quinta-feira, 10 de setembro de 2009
PRÉ-PUBLICAÇÃO
Pois é verdade, o meu amigo Pedro Foyos que, nos últimos tempos nos tem enviado algumas das mais interessantes páginas, ou posts se preferirem, do"Galo"...vai publicar um novo Livro!!!
Até aqui tudo bem, mas num gesto de grande amizade, o Pedro resolveu fazer a Pré-Publicação de uma página do dito cujo, aqui mesmo, no nosso blog.
E, assim, em rigorosa estreia mundial,
e mesmo galáctica,
temos o prazer de apresentar,
Ladies and Gentlemen...
"Botânica das Lágrimas":
uma página
do novo romance
de Pedro Foyos
Uma viagem em tempo real (exactamente duas horas e quarenta e cinco minutos) ao mundo mágico da pré-adolescência masculina.
Um livro de aventuras para adultos com mais de sete anos e meio.
Humor e tragédia, porque, intermitentemente, Pedro Foyos encoraja o leitor a descer ao inferno bem real do "bullying" e das praxes cruéis.
Todos os episódios, fundados na realidade, foram documentados no decurso de dois anos de investigação jornalística em Portugal.
O Jeco Marado, cruel "bubu" do sexto ano, que passa o tempo a relatar histórias impressionantes vividas na night... (aparece às vezes nas aulas com óculos espelhados, consta que se divorciou dos pais, deixou de dormir em casa, amiúde se lhe topa cigarro de cowboy ao canto da boca
– «... devia ter vergonha», desaprova Bravo Toninho, «com tão pouca idade e já é um fumador invertebrado») ... pois o Jeco Marado, rematado bandido, espectador assíduo nos ringues clandestinos de "chutebox" e que nas costas do Rufino fala de papo sobre uma futura ascensão à liderança do gangue dos "bubus" – é esse velhaco quem trava o passo ao General, entreabre o bolso fundo das calças, retesa um dedo obsceno, convida-o a espreitar:
– A Dona Salsicha Gorda anda sempre comigo, 'tás a ver?
A Salsicha Gorda. O General não consegue fugir à visão daquele instrumento seu conhecido: um cacetinho negro, de borracha, tipo bastão caseiro, que Jeco Marado prefere às varas e às canas no "corredor da morte". Exibe-o com frequência aos miúdos do 1º ciclo, longe de olhares adultos e dos alunos mais velhos hostis ao gangue. O General cerra os dentes ao ouvir Jeco Marado segredar-lhe com riso alarve:
– Olh'áqui a cabecinha dela, tão linda q'é, não é? Tadinha, há tanto tempo sem fazer exercício. Vamos ver se lhe damos hoje essa alegria (...)
.......................................................
«Quem não obedece, apanha!» – A frase velhaca é uma das que Rufino costuma gritar no terreiro das canas. Tem na mão uma vara que serve ao mesmo tempo de batuta e para vergastar as crianças cujo desempenho não satisfaça. Sempre rodeado por alguns membros da sua matilha, vai distribuindo os papéis:
– Tu fazes de gato de telhado, miau-miau. Tu: cão de guarda, ão-ão. Tu: pintaínho, piu-piu. Tu: rã, croooac, croooac. Tu : grilo, cri-cri-cri. Tu : cuco, cu-cu. Tu: patinho, quá-quá.Naquele dia, um menino atrapalha-se. À voz de comando "gato!" faz "piu, piu, piu". O maestro ordena "alto!", chicoteia o troca-vozes, retira-o do coro, obriga-o a pôr-se de gatas e a repetir durante dez minutos, controlados ao relógio: «miau, miau, miau, miau...» Enquanto isso, vai esclarecendo os coristas que choramingam: «Um bom escravo faz-se de pequenino. Não sendo a bem terá de ser a mal. E parem com a choradeira! Quando o programa for de choro, nós avisamos.» Então, no recomeço, já Rufino exigira um dueto intercalado "burro-galinha", com o "miau-miau" contínuo em fundo, Leonardo dá um passo em frente (não era ainda General e havia-lhe sido atribuído o desempenho vocal do cordeirinho)... dá um passo em frente e grita: «Eu não faço mais mé-mé. Não sou cordeirinho nem palhaço!» O menino-intérprete do burro pára de zurrar, o do gato pára de miar e Rufino avança para Leonardo, de vara erguida, a raiva a brilhar-lhe na dentuça. Também os restantes praxadores saltam, brutais, sobre o bobo rebelde, que lhes troca as voltas e consegue escapulir-se com a agilidade de um aranhiço em plena prova de velocidade e perícia. Aproveitando a confusão, o menino-gato-de-gatas foge espavorido na direcção oposta, o menino-rã salta o muro que separa o terreiro do ginásio, outros escondem-se no canavial, embrenhados no fundo mais fundo do medo. Nessas loucas correrias não alinha o menino-galinha: em pavor, sem coragem para fugir, incrustado no centro do maremoto, com lágrimas nos olhos e na voz, vai soluçando um cacarejar infeliz. E ali, no terreiro deserto, adormece de cansaço.
A partir desse dia, os meninos mostram-se menos dóceis, até os tímidos começam a recalcitrar. Os ousados, esses, chegam ao ponto de se insubordinarem contra a "lei do boné": no exterior da escola – determina a "lei" – indo um "abanico" de boné posto, deve tirá-lo ao cruzar-se com um "bubu". E a "prova da malagueta" (salvo-conduto individual para evitar maus tratos), regista um índice baixíssimo de adesões. Após as férias do Natal, é descoberto o tenebroso plano do rapto de Leonardo. Não chega a consumar-se graças a um grupo guerreiro que, avisado do local e hora do atentado, se enclavinha à garupa do Simão-mão-de-betão, o piolhoso agente raptor. Este ainda se desenvencilha dos primeiros atacantes, atirados de cambulhada como sacos de trapos, mas logo um miúdo corajoso lhe salta aos costados e resiste com os braços em ferradura à volta do gasganete. Os guerreiros por terra recompõem-se a tempo de domar as manápulas e as pernas da fera, que tomba no meio de uma infernal grita de índios enraivecidos. Antes de reerguer-se e fugir, Simão é por todos cuspido com desprezo. Rufino e séquito vão considerando, irritados, que as "provas" no terreiro das canas terão de aguardar pelo novo ano lectivo, quando chegar à escola outra leva de caloiros submissos.
Não mais-mais a vida de Leonardo teve sossego. Mas a dos "bubus" também não. Raras vezes gozam até ao fim a tortura de um miúdo.
(Fragmento do romance "Botânica das Lágrimas", de Pedro Foyos / Editorial Hespéria)
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Parabéns, Pedro.
ResponderExcluirDepois diga-nos quando vai ser o lançameto para estarmos lá a comprar o livro e a pedir uma dedicatória...
E vão dois para a fila dos autógrafos.
ResponderExcluirA mim, torceu-se-me o estômago!
ResponderExcluirO coroa até que é bom de papo...
ResponderExcluirA "amostra" é bem sugestiva da qualidade final que se adivinha ( outra coisa não seria de esperar !)
ResponderExcluirAbraço
Também gostei da temática e da escrita.
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