh, não!, mete o violino no saco!»
Apressado, a escrita vertiginosa ultrapassava-o por vezes na reflexão. Nos últimos tempos angustiavam-no incertezas relacionadas com os seus contos admitidos para publicação. Manifestava certa contrição pela entrega, porventura precipitada, do original à editora. Disso me deu conta, logo naquele dia – fragmento inapagável na minha memória – em que me confiou uma cópia: «O livro já está na editora, não te espantes, mas olha, deu-me para ir levá-lo. Não fiques preocupado, o processo de feitura é tão lento que dará para introduzir todas as alterações que virmos ser necessário.»
Tomei o peso da resma que me passava para as mãos e olhei-o cheio de perplexidade, sem entender a razão daquela impaciência.
(...) Eu fazia um esforço desajeitado para não o envaidecer. Terminada a leitura do livro, projectei enviar-lhe uma mensagem através do circuito informático interno do jornal. Uma frase breve, grave, do género: «Escreveste algumas das melhores páginas da literatura portuguesa de todos os tempos.» Sabe-se que o temor pela reverência excessiva leva a refreios autocensórios. Portanto, ao reler a frase, talvez a alterasse para: «Pois bem, João, creio que terás escrito algumas das melhores páginas da moderna literatura portuguesa.» Mas não cederia mais do que isso. E sorriria ao imaginar a reacção costumada de certos bem-pensantes se resolvesse um dia publicar essa opinião: «Tudo certo, mas... o meu amigo queria referir-se à literatura de ficção científica, não é verdade?» Não, não é verdade.
Claro que não enviei mensagem alguma ao João. Existem tácticas manhosas que não devem ser desvendadas. Refira-se, tão-só, que um elogio desmesurado pode deitar tudo a perder quando pretendemos que o autor se entregue a um trabalho zeloso de aperfeiçoamento final da obra. Depois, mas só depois, lhe diremos ter realizado uma obra-prima.
O livro que eu acabara de ler carecia manifestamente de uma revisão estilística. Nas margens do texto fizera dezenas de anotações com o fim de o autor considerar a reformulação de expressões repetidas, construções gramaticais, pontuação e um ou outro trecho que, no ânimo das descrições impetuosas, resultara menos inteligível. E o original já na posse da editora!
(...) «Achas que, depois disto tudo, a editora quererá publicar mais algum livro meu?», perguntou-me, uma tarde. Ele acolhia com ingenuidade certas afirmações disparatadas, e terá sido por isso que lhe respondi, sentencioso, desafiante: «Com toda a certeza que não.»
Começáramos a analisar todas essas questões quando...
... de súbito, o seu corpo gritou, num rebate tardio, o avanço do cancro.
Exacto: escrevo cancro, a eufémica "doença prolongada" que urge banir do vocabulário jornalístico.
Depois, foi o terrífico percurso escarpado de angústias, de pânicos murmurados, a esperança estreitando-se nos pobres corações dos seus amigos. O nosso debate foi sucessivamente adiado: «Trata de sair deste hospital», pedia-lhe, «temos a agenda atrasadíssima!» Mas o livro ficou intocado. Fixo agora, vezes sem conta, a "agenda de trabalhos" que permanece aberta, protelada por um desencontro absurdo, incompreensível. Talvez não irremediável. Sempre acontece comigo, nos dias finais, isto: olhando o Sol matinal, por um instante dolorosamente efémero acredito que reatarei conversas antigas.
João Botelho da Silva morreu há quinze anos, que se perfazem hoje.
O livro referido nesta crónica foi publicado mais de um ano depois, com o título "As Horas do Declínio". A edição ficaria marcada por vicissitudes que me impeliram para um corte de relações com o director editorial da Caminho.
Vi pela última vez o meu amigo na manhã em que fui dar sangue, no Hospital Egas Moniz. Morreu nessa semana, a 23 de Abril.
Somos animais cronólogos, servos do sempiterno calendário, não conseguimos fugir aos ritos das datas.
Partilho esta evocação com quantos já perderam um grande amigo e, em certos dias, desejariam escrever-lhe uma carta sem morada.
Pedro Foyos
Jornalista
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Traço Descontínuo
quinta-feira, 22 de abril de 2010
...Bela Inauguração!!!
Quem tiver curiosidade em ver como foi a Inauguração ontem, 21 de Abril, é só carregar aqui...
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Amigos do Galo
B.O.O.K.
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Enviado por Moira de Trabalho
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Sal&Pimenta - Tempero semanal por José Manuel de Sousa
Progresso?
Tem-se tornado para mim extremamente interessante e quase aliciante, o mesmo certamente acontecendo com muitos outros habitantes do nosso Planeta, verificar que a modernidade nos levou a viver em extrema fragilidade.
O exemplo recente das cinzas voadoras que obrigaram ao encerramento de centenas de aeroportos e bloquearam o deslocamento de milhões de pessoas, algumas sofrendo o inimaginável por não poderem chegar aos seus destinos, mostra bem que já não podemos viver sem o transporte aéreo.
E bens, mercadorias valiosas tal como o correio, ficaram na origem aguardando alternativas que não apareciam.
Imaginemos agora que as redes de internet por acto de eventual terrorismo ou avaria grossa , mesmo que por breves horas, deixavam de funcionar em qualquer parte do mundo.
E que dizer do corte de alguns cabos submarinos ?
Aliás, bastam algumas greves em sectores fundamentais para que a nossa cómoda vida diária se transforme num quase inferno.
Olhando para o passado, recuando algumas centenas de anos ou nem tanto, podemos ser levados a concluir que então tudo decorria com menos incidentes pois a tecnologia ainda não nos tinha escravizado.
É o preço do progresso dirá o leitor critico mas seremos certamente levados a pensar que de vez em quando, iremos pagar um preço bem alto por tanta aparente facilidade e comodidade.
Claro que ninguém defende o regresso à Idade da Pedra mas estamos a ser obrigados a reflectir quase filosoficamente que entre o tudo e o nada ,a fronteira vai ficando cada vez mais esbatida.
Estou certo ou estou errado?
José Manuel de Sousa
Tem-se tornado para mim extremamente interessante e quase aliciante, o mesmo certamente acontecendo com muitos outros habitantes do nosso Planeta, verificar que a modernidade nos levou a viver em extrema fragilidade.
O exemplo recente das cinzas voadoras que obrigaram ao encerramento de centenas de aeroportos e bloquearam o deslocamento de milhões de pessoas, algumas sofrendo o inimaginável por não poderem chegar aos seus destinos, mostra bem que já não podemos viver sem o transporte aéreo.
E bens, mercadorias valiosas tal como o correio, ficaram na origem aguardando alternativas que não apareciam.
Imaginemos agora que as redes de internet por acto de eventual terrorismo ou avaria grossa , mesmo que por breves horas, deixavam de funcionar em qualquer parte do mundo.
E que dizer do corte de alguns cabos submarinos ?
Aliás, bastam algumas greves em sectores fundamentais para que a nossa cómoda vida diária se transforme num quase inferno.
Olhando para o passado, recuando algumas centenas de anos ou nem tanto, podemos ser levados a concluir que então tudo decorria com menos incidentes pois a tecnologia ainda não nos tinha escravizado.
É o preço do progresso dirá o leitor critico mas seremos certamente levados a pensar que de vez em quando, iremos pagar um preço bem alto por tanta aparente facilidade e comodidade.
Claro que ninguém defende o regresso à Idade da Pedra mas estamos a ser obrigados a reflectir quase filosoficamente que entre o tudo e o nada ,a fronteira vai ficando cada vez mais esbatida.
Estou certo ou estou errado?
José Manuel de Sousa
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