segunda-feira, 26 de abril de 2010

Por favor...a sua idade...?

Dedicado a João Viegas, que durante décadas andou a ganhar fôlego
para apagar 65 velas e constatará logo à noite
que lhe basta um diminuto fôlego para apagar apenas duas.
As velas com algarismos incrustados
foram inventadas por um industrial sexagenário.

Tenho saudades do tempo em que me perguntavam a idade.
Hoje, por educação, ninguém me pergunta quantos anos já soma o extenuante cadastro da minha existência.
Em situações raras, como numa primeira consulta médica, recobro a felicidade da pergunta:
– Por favor... a sua idade...?
A falta de hábito faz-me vacilar, já errei à primeira, trocando a ordem dos algarismos. A senhora que preenchia a ficha mirou-me cheia de perplexidade, incrédula por ter diante de si um quarentão tão envelhecido.
Na realidade, a pergunta começa a desvanecer-se à medida que progredimos na adolescência. Aos vinte anos já ninguém mostra o mínimo interesse em saber a nossa idade. O verso de José Gomes Ferreira – «Recuso-me a ter mais de vinte anos» – eu o modificaria um nada-nadinha para: «Recuso-me a ter mais de dez anos.» Essa, sim, é a idade em que (ainda) detestamos que nos perguntem quantos aninhos temos. Ah, que saudades do tempo em que detestava a pergunta redobradamente detestável quando vinha mimada de aninhos e de outras denguices que tais! E como eu desejaria que a senhora que me questiona enquanto vai preenchendo a ficha, de súbito fizesse um sorriso caricioso e perguntasse:
– Por favor... quantos aninhos tem...?
Pelo contrário, das pouquíssimas vezes em que alguém coscuvilha a minha idade, a pergunta vem áspera, enodoada de rudeza:
– O senhor 'tá com que idade?
Apetece-me responder: «Depende. Hoje, por acaso, sinto-me com idade a mais e paciência a menos.»

A condição de sexagenário (mais ainda a de septuagenário) permite-nos pequenos erros, pecadilhos, simulacros menores, falsos lapsos que vão por conta da idade e merecem em geral uma beatífica indulgência. O mesmo já não acontece depois dos oitenta. Há então uma causa indubitável: a velhice néscia, insana. Um epíteto corrente resume quem está nesse limbo: “gagá”. Para evitarem tal crueldade, os octogenários lúcidos são quase sempre pessoas que refreiam as travessuras que bem desejariam fazer. Mas nós, os que estamos a meio da ponte, não devemos deixar de explorar o fugaz tempo de tolerância que nos resta. Dissimuladamente, semeemos pedrinhas na engrenagem. Sendo descobertos, confessaremos, lastimosos, que foi sem querer. Com sorte e para nossa felicidade dir-nos-ão que parecemos crianças. Será um dia ganho.

Outra pergunta detestável entre as mais detestáveis e de que tenho imensas saudades é aquela que invariavelmente sucede à da idade:
– O que queres ser quando fores grande?
Também já ninguém nos pergunta – a nós, aos velhos – o que queremos ser quando formos grandes.
É pena. Faria todo o sentido que a pergunta fosse feita aos velhos, porque todos os velhos são falsos velhos que mantêm intacto o secreto desejo de um dia poderem vir a ser grandes.

Pedro Foyos
Jornalista

5 comentários:

  1. João, este escrito do Pedro Foyos é melhor do que um cantar de parabéns! Que sorte a tua de teres amigos assim! Agora só falta responderes: o que queres ser quando fores grande?

    ResponderExcluir
  2. muitos parabéns que conte muitos,um grande beijinho com saudades.

    graça ligeiro e familia

    ResponderExcluir
  3. O João faz anos ?
    Depois deste magnífico texto do Pedro, só posso dizer:

    Grande abraço, rapaz !!!!!

    ResponderExcluir
  4. Sessenta e cinco aninhos?!
    Não acredito...

    ResponderExcluir