terça-feira, 30 de março de 2010

Leandro nunca existiu IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII ( Conclusão)

POR RAZÃO DE HUMANIDADE, NENHUM INQUÉRITO CÍVICO
DEVERIA ATRIBUIR O CONCEITO DE "ACIDENTE"
A UMA CRIANÇA QUE DURANTE UM TEMPO INFINDO
FOI EMPURRADA PARA O SUICÍDIO.

O verniz vocabular de expressões como "acidente" e "morte por causa indeterminada" estala quando se examina com seriedade e isenção os dois últimos anos da breve vida de Leandro. Esteve durante esse tempo infindo em secreto e silencioso sofrimento. Mas os colegas sabiam que ele era constantemente sovado por alunos mais velhos. Somente nas últimas semanas, em especial na última, Leandro não conseguiu reprimir a dor e começou a repetir a frase que no dia derradeiro, 2 de Março, foi pronunciada em choro e numa terminante forma verbal: «Não apanho mais, vou-me botar ao rio". Um minuto antes, Leandro sofrera nova e bárbara agressão que foi presenciada por colegas. A imprensa do dia 4 noticiava: «Os supostos agressores já foram identificados e estão a ser acompanhados por um psicólogo na própria Escola.»
Desde o instante em que Leandro saiu disparado em direcção à ponte-açude, tudo poderia acontecer. Encontrava-se sobre um instável fio de arame, de tão fraca resistência que seria inevitável partir-se como um ramo frágil que cede a uma tempestade súbita. E, ao partir-se, o equilibrista cego poderia cair para o lado da vida ou para o lado da morte. Caiu uma primeira vez para o lado da vida, em cima da ponte, em resultado da refrega com o primo Ricardo Nunes, um ano mais velho, que o impediu de lançar-se, ficando com um braço magoado. «Depois», relata Ricardo, «desceu pelas escadas, foi ali para o parque de merendas e de repente tirou a roupa e meteu-se na água.» Nesse momento impreciso, Leandro caiu para o lado da morte. Se foi ou não um acaso, se a vontade própria de Leandro influiu ou não na decisão mais cruciante da sua existência, é quase um irrelevante exercício técnico. Claro que, numa perspectiva judicial, é enorme a diferença entre as duas situações. Mas civicamente não há qualquer diferença. O "acidente" alivia porventura o peso de muitas consciências, desresponsabiliza quem colocou Leandro no fio de arame, quem o empurrou para uma circunstância limite, quem fez emergir na sua mente, ao longo do tempo, um ideário suicida.
As palavras dos mestres psiquiatras são sucintas: não existe complexidade na compreensão do ideário suicida, o qual cessa, enfraquece ou fortalece em função da cessação, enfraquecimento ou fortalecimento das causas que lhe estão subjacentes. No último caso, poderá transformar-se repentinamente numa indominável irracionalidade – a "grande e cega fúria" – latente durante poucas horas ou minutos. Leandro atingiu esse estádio ao "sair disparado" da Escola, a chorar, correndo para a ponte. É extremamente admissível que nesse momento tivesse consumado o suicídio, não fosse a intervenção do primo Ricardo com a luta entre ambos. Leandro fugiu depois para a beira-rio. Foi possível assistir na RTP à reconstituição desse percurso, com a jornalista Judite de Sousa e Ricardo ao seu lado descrevendo tudo, passo a passo. Impossível, fixando os olhos deste jovem, escutando-lhe as palavras nervosas, duvidar da sua dor, da sua sinceridade. Por tal motivo, profundo é o sentimento de tristeza que sinto ao antever que este e outros jovens da Escola Luciano Cordeiro, em Mirandela, vão sofrer com as conclusões dos inquéritos oficiais ao "caso Leandro". Porque tudo faz prever que tais conclusões os irão desmentir, que negarão os seus testemunhos. Seria indispensável que a Escola, o Ministério Público, o Ministério da Educação providenciassem com urgência um apoio a estes jovens. Melhor do que eu o dirá a notável pedagoga Professora Beatriz Pereira, porventura a maior especialista do "bullying" em Portugal, autora de vários livros sobre o tema e coordenadora (juntamente com a Professora Adelina Paula Pinto) da obra "A Escola e a Criança em Risco", da qual extraio um trecho da secção intitulada, precisamente, O bullying e o suicídio. Eis:

«O jovem que acabou por se suicidar escolheu, provavelmente, um colega da sua idade com quem partilhou a sua intenção. É já demasiado tarde para evitar a morte de um jovem, mas não será tarde para apoiar o colega que partilhou aquela dor e os outros colegas da turma. Pode ser importante falar com este jovem e acompanhá-lo, para que ele não se sinta culpado do sucedido, evitando assim os efeitos perversos da situação.»

Se já era importante apoiar e acompanhar os colegas da turma de Leandro e todos os amigos que com ele privaram e o estimavam, mais o será agora, quando lhes for dito que, afinal, Leandro nunca existiu.



Pedro Foyos
Jornalista
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3 comentários:

  1. E porque é que o Galo não edita estas crónicas, e as de outros comentadores,em Livro?

    Parabéns PF !!!

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  2. Acho que vou dar em 'agressor' a ver se o estado me dá também 'acompanhamento psicológico' e quem sabe, benefícios fiscais.




    P.S.

    Esses absolutos idiotas que tresleram umas merdas sobre Summerhill e quejandos e depois 'formularam' as políticas (des)educativas do Ministério ao longo dos últimos trinta e tal anos deviam ser todos obrigados a ir dar aulas --- coisa que o grosso deles nunca na vida fez... --- para 'escolas problemáticas' durante uns aninhos.
    Infelizmente isto não é viável porque ou estão todos reformados ou estão de 'consultores externos' a fazer e a dizer as mesmas cacas que faziam e diziam lá dentro...

    :-(

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  3. Aviso á navegação: eu, quando me quiser suicidar não vou tirar a roupa . Antes morrer afogado que de hipotermia.

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