sexta-feira, 27 de novembro de 2009

IIIII RECEITUÁRIO DOMÉSTICOIIIIIIIIIIIIIIIIIII Como entender o mundo complexo da investigação científica

Investigação científica – era o tema quando na terça-feira fomos interrompidos pelo Cristiano Ronaldo. Revelarei agora o que se passou após o complacente acolhimento dispensado a este neófito pela formidável gente da Ciência, pessoas em geral tão despretensiosas quanto sábias. A curiosidade jornalística conduziu-me aos meandros do Laboratório (sim, com maiúscula, como devem ser designados os lugares mágicos). Confesso que a visita de estreia me desapontou um bocado. Com penetrante sagacidade, a par da intensa experiência de vida dos meus vinte e poucos anos, logo vislumbrei um mistério que se ocultava horizontalmente sob uma diáfana cobertura branca, lá ao fundo. Bem entendi: era naquele desvão secreto que estaria a ser engendrada uma criatura similar à do Doutor Frankenstein, mas imaginava-a com o aspecto decadente, abandalhado, que ao tempo exibiam os bordeleiros do Bairro Alto (um "Frankenstein" geneticamente português!, não sei se me faço entender). Todavia, de cada vez que tentava um passo na direcção do monstro, antesaboreando uma sensacional "cacha" jornalística, os meus dois cicerores interceptavam-me, curto e grosso: «Por aqui, por aqui» – apontando a fileira de microscópios em cujas plaquetas me aguardavam, no oposto extremo biológico, outros fadistas, estes liliputianos, translúcidos, parecendo bracejarem como náufragos de uma eternidade aquosa, silenciosa.

O Laboratório é a oficina da Ciência. Nesse santuário asséptico de prodígios e de mistérios tudo pode acontecer: os êxitos, os desaires, as refregas. A procura é por via de regra mais atractiva que a descoberta. Porque a descoberta representa o fim de um curso maravilhoso, laborioso, desassossegadamente incerto, desaguando no sossegado estuário da certeza. Grita-se Eureka! uma vez, nos dias seguintes não há grito nem ânsia. Cessa o efeito hipnótico da espera, o êxtase do ensaio, a fervilhante "neurose" que, levada ao extremo, fixou no universo cinematográfico e literário a figura portentosa do "cientista louco".

Os "postulados" paródicos que se lerão a seguir resultam da enriquecedora vivência que mantenho com os "cientistas de oficina" a quem devo tanto de conhecimento e de descoberta no domínio quase sempre bem humorado da investigação científica.
Ao contrário dos clérigos, nenhum cientista nos dirá:
«... com isso não se brinca!...»
1
A experiência científica (a Dona Experiência, como lhe chama o meu amigo Felice Brotero) não suporta que a desnudem sem longos preliminares e tentativas azaradas. Mas é vulnerável à persistência massacrante. Um dia, no limiar da desistência iminente do investigador, a Dona Experiência acabará por interpelar cumplicemente o cão do Doutor Pavlov:
– Vá lá!, põe-me essas glândulas a salivar, de contrário nunca mais saímos disto!
2
Para que uma experiência científica seja «bem sucedida» é necessário que o resultado configure em absoluto o contrário do esperado e que, no final, os investigadores ponderem: «Experimentemos agora fazer ao contrário».
3
Da actividade científica resultam invariavelmente benefícios e malefícios. Estes, após aturadas pesquisas poderão converter-se em benefícios. Estes, em consequência de uma intensiva utilização pela sociedade humana poderão converter-se em malefícios. Estes, após aturadas pesquisas poderão converter-se em benefícios. Estes, em consequência...
4
A Ciência, ao contrário do que parece, não é uma varinha mágica. Mas inventou uma que, ligada à electricidade, consegue remexer líquidos e transformar sólidos em papas. Sem electricidade não existiria a varinha mágica. Os líquidos teriam de ser remexidos pelo braço humano – que, esse, sim, é mágico: move-se sem ser preciso ligá-lo à electricidade. Mas é verdade que, se ligarmos o braço directamente a uma tomada eléctrica, funciona mais vigorosamente. Isso já nada tem que ver com magia. É Ciência.
5
Quando se proporcionar, o leitor experimente cortar ao meio um coração humano. Observe a sua secção dividida em quatro partes, com dois aurículos e dois ventrículos, tal e qual o interior de um tomate. Tal e qual. Poderá inverter as fases da experiência, cortando ao meio um tomate. Vai dar ao mesmo mas não é tão emocionante.

6
Ante o número imenso de artifícios e desnaturadas contradições da Natureza, o que parece lógico afirmar de ciência certa é que a Natureza é uma ciência naturalmente incerta.



Pedro Foyos
Jornalista




Um comentário:

  1. Vou só dixer duas coisas rápidas:

    P.F tu fazes imenso sentido, mas isto é a i-net, e aqui a capacidade de síntese é uma virtude, não um defeito...



    Temos a imensa sorte de ter como ministro da Ciência (ou lá o que é...) um gajo fabuloso (que precisava disto como eu preciso de aprender laociano) , de seu nome Zé Mariano.
    Poderíamos estar condenados a criaturas como o Só Cenas Parvas, ou Sucena Paiva, ou lá como diabo ele se chama.

    Two cents...

    :-)

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