sexta-feira, 19 de março de 2010

LII - O Poema inglês

Tive a certeza, ao olhar para a estátua, que a nossa busca aproximava-se do fim.

Um Pessoa que em nada se assemelhava ao célebre retrato do Almada, ou ao do Chiado, em cabelo e olhando-me por sobre os óculos redondos, meio encostado numa rocha, parecia querer transmitir-me uma qualquer mensagem.

No pedestal, um poema em inglês que eu não conhecia, o que não era de estranhar já que os meus conhecimentos da obra do poeta ficavam-se pelos escritos na língua lusa.
Aproximei-me mais para ler o que estava gravado na placa de bronze.

“I am the escaped one,
After I was born
They locked me up inside me
But I left.
My soul seeks me,
Through hills and valley,
I hope my soul
Never finds me.”

Palavras que podiam (…mas deviam?) ter inúmeras interpretações…
‘ Fecharam-me dentro de mim, mas eu fugi…’ ou ’espero que a minha alma nunca me encontre’ poderiam explicar a vida dupla de Hemingway e a existência deste seu refúgio lusitano.

Fui batendo no pedestal da estátua até me soar a oco. Aquela parte não era maciça como o resto da base.
Dirigi-me ao Ti Jaquim “ Vamos ter que esburacar esta parede, deitá-la abaixo para vermos o que está cá dentro…”

Pela expressão do ex-operacional vi logo que não estava de acordo com a sugestão.
Manteve-se em silêncio sem se mexer até que a Cristina o interpelou directamente “ Não ouviu? É para deitarmos esta coisa abaixo…”
Toda a cordialidade e aparente simplicidade do homem desvaneceu-se em segundos.
“ Eu só recebo ordens do Sr. Comendador. O meu único patrão é ele e não vou começar a destruir obras de arte só porque ‘bócezes’ dizem que é aqui que estão guardadas ‘coisas’…”e depois de cuspir com desprezo para o chão ”… e além disso já fomos a dois locais antes e ainda não encontrámos nada…”

Não deixava de ter razão, embora eu tivesse a certeza de que desta feita estávamos na pista certa.
De qualquer maneira todas as vezes anteriores tinham servido para cada vez mais nos aproximarmos mais da meta final.
Este enigma tratava-se de uma espécie de Rally Paper em que ao chegar a um local se recebe um sobrescrito fechado que nos poderá conduzir ao próximo ponto e por aí fora sucessivamente…

O pragmatismo de ‘ Foxy Lady’ não se fez esperar.
“ Então vou ligar ao seu patrão para que ele lhe diga o que há-de, e pode ou não, fazer…”
E dito isto, sacou do telemóvel e iniciou a ligação.
A frase dita em tom incisivo e o ter verificado que Cristina tinha acesso ao protegido número particular do Salcedas fez hesitar o rústico nortenho que , mesmo assim, se manteve de cara fechada enquanto a Cristina completava a situação, ficando depois a aguardar que alguém respondesse.

Pouco depois, já era óbvio que ninguém ia atender a chamada…
“ Bem, vou ligar daqui a pouco ou então Comendador quando vir o meu número vai-me telefonar…”

O Ti Jaquim mantinha-se impenetrável empunhando a pá como se se tratasse de uma arma de guerra.

Para ir ganhando tempo debrucei-me, mais uma vez, para reler o poema anglófilo…
“ I’m the escaped one…”

A pancada brusca repercutiu-se na zona da nuca parecendo que esta tinha explodido em milhentos pedaços…

4 comentários:

  1. Isto sim, é um bom final de episódio que deixa água na boca para o próximo.

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  2. I am the escaped one,
    After I was born
    They locked me up inside me
    But I left.
    If we get tired,
    Of the same place,
    Of the same being
    Why not to get tired?
    My soul seeks me,
    Through hills and valley,
    I hope my soul
    Never finds me.
    To be one is prison,
    To be me is not to be.
    I will live runing away
    But I live for real.

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  3. E já que falamos de estrangeiros, estou há séculos para ver o filme argentino do Juan José Campanella que levou este ano o oscar de Best Foreign Language Film of the Year bem como 33 outros prémios e 19 nomeações .

    Acho que vai ser hoje.

    :-)

    (estreou no Brasil em 28 Set. 2009 no Festival Internacional de Filme do Rio de Janeiro, e em Espanha e no Canadá ainda antes.
    Cá em PT, não sabemos para quando será...)

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