Não valerá a pena contar toda a história de Portugal, de triunfos e fracassos, de venturas e desventuras, de vitórias e derrotas.
São quase 900 anos de eventos, uns bons e outros maus, se nos quisermos cingir só ao tempo que nos separa do nascimento da nacionalidade.
A verdade é que se Portugal então nasceu é porque já alguma diferenciação germinava, alguma coisa nos distinguia dos outros povos peninsulares.
Fomos assim, paulatinamente e com o feliz naco de Mundo que nos calhou em sorte, construindo uma entidade forjada em etnias e cumplicidades várias, construindo qualidades e defeitos muito nossos, muito enraizados nesta estranha maneira de ser à beira-mar, à beira-Mediterrâneo-já-Atlântico plantados.
E nesta duplicidade de sermos o norte do Sul e o sul do Norte temos vivido.
Cedo, muito cedo mesmo, batemos o pé ao “rei dos Reis” que era então o papa, reivindicando para o Portugal nascente e para o primeiro rei que escolhemos, nascido Afonso filho de Henrique, o seu reconhecimento.
E também o reconhecimento do primeiro bispo, o célebre bispo negro que seria, aparentemente, um mouro converso do Algarve de aquém-mar.
Depois, quando por iniciativa própria nos lançámos em frágeis cascas de noz feitas de dionisinos pinheiros que fixavam as areias de Leiria, voltámos a impor a nossa vontade, na divisão do Mundo em duas metades.
A linha divisória foi por nós definida em acordo directo com o nascente Reino de Espanha, mesmo contra a vontade do castelhano papa Alexandre VI.
Ele terá tido a percepção de que, a partir desse momento, o poder de decidir quais e de quem eram as terras deste mundo lhe fugia definitivamente das mãos.
Aproveitou-nos durante quase um século.
Em 1580, e depois de mais de cem anos de tentativas de unidade ibérica sob a coroa portuguesa, D. Sebastião, o imberbe e impulsivo rei-menino, não gera descendência e tudo deita a perder nas areias do Algarve de além-mar, em Alcácer-Quibir.
Perdeu-se o rei sem que nenhum nevoeiro no-lo trouxesse de volta, mas mais, perdeu-se o reino e a independência.
A tecitura de laços para que as coroas ibéricas nos caíssem no regaço tinham urdido uma realidade contrária, e era em Madrid que então se encontrava o herdeiro dos dois impérios dos novos mundos do Mundo.
E por lá ficaram, durante 60 anos, as rédeas conjuntas dos dois impérios então filipinos.
Não sei se por bem, mas porque grandes naus geram grandes tormentos, em 1640 a independência caiu-nos no colo quase sozinha.
Bastou um simples abanão num tal Miguel de Vasconcelos para defenestrar o poder espanhol. Por muito que se diga, tal só prova que a identidade portuguesa tinha forjado, mais do que uma autonomia de que se podia prescindir, um país e um povo com querer próprio.
E o império português lá seguiu viagem!
Pouco mais de cem anos depois, o maior sismo de que há memória na Europa sacode Lisboa, o Algarve, Portugal.
Enterrados os mortos, os portugueses começam a fazer renascer das cinzas uma pujante Lisboa pombalina que impõem ao Mundo como a grande metrópole moderna, vontade insofismável de um povo que se quer triunfador.
Seria sol de pouca dura, pois a Inquisição logo afugentou quem não era cristão e com eles o dinheiro e o comércio do ouro, dos diamantes e das especiarias.
Ainda hoje, para ver esses antigos judeus portugueses, basta ir à velha Flandres e lá estão eles, com o resplandecente comércio de sempre.
É portanto um país pio, católico, apostólico e romano mas mais pobre, que cerca de meio século depois, volta a tremer, agora sob a ameaça de uma nova vaga francesa inspirada na jovem independência americana.
Prometia repúblicas, liberdades e direitos iguais para todos. “Liberté, Égalité, Fraternité”, clamava-se então na Comuna, agitando reis, clero e nobres de toda a Europa.
A onda rebelde tudo contagiava numa Revolução Francesa que se originava na nascente burguesia mas que alastrava aos sans-cullotes, aos pés-descalços dessa Europa faminta e sem direitos.
É no remoinho dessa agitação que, interpretando-se a si próprio melhor que à Revolução, Napoleão toma o poder, toma a França e decide tomar a Europa.
Explorando a confusão entre revolução popular e ditadura populista de um revolucionário, avança contra reis e regentes em todas as direcções.
Foi quando olhou para Poente que o rei de Portugal, com o tempo que lhe dava a distância de Paris, decidiu deslocalizar-se para uma parcela mais segura do império.
E o Rio de Janeiro passou a ser a capital deste Reino de Portugal de áfricas, índias e brasis, com um pezinho na Europa.
Quinze anos volvidos lá chega o rei de torna viagem, deixando um império chamado Brasil nas margens do Ipiranga.
E a vida correria, ora remansosa ora agitada, ora progressiva ora conservadora, durante todo o resto do século, já sem escravos mas com um diligente e pouco cultivado povo a trabalhar com afinco.
Viram-se chegar os comboios e as estradas e partir grandes fatias do império: a Índia reduziu-se a Goa, de África ficou Angola e Moçambique sem mapas de qualquer outra cor e no Pacífico resistiu Timor.
Portugal redimensionava-se, enquanto monarquia constitucional, à força que julgava ter.
Afinal, a Comuna de Paris e a "Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão" não tinham sido completamente em vão e pelo parlamento passavam monárquicos, republicanos, socialistas e liberais, numa policromia intelectual que ilustrava o pensamento que se construía mas que não chegava à rua.
Na rua, era o Portugal da Severa e do Conde de Vimioso, da boémia e da pobreza, das emigrações em massa para os brasis e dos aristocráticos Vencidos da Vida.
Tudo denunciava a já clara obsolescência do regime monárquico que veio a desembocar na proclamação da República, faz agora cem anos.
Tal como os seus mentores, a República nasceu burguesa e assim se manteve, enredando-se nas polémicas caseiras dos seus dirigentes e definhando pela indefinição de um claro campo social. Foi dessa fraqueza confusa que emergiu, qual mítico e sebastiânico salvador, um professor de Coimbra, inquisidor demoníaco e lúgubre ditador que fez do nosso país a cadeia e a cadeira onde por quase meio século se sentou até partir.
Sem deixar o mais leve vestígio de saudade.
E tudo recomeçou numa radiosa madrugada de Abril, porque tudo acontece de madrugada. Saídos da guerra fratricida nas colónias para a urgência da luta fraterna nos novos países, os militares redimiram uma peleja velha de séculos e devolveram os novos mundos ao Mundo. Com eles, povo em armas deste país, se acertaram as contas com a história e se fez de cravos uma revolução que ficou nos anais da história do Mundo!
Mais uma vez o Mundo era o nosso palco.
Mas a generosidade não conseguiu contrariar a castração que a caricata ditadura nos tinha incutido e onde tudo era decidido por um só homem e por pequenos poderes.
Não se extirpou essa gangrena e hoje aos pequenos poderes somam-se os grandes rancores e as incompetentes invejas.
Por acomodação ninguém é capaz de ser responsável e a culpa morre solteira. E virgem.
O que se diz e o que parece é mais importante que o que se faz.
Já se espera um Sebastião que a tudo e todos haveria de salvar, esquecendo que só nós nos podemos salvar.
É em nós, só em nós que reside a esperança.
É em nós, só em nós que reside o futuro.
Nós somos o nosso próprio 25 de Abril, ciclicamente renovado.
Assim o prova a nossa História.
Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!
Fernando Pinto
quarta-feira, 28 de abril de 2010
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Muito BEM Fernando, PARABÉNS, adorei.
ResponderExcluirUm texto do tamanho da nossa história e do tamnaho da esperança que depositamos no futuro, que só depende de nós próprios.
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