terça-feira, 27 de abril de 2010

Ténis e Frescobol - Rubem Alves

Depois de muito meditar sobre o assunto
concluí que os relacionamentos são de dois tipos:
há os do tipo 'tênis' e há os do tipo 'frescobol'.
Os relacionamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos
e terminam sempre mal.
Os do tipo frescobol são uma fonte de alegria
e têm a chance de ter vida longa.
Explico: para começar, uma afirmação de Nietzche,
com a qual concordo inteiramente.
Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento
cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa
até sua velhice?Tudo o mais no casamento é transitório,
mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas
sobre a arte de conversar.'

Scherazade sabia disso.
Sabia que os relacionamentos baseados nos prazeres da cama
são sempre decapitados pela manhã, e terminam em separação,
pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente.
Há os carinhos que se fazem com o corpo
e há os carinhos que se fazem com as palavras.
E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes,
fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo...'.
Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão,
'eu te amo' não quer dizer mais nada.
'É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra,
não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética.
Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma'.
O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar.
O bom jogador é aquele que tem a exata noção
do ponto fraco do seu adversário,
e é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada
- palavra muito sugestiva - que indica o seu objetivo sádico,
que é o de cortar, interromper, derrotar.
O prazer do tênis se encontra, portanto,
justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar
porque o adversário foi colocado fora de jogo.
Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.
Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito
e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa,
no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado.
Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha.
E ninguém fica feliz quando o outro erra,
pois o que se deseja é que ninguém erre.
O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável
que não deveria ter acontecido,
pois o gostoso mesmo é jogar pra sempre...
E, o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado.
Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo
em que ninguém marca pontos...
A bola: são nossas fantasias, irrealidades,
sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis.
Ficam à espera do momento certo para a cortada.
Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo,
arrebentá-lo, como bolha de sabão...
O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento.
Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo
que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho,
é coisa delicada, do coração.
O bom ouvinte é aquele que, ao falar,
abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres.
Bola vai, bola vem-cresce o amor...
Ninguém ganha, para que os dois ganhem.
E se deseja então que o outro viva sempre,
eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...

Um comentário:

  1. O hábito de conversar, entre as famílias, perdeu-se bastante e afinal é nesses momentos que mais damos e recebemos. Na verdade, um casamento sem conversa é uma "treta"!

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