quarta-feira, 23 de setembro de 2009

E, hoje, é a vez da Medalha de Bronze

Depois da publicação das outras duas Vencedoras do Prémio MicroContos Galo/Bizâncio, temos connosco a Mafalda.
E, assim, terminamos esta pequena série de entrevistas.

Galo: Qual a sensação de ter ganho um dos Prémios MicroContos Galo/Bizâncio? Estava à espera?
Mafalda: Claro!!! ehehehe Era isso ou uma cabidela! Passo a explicar. Combinei com a amiga que me pôs nestas aventuras que lhe dava um livro se ganhasse ou então fazia-lhe uma cabidela. Ora como aquela coisa de sangrar galinhas não faz o meu género, investi em toda a espécie de mezinhas e feitiços caseiros para ver se influenciava os astros. E não é que funcionou?!?!?! Que eu não acredito, mas que as hay... Brinco! Não estava à espera, até porque me pareceu sempre haver tantos outros mais criativos que eu. Mas o júri decidiu e está decidido... E ainda bem! Olha eu agora de roda dos tachos a cozinhar a galinha!!! Assim, contribuí para a biblioteca de uma amiga. :)

Galo: O que achou desta iniciativa?
Mafalda: Gostei muito. Quando soube da iniciativa foi com esta introdução: "Olha, aqui está uma coisa à tua medida!". E foi. Diverti-me. Roí lápis. Estudei gramáticas. Consultei dicionários... Não queria fazer má figura e deixar ficar mal a D.Florinda, a minha professora primária. Gostei sobretudo de participar, de ler os outros autores, de me surpreender (mais uma vez) com o talento que existe neste País à beira-mar plantado... Também achei interessante que a partir de uma certa altura nos "sentássemos" todos a adivinhar pseudónimos. Esta coisa da cusquice lusa... A curiosidade que nos faz querer conhecer os outros, o nosso lado mais social e solidário (bem... tem dias!). Posso repetir "gostei, gostei, gostei"? Isto está a ficar monótono. Não gosto de entrevistas! grrrrrrrr

Galo: Excluindo-se, quais os outros Autores que mais apreciou?
Mafalda: Houve uma fase que não consegui acompanhar o Galo de Barcelos e, por isso, não li todos os MicroContos. Correndo o risco de ser injusta com os que não li e com os que agora não me recordo, lembro-me que gostei dos contos da Dear Prudence e da Mrs. Dalloway. Além desta (s) autora(s), lembro-me de ter gostado e comentado o conto da Gin Tónico. E depois temos os outros todos... Do Quin, do Feeling Estranho, do Dani Marrón, da Pinta... E tudo e tudo!!!

Galo: Se o “Galo” instituir, de novo, este Prémio, voltará a participar? Que eventuais alterações sugere?
Mafalda: Sempre! Já tenho o lápis a postos! Quando começa? Alterações? Hummmmmmm.... Página e meia? A 12 espaços? :)

E agora passemos ao MicroConto premiado...

Meditações sobre Cegonhas

Considerava-me razoavelmente preparada para os desafios da maternidade, consequência de ser a mais velha de uma extensa geração de primos e primas.
Mudar fraldas, pôr bebés a arrotar, cantarolar o cancioneiro infantil, fazer papas Cerelac, negociar birras, não apresentavam grandes mistérios para mim.
E assim aconteceu.Os primeiros anos correram sem sobressaltos, a desembaraçar-me nas grandes tarefas maternas, a improvisar nos primeiros desassossegos.Entrámos na idade dos porquês.
À cautela, a precaver o futuro, tinha observado cuidadosamente as perguntas dos petizes e as estratégias dos pais.
Tinha rido deliciada com as aflições de uns e outros.
Estava preparada, portanto.
Rapidamente percebi que explicar a origem dos bebés seria o menor dos meus problemas, e nem sequer tive de me socorrer do velhinho expediente da cegonha.
Nas primeiras inquirições sobre o assunto, coloquei o meu ar professoral, e entre conceitos da biologia e histórias de príncipes e princesas, a coisa deu-se.
Fui premiada com um espontâneo e desconcertante – “Que nojo!!!”,e uma providencial mudança de assunto.
Tinha-me safo! Por ora…
As primeiras gotas de suor que me escorreram pela testa surgiram com as birras por um brinquedo novo.
À tradicional resposta de “não tenho dinheiro”, a solução rápida e despachada:“- Vai ao Multibanco que ele dá-te as notas!”.
E a explicação intrincada sobre noções básicas de economia impôs-se.
Mas se o Banco é nosso, como dizem na televisão, é só ir lá dentro e pedir as notas, argumentava ela.
Pois, mas os bancos ficam com nosso dinheiro para que o apliquem em nosso benefício, porque assim ganha juros, dizia eu.
(Eu! A quem ensinaram sempre que não se deve mentir às crianças…)
E o debate académico sobre o funcionamento do nosso sistema fiscal prosseguia, terminando não raras vezes com a compra do almejado brinquedo…
A História de um país deve ser contada às gerações vindouras, por razões de cultura geral, mas sobretudo para que os erros do passado não se repitam.
Segura desta minha convicção, abracei a hercúlea tarefa de explicar a Ditadura e a Revolução. Quando dei por mim, dissertava histórias de ogres e fadas, polarizando a nossa História recente, num relato que se traduziu em noites mal dormidas, com pesadelos – ela – e insónias – eu.
Entre prisões políticas e cravos em espingardas, as descrições minuciosas sobre a cadeira do Salazar (teria espaldar? estava partida? e porque se lembrou ele de subir à cadeira?) e a confirmação quase sob juramento, uma e outra vez, de que está efectivamente morto.
E a grande questão colocou-se: as pessoas não podiam falar porque o Salazar lhes punha fita-cola na boca?
Ainda imbuída deste espírito, tenho levado a minha filha comigo a todos os actos eleitorais, momentos que aproveito para uma introdução aos princípios elementares da participação cidadã em democracia.
Na primeira vez, à saída da urna de voto, correu entusiasmada para a avó, aos gritos e apontando para as listas afixadas no recinto: “- A mãe votou naquele!!!”
E como explicar que um acto com consequências tão importantes na nossa vida tem de permanecer secreto?
Nos esclarecimentos sobre o “que é isso do Governo” também não fui feliz.
Declarou-se, peremptória, contra toda e qualquer instância que cometa o atrevimento de lhe dar orientações, gerais ou específicas, porque “nela ninguém manda!”.
E no final da cátedra, a tese.
Apresentada em toda a sua simplicidade axiomática, como só as crianças o conseguem fazer: “Votar é como as rifas.”

Mafalda

10 comentários:

  1. Mafalda aqui estou com a corda ao pescoço, tal como aquele que a História nos relata,para confessar que por um qualquer acaso não tinha lido este premiado conto.
    E agora com o perdão devido, declaro alto e bom som (aprenda-se, LaC)que o achei excelente e me provocou dezenas de sorrisos quase tantos quantos os parágrafos.
    Quanto à foto, protesto!Quem tão risonhamente escreve, deve ter um bonito sorriso...e o que é bonito é para se ver !!!

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  2. "Improvisando nos primeiros desassogegos" eu também...

    Gostei muito do que li acima, especialmente da '1ª parte', muito hemingwayiana, meia dúzia de palavras conveying the meaning, straight to the point.

    (Um dia ainda hei-de aprender a dizer estas merdas em português, mas não tenho impressão que seja hoje...)




    Muitos parabéns Mafalda o bronze foi durante muitos séculos o grande metal nobre, construiram-se impérios com ele, e seja como fôr, o ouro está sobrecotado. :-))

    Tudo de bom para si, escreva mais, o caminho faz-se caminhando.

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  3. Parabéns Mafalda! lembro-me bem deste conto que hoje é ainda mais oportuno... Também gostava de ver esse sorriso.

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  4. Gostei muito, mas também gostava de conhecer a "Contestatária"...

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  5. Com a aparência de ser, e é-o, um conto bem disposto ultrapassa esse aspecto redutor , mostrando que a brincar se podem dizer coisas muito importantes e até educativas.
    Os meus mais profundos parabéns!!

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  6. Menina safada...tapou o rostinho, lindo na certa, e mostrou o decote para os marmanjões ficarem no maior desassossego.E eu, e eu...

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  7. Parabéns Mafalda. Em face da qualidade dos micro-contos, imagino a trabalheira do jurí para chegar a este veredito.

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  8. Mafalda...
    Gostei muito do seu Conto (comentei-o, na altura, com merecidos elogios, até pela grande sabedoria da Filha que tem...) e fico muito feliz por não ter que ir para a cozinha fazer a tal cabidela!
    Gostava de lhe conhecer o rosto mas, talvez lá mais para Setembro!!!
    Também, no seu caso, consegui levantar um bocadinho do véu...
    Condiz, também!
    Mas, a minha boca não se vai abrir...

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  9. Concordo com o Zé Manel. Então, eu dei milhares de concelhos sobre maquilhagem, cabelos, roupa….Disse tudo o que sabia para não ficares com a cara a brilhar como o Farol do Bugio e a mise carregada de laca em feroz competição com o penteado da ‘Dama de Ferro’ (aquilo não havia vento que lhe pegasse) …E surpresa! Tapas a cara com um livro…mas deixas ver o ‘modelito’ arrojado.
    Parabéns pelo talento escrevinhador …e aproveito para agradecer ao Galo e à Bizâncio, o livro que vou receber, com lacinho e papel colorido como manda a lei! :)

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  10. Menina... De olhar penetrate! Que me acompanhou ao longo de um percurso muito importante!
    Que histótias que tu escreves! Não pares!
    Faz bem à alma e ao "corpo" ler as tuas palavras...
    Mama feliz!

    Beijinhos e Saudades
    Maria Ceu

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