quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Festa das Empadas de galinha da tia Zulmira

Porque é que toda esta gente vem a este lanche, se todos nós sabemos muito bem, que na grande maioria não podemos uns com os outros.
Sim, é verdade que somos família, primos, sobrinhos, tios, até netos, mas deve haver inimigos que são mais amigos que nós nesta família...Mas então porque nos juntamos todos os anos em casa da avó Gracinda que está cada vez mais velha, que fingimos que somos pessoas de bem, que somos pessoas...?
Por causa das empadas. Senão fossem as empadas de galinha da tia Zulmira não me apanhavam aqui. Não me apanhavam não… Ter que aturar esta gentinha… Puf! Que chatice!
Mas as empadas…ai as empadas. A massa, aquele areado que se desfaz no contacto com o céu-da-boca.
Há como que um perfumado com alecrim, acentuado pelo gosto do alho, que se refina depois no sabor do peito da galinha, que antes foi cerjado até ganhar um ligeiro tom brilhante, dum castanho de mel que ainda por cima lhe acentua o paladar.
Que horror…porque olhei eu para aquele lado? Que nojo… a avó Gracinda baba-se. Já há bocados de galinha na mesa… à mas o Gustavinho faz-lhe concorrência…o safado do miúdo, mastiga, mastiga e depois deixa escorrer pelo queixo até à toalha… Grande estafermo…está a fazer de propósito. E a mãe? … A parva da mãe não vê nada… Ó Maria do Carmo, esse dedinho espetado quando seguras a chávena de chá… Ai filha pareces-me uma perua a quem cortaram as penas… Oh! Mulher…olha para o teu filho…dá-lhe um estalo… fá-lo engolir aquela porcaria toda…
E o brilho das empadas no seu formato quase cilíndrico, ali dispostas nas pequenas travessas que a tia Zulmira põe de um modo que só ela sabe e que têm um efeito de atracção irresistível. E se nós olharmos… Não, não quero olhar, não quero:
Ò Rosário pára lá de comer com esse ar de fim do mundo e olha para o teu sobrinho… o sacana do puto agora já cospe aquela papa para o prato da avó Gracinda… e a velha come aquela porcaria… que nojo!
Mas vocês as duas são cegas?...Ai espera tu também espetas o dedinho como a tua irmã! Que duas parvas…
Juro que não volto a olhar, só se for de esguelha. A atracção do horror…Não, não volto. Juro!
Estes lanches, são sem dúvida nenhuma um homenagem às primeiras empadas disso não tenho dúvidas.
Ainda um dia hei-de tentar saber como foi que a Tia Zulmira arranjou esta receita e porque é que todos os anos se celebra este lanche, que entre toda esta gentinha, que é, infelizmente, a minha família, se designa pela festa das empadas da Tia Zulmira.
É verdade que a mim só me interessam as empadas, ou melhor é quase verdade, por que há um vinho, que já vem em garrafas de cristal de um vermelho escuro que deixa filtrar a luz e dá uma outra dimensão, quando o vermelho se abre em tom rubi, a tudo e todos dando à sala, aos moveis, ás pessoas um tom muito próprio.
Mal olho a garrafa começo a sentir o gosto semi-suave, semi-adstringente daquele tinto que tem um fim prolongado com sabor a frutos vermelhos onde sobressai a cereja madura cortada muito ao de leve pelo corpo de ameixas vermelhas num “boquet” de travo de canela com especiarias onde é rainha a pimenta preta.
As pessoas é que não faziam falta nenhuma.

Contos do Feeling Estranho

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11 comentários:

  1. Cresceu a água na minha boca...essas empadas merecem a homenagem de um conto escrito com graça e elegância.
    Pego no copo e espeto o dedo para saudar o autor !!!

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  2. A esta hora também comia uma empada...
    Gostei dos pensamentos e da descrição do ambiente.

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  3. Já estive em almoços desses, e arrisco-me ainda a ter que voltar a estar. :-\
    Todavia as pessoas não eram tão odiosas, e infelizmente não havia essas empadas de galinha... :-(

    Gostei muito do conto, parabéns. :-)

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  4. Na realidade, penso que todos nós já tivemos fretes destes e, como diz o alv ega, muitas vezes sem as ditas empadas.Também eu gostei muito do conto.

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  5. Belo texto,péssimas recordações...

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  6. Feeling, você estranha-se e depois entranha-se.

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  7. Que delícia de comentário, Quimera...
    Se dúvidas houvesse, aqui justificaria por completo o meu voto em si.

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  8. Moira, apoiado, mas tem que dividir o seu voto em 3:
    Na Q*, no Pessoa e na "Tota-Tola"... :-P :-P :-P

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  9. Margarida Ferreira dos Santos7 de maio de 2009 às 19:50

    Excelente descrição dos momentos altos de muitas famílias no seu melhor! Não deixa de ter uma graça amarga, mas quem já teve a "alegria" destes momentos sabe que é mesmo assim...
    Mais um estilo do Feeling que bate em nº de contos e diversidade :)

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  10. Oscilei entre a baba e o vómito - perdão pela crueza das palavras...
    Abençoada Tia Zulmira, pelas empadas, e parabéns pelo sobrinho que tem!!!

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  11. Dá-me a receita? Da escrita,claro.

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