segunda-feira, 21 de setembro de 2009

No comboio descendente de Queluz...a Massamá

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Habitualmente, o doce balançar do comboio fazia com que
Deolinda Simões adormecesse ainda antes de chegar ao Cacém.
Não gostava de olhar os jovens com as suas tatuagens
e braços musculados, que a miravam
com um misto de agressividade e desejo.
Arrepiava-se ao ver, nas quarentonas carregadas de sacos
com compras, a sua previsível imagem futura.
Irritava-se com o choro das criancinhas e o ar embevecido
dos jovens casais programados para
uma vida sem sobressaltos nem dias inesperados.
Emocionava-se com os velhos de olhar baço que se esqueciam
da paragem certa e, depois, lá saíam trôpegos, na seguinte.
Por isso, fazia, quase sempre, toda a viagem cambaleante de sono,
marcando, com a cabeça, o ritmo da viagem.
Mas não, naquele dia.
A imagem de Gabriela Torres a entrar no escritório.
A reunião de horas em que Teo Santana se esquecera,
pela primeira vez, da habitual tosta mista e café sem princípio
que sempre lhe pedia a meio da tarde e que ela pressurosa
ia buscar à pastelaria do sr.Luís, duas portas mais abaixo.
A resposta seca com que a mimoseara quando, já depois das sete,
lhe fora perguntar "…se precisava de mais alguma coisa”.
“Não, não, até amanhã…”
E a outra, sacudindo a cabeleira
”- Vá descansada, eu trato dele…se for preciso”.
Vira tudo vermelho, quem julgava aquela cabra que era ?
Só lhe apetecera espetar-lhe com o cinzeiro de latão na mona.
Lá saiu, quase às arrecuas e foi beber uma ginja à pastelaria,
perante um sr.Luís estupefacto.
“ Menina Gaby, passa-se alguma coisa? Foi o sr.Teo ?”.
Este também adorava uma cenazita de faca e alguidar
ou não fosse o Correio da Manhã o jornal oficial do estabelecimento.
Não se dignou responder-lhe, desceu até à Avenida
e apanhou a correspondência para o comboio, onde agora se encontrava.
Nessa noite em casa, após jantar e ajudar a mãe a lavar a louça,
iria ao seu arquivo de revistas del corazon recolher
o máximo de informação acerca daquela pindérica e do marido,
que, lembrava-se vagamente,
também costumava parecer por aquelas páginas.
O marido era… um toureiro espanhol? Um automobilista argentino?
Irritou-se por não conseguir lembrar-se do personagem em detalhe.
Mas ela tinha as suas estrelas predilectas
acerca das quais sabia os mais ínfimos pormenores.
Alexandra Lencastre, Tony Carreira e Luciana Abreu eram,
no momento, os seus predilectos.
Sabia onde passavam férias, os amores presentes e passados,
os cachets milionários…
Agora o outro …Ah, espera era um milionário brasileiro !!!

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3 comentários:

  1. Ainda aconteceram poucas coisas mas estou a apreciar lentamente como um doce...

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  2. Esta Deolinda ainda vira detective.

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  3. Era engraçado, e diferente, termos "uma" detective, mesmo que secretária, em vez dos habituais super macho detectives.

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