terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um tiro um tudo nada ao lado

48
Tudo tinha corrido como eu planeara. Eu o besta analfabeto, só músculo e sem nada na cabeça acabara com a raça dos manos Chávez e, muito principalmente, com o fêdêpê do russo, que tentara me tramar e ao meu patrão.
Velic não se devia ter metido cá com o negão. Agora estava voando para os braços de Ogum, só que feito conféti.
Me tinha escafedido do cemitério, no meio de toda aquela bagunça, sem ninguém ter dado por tal.
O Pila de Touro já me esperava do lado de fora com um embrulho em papel marron.
Olhei apreensivo o pacote mas o PT, como era conhecido pelos amigos, era um profissional seguro, e fez o sinal de tudo jóia.
A alcunha, que ninguém tinha coragem de lhe chamar na cara, vinha das primeiras idas, ainda moleques, à zona ( que era então na Lapa, transformada agora em ponto turístico) e ao espanto das raparigas da vida ao verem o equipamento do moço.
Muitas delas ficavam tão agradadas ( não eram suficiente finas para saber que tamanho não é documento, até porque muitas nem documentos tinham) que lhe prestavam serviços gratuítos, até que um dia o cafetão de uma delas a esfaqueou na cara, por não admitir borlas.
Foi o fim do cafajeste, no dia seguinte ao meter a chave na ignição do seu Cadillac dourado, desfez-se em mil bocados, ele e o carrão, num estouro que rebentou com os vidros do bairro todo e foi a primeira explosão, em sentido duplo, do talento natural do jovem PT.
E agora, ali estava ele , aguardando só que eu lhe indicasse qual o carro em que Velic iria levar os venezuelanos ao Galeão.
Quando viu o Bentley blindado, sorriu mostrando os dentes amarelos por mascar tabaco" Boa, bróda, cá o mén já sabia que tinha que ser dose reforçada. Com esta receita só vão parar nos escafundins dos infernos...".

Deixei-o no seu trabalho e voltei para o cemitério, na altura em que estavam naquelas modernices da fornalha.
Para mim, morto tem que ficar em baixo da terra. Pó é para cheirar ou para botar em baixo do tapete...
Me misturei com o povo, mais interessado nos silicones das madames do que no discurso do Prefeito que falava em luta contra o Crime e patacoadas assim.
Áquele cara já eu entregara malas cheias de verdinhas, para que fechasse os olhos aos pontos do jogo do bicho, à distribuição nas portas das escolas, e outras coisas que tal.
Ouvi-lo agora a falar de moral e respeito pelas autoridades, era hilário.

Até a mim que já estava à espera, o forte estrondo me apanhou despevenido .
Saí lentamente, para não ser dos primeiros a chegar junto ao automóvel. Ou do que restava dele...
Lata retorcida, um capot completamente esventrado, pedaços de borracha misturados com as inúmeras malas dos venezuelanos, em que a roupa se empapava em óleo e outros líquidos suspeitos.
Os cadáveres dos dois irmãos, embora feitos em pedaços, eram facilmente identificáveis.
Menos dois com quem Sérgio, e eu próprio, se tinha que preocupar.
Procurei no meio de toda aquela confusão sinais do seu sócio. Nada.

Foi então que lhe ouvi a voz, inconfundível em seu acento agreste
" Foi um milagre. Como o carro estava cheio com tanta mala, ia pegar um taxi para seguir atrás deles..."

4 comentários:

  1. Depois dum ou dois episódios mais lentos, mas que foram necessários porque as mudanças de ritmo são importantes, os Crimes voltam com uma intensidade que nos faz adivinhar grandes surpresas até ao final.
    Só uma pergunta curiosa, quantos capítulos vai ter esta saga?

    ResponderExcluir
  2. Então já sabemos qual é o próximo a marchar...

    ResponderExcluir
  3. Cheio de acção e muita descrição contextual do cenário.
    Cada vez melhor!

    ResponderExcluir
  4. Adorei, seu J.V. !!

    Nem quero nem saber se a "acção progride", me dá o "Cadillac dourado", os "serviços gratuitos" e até o pôrra do cafetão, se o men fôr bleque e tiver mínimo um e noventa metro, prefiro com pistolão...

    :-]]

    ResponderExcluir